Acessar o conteúdo principal

Debate em Paris discute o protagonismo "perigoso" do Judiciário no Brasil

 O Observatório Político da América Latina e Caribe (OPALC), do Instituto de Ciências Políticas de Paris (SciencesPo), reuniu três especialistas nesta quinta-feira (27) para discutir a crise política no Brasil, além dos "superpoderes" da magistratura brasileira, entre outros efeitos colaterais do esgotamento do "presidencialismo de coalizão". 

O juiz Sérgio Moro, autor de "incriminações seletivas" durante a operação Lava-Jato, segundo especialistas em debate na SciencesPo, em Paris.
O juiz Sérgio Moro, autor de "incriminações seletivas" durante a operação Lava-Jato, segundo especialistas em debate na SciencesPo, em Paris. AFP PHOTO/EVARISTO SA
Publicidade

No menu do encontro, temas como a tradição política da destituição de presidentes na América Latina, as causas e consequências da ultrapolarização política da sociedade civil brasileira, as fricções entre as narrativas que tentam relatar o episódio do impeachment de Dilma Rousseff e o surgimento de uma nova “entidade” reguladora de poder: o Judiciário brasileiro, cada vez mais politizado, que toma para si de maneira perigosa as decisões primordiais da Nova República do século 21, segundo afirmaram os especialistas reunidos no seminário “A crise no Brasil”.

Para o cientista político Aníbal Pérez-Liñan, é de fundamental importância entender “a destituição de Dilma Rousseff no contexto latino-americano”. O professor da Universidade de Pittsburgh lembrou que, entre o impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, e o de Rousseff, em 2016, nada menos do que oito presidentes da República foram depostos pelo poder Legislativo no continente: Carlos Pérez, na Venezuela, em 1993; Abdalá Bucaram, no Equador, em 1997; Raúl Cubas, no Paraguai, em 1999; Lúcio Gutiérrez, no Equador, em 2005; Fernando Lugo, no Paraguai, em 2012, e Otto Pérez Molina, na Guatemala, em 2015, além dos dois chefes de Estado brasileiros.

Recessão econômica e protestos

“Um estudo que desenvolvi com 19 países latino-americanos, de 1945 a 2010, mostrou que o aumento da recessão econômica e a intensificação de protestos populares estão diretamente e proporcionalmente ligados ao aumento dos riscos de golpes militares e de processos de impeachment no continente”, afirmou o especialista.

“A maioria das destituições presidenciais latino-americanas não apresentava argumentos sólidos, tratava-se de uma manipulação para encontrar desculpas para os processos de impeachment”, lembra Pérez-Liñan, que fez questão de ressaltar a ausência do Exército em cada uma das destituições e o fato do impeachment na América Latina atingir tanto presidentes de direita como da esquerda, o que, para ele, descaracteriza a “narrativa brasileira de um golpe”.

“A outra narrativa presente no Brasil, que celebrou o impeachment de Dilma como um acerto de contas benéfico para a população, também não funciona, porque sabemos muito bem das fragilidades do ataque parlamentar feito à ex-presidente, sabemos da completa falta de solidez do argumento da maquiagem das contas públicas”, finalizou Pérez-Liñan. Além dos oito presidentes latino-americanos destituídos em pouco mais de uma década, o especialista lembrou também dos golpes militares “clássicos” que atingiram os presidentes Jorge Serrano (Guatemala, 1993); Jamil Mahuad (Equador, 2000) e Manuel Zelaya (Honduras, 2009), além dos três chefes de Estado latino-americanos que renunciaram espontaneamente no mesmo período, como Alberto Fujimori, no Peru, Fernando de la Rúa, na Argentina, e Gonzalo Losada, na Bolívia.

O esgotamento do “presidencialismo de coalizão” e um Judiciário "superpoderoso"

Para Marilde Loiola, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, o sistema de “presidencialismo de coalizão” chegou a um esgotamento definitivo. “Vivemos um momento de ruptura com este modelo presidencialista brasileiro, causador de uma extrema fragmentação partidária num contexto de relação deteriorada entre o Legislativo e o Executivo”, afirmou. “O Poder Judiciário vive um protagonismo político problemático e perigoso, em detrimento da soberania nacional, uma vez que não é legitimado pelo voto”, atacou a especialista.

Loiola citou o exemplo do juiz Sérgio Moro, que posou para fotos com candidatos às eleições municipais como o tucano João Dória, em São Paulo, e que aceitou prêmios como o da Rede Globo de televisão. “Numa democracia consolidada, Judiciário e mídia não podem celebrar juntos”, lembrou a cientista política. “Houve também episódios de incriminação seletiva com o vazamento dos áudios da presidência”, lembrou Marilde Loiola, que citou a crítica da Ordem dos Advogados do Brasil na ocasião: “apenas em regimes totalitários processos penais e políticos se confundem”.

“Existe atualmente uma sintonia perigosa entre o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, que revela a falta de independência entre quem acusa, quem investiga e quem julga, tudo isso numa democracia de baixa densidade, como o Brasil de 2016 ”, afirmou a especialista. “Além disso, existe uma ‘judicialização’ do poder. Como o Legislativo se nega a se posicionar sobretudo em questões morais ou religiosas, por medo de perder o eleitorado, ele transfere essa função para o Judiciário; que acaba tomando espaços inéditos de decisão na vida pública brasileira”, finalizou.

O impacto da destituição de Dilma Rousseff nas eleições municipais

“Quem deverá se aproveitar do ‘crime de responsabilidade’ que destituiu Dilma Rousseff?”, indagou Frédéric Louault, da Universidade Livre de Bruxelas, em sua análise “O Impeachment e suas consequências eleitorais”. Louault descreve o voto da Câmara dos Deputados de 17 de abril de 2016 como “um espetáculo parlamentar destinado a preparar as bases eleitorais para as eleições municipais”. “Os argumentos usados para defender o impeachment de Rousseff deixavam claro, sobretudo, a presença dos lobbys que financiaram as campanhas dos deputados. O argumento da maquiagem fiscal foi utilizado por apenas dois dos 367 deputados que votaram pela destituição da ex-presidente”, explicou.

Para o cientista político, “o linchamento político de Lula visou o pós-impeachment", para obter efeitos também na disputa das prefeituras. "Fiquei particularmente surpreso com a incapacidade política do ex-presidente de transferir votos para candidatos diretamente ligados a ele, como foi o caso de Fernando Haddad em São Paulo”, analisou Louault.

O especialista afirmou que o resultado das eleições municipais brasileiras, mesmo antes do segundo turno, demonstrou a grande derrota sofrida pelo Partido dos Trabalhadores. “O PSDB foi o partido que mais se fortaleceu neste pleito e o PT, que conquistou 644 prefeituras em 2012, caiu para 256 cidades em 2016”. “Existe também uma fragmentação de partidos políticos em níveis locais. Mesmo o PT, que era tradicionalmente muito forte em nível local, acabou se fragilizando ”, concluiu Louault.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.