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Brasil-Mundo

Os dez anos da mercearia literária brasileira de Berlim

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A literatura brasileira tem endereço certo em Berlim: A Livraria. Aberto há exatos dez anos pelo pernambucano Edney Pereira Melo, de 42 anos, o espaço virou referência para quem está em busca de autores lusófonos. E ainda sedia um festival anual de literatura: o Brasilien trifft Berlin – o “Brasil encontra Berlim”, já em sua quarta edição.

Edney Pereira Melo: proprietário da Livraria brasileira de Berlim.
Edney Pereira Melo: proprietário da Livraria brasileira de Berlim. RFI/Cristiane Ramalho
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Cristiane Ramalho, correspondente da RFI em Berlim

É fácil para um brasileiro se sentir em casa em A Livraria. Não só pelos 40 mil títulos em português que disputam espaço nas abarrotadas prateleiras da loja. Ali há também uma pequena mercearia, com produtos como feijão, cachaça ou tapioca. E mais: na livraria, fala-se português. E muito.

Apaixonado por literatura, o livreiro pernambucano Edney Pereira Melo faz mais do que vender livros. Ele movimenta a cena cultural de Berlim promovendo leituras, palestras e debates no pequeno porão da loja.

Numa noite gelada do último outono, por exemplo, brasileiros e alemães lotaram o espaço para discutir a turbulenta situação política do Brasil, com o cineasta Karin Aïnouz, o cientista político Sérgio Costa e o jornalista Flávio Wolf Aguiar.

“Em uma década de Livraria, já fizemos umas 200 leituras”, contabiliza Edney. Por lá, já passaram escritores como João Ubaldo Ribeiro, Cristóvão Tezza, Ignácio de Loyola Brandão.

E o que não falta é história. Noite dessas, num evento dedicado à Bossa Nova, Ruy Castro apresentava o seu best-seller Chega de Saudade. Casa cheia, clima animado, convidados especiais - como a cantora Miúcha, irmã de Chico Buarque, e Georgiana de Moraes, filha de Vinícius.

Tudo ia bem, até que começou um festival de cadeiras quebradas e tombos patéticos, para desespero de Edney. Lá pela quinta ou sexta cadeira, Miúcha não resistiu: « Será que Vinicius veio também ? », disparou, arrancando risadas da plateia.

« Andamos de Metrô »

O projeto de abrir A Livraria nasceu num hospital, em 2005, quando o livreiro, recém-chegado a Berlim, com tédio, um joelho recém-operado, e sem dominar o alemão, pediu que a mulher – a italiana Catia Russo -, comprasse livros em português. Não havia.

“A única livraria do gênero ficava em Frankfurt”, lembra Edney. O casal decidiu, então, apostar todas as fichas no negócio.

Não se arrepende: “Não é que dê lucro, mas Berlim é uma cidade bem acessível. Com o pouco que dá, conseguimos viver muito bem”, diz Edney. Dá para viajar uma vez por ano ao Brasil, Portugal e Itália, por exemplo. “Mas andamos de Metrô, não temos nenhum luxo”.

Se virar com o básico faz parte do esquema do casal. Em 2013, quando o Brasil foi homenageado pela Feira do Livro de Frankfurt, muitos autores brasileiros resolveram dar um pulinho na capital alemã.

Edney não deixou a chance escapar. Juntou um punhado deles, e criou o festival de literatura Brasilien Trifft Berlin, com convidados como Paulo Lins, Heloísa Seixas, Marcelino Freire.

Quatro anos depois, o festival vai bem. Mas a crise brasileira também teve impacto por aqui: “Nos dois últimos eventos, tivemos apoio do Ministério da Cultura e da Embaixada do Brasil. Mas este ano, com esse caos político, eles cortaram todos os financiamentos de projetos no exterior. Inclusive o nosso”. Mesmo assim, a proposta não morreu.

Invasão italiana

A Livraria fica em Mitte, bairro da antiga Berlim comunista, hoje um dos mais valorizados da cidade. Nas suas prateleiras, convivem escritores do Brasil e de Portugal - como Jorge Amado, António Lobo Antunes, Cristóvão Tezza, Valter Hugo Mãe, Clarice Lispector e Fernando Pessoa – e africanos, como o angolano José Eduardo Agualusa e o moçambicano Mia Couto. Também existem títulos italianos – o que ajuda a salvar a pátria.

“A maior parte do público da Livraria é de italianos”, diz o livreiro. Isso, apesar de 80% do acervo ser de livros em língua portuguesa. “Mas é justo. São 40 mil italianos, contra sete mil brasileiros em Berlim”.

No espaço, há também um mercadinho com produtos que fazem falta aos brasileiros no exterior. « Quando dá saudade, a gente vem aqui. É um lugar bem legal, não só pelas compras, mas também porque dá pra encontrar pessoas e falar português », atesta o jornalista Flavio Lenz.

Nova frente

De olho na próxima década, Edney quer agora investir no mercado editorial. Batizada de Edition Tempo, a nova editora acaba de lançar dois novos títulos. Entre eles, o infantil Julia e os Balões, de Marco Colatelli: ”Graças ao Edney, esse livro foi publicado aqui em Berlim, em português e alemão, ou seja, pode ser lido também no Brasil”, festeja o escritor. O desafio agora é editar mais para o mercado de língua alemã.

Por enquanto, o que sustenta o projeto é a venda de livros pela internet. “70% das vendas são on-line. Já distribuímos livros para o mundo todo – China, Austrália, Japão, África... até para o Brasil”, atesta o livreiro.

Ex-estudante de Letras no Recife, Edney encara o trabalho para além da venda de livros. “A proposta é divulgar a cultura brasileira, a língua portuguesa. Inclusive de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau... E o maior desafio é tornar esses países, a literatura desses países, mais visível aos olhos dos alemães”.
 

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