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Brasil/Lula

Lula e PT não podem ser os únicos alvos da Justiça, dizem especialistas franceses

Os especialistas franceses em estudos sobre o Brasil, ouvidos pela RFI, não ficaram surpresos com a denúncia contra o ex-presidente Lula, apontado na quarta-feira (14) pelo procurador Deltan Dallagnol como o “comandante máximo do esquema de corrupção na Petrobras". Independentemente da culpa ou não do petista, os pesquisadores esperam que a investigação da Lava Jato e o julgamento dos suspeitos sejam imparciais. Para eles, todos os envolvidos no esquema de corrupção devem ser punidos, e não apenas Lula e o PT.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi apontado pelo procurador Deltan Dallagnol como "o comandante da rede de corrupção" que desviou bilhões de reais da Petrobras.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi apontado pelo procurador Deltan Dallagnol como "o comandante da rede de corrupção" que desviou bilhões de reais da Petrobras. Ricardo Stuckert/ Instituto Lula
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A geógrafa e professora emérita do Instituto de Altos Estudos da América Latina (IHEAL) de Paris, Martine Droulers, acha que a acusação contra Lula é um novo capítulo na crise política que sacode o Brasil há mais de um ano.

Ela acredita que a Operação Lava Jato “é um processo político” que atingiu também as empreiteiras que se beneficiaram dos enormes recursos prometidos pelo pré-sal. O vasto esquema de corrupção é, segundo Droulers, resultado “do capitalismo de laços brasileiro. Todo mundo está implicado”. Para ela, Lula “não poderia não saber” do esquema para a compra de apoio e de governabilidade.

Mas Martine acha que o caso faz parte da construção da jovem democracia brasileira e que o país avança: “Esses casos mostram como a máquina judicial avança e como a máquina política também. Vimos a mesma coisa com a destituição de Dilma. Está avançando com mais transparência, mais exigência, mais expressão da responsabilidade. Isso não existia antes. Homem político tipo o Cunha, da pior espécie, não vai ter mais assim. É o final de uma época!"

Petrolão é mais importante que Mensalão

O sociólogo Dominique Vidal, da Universidade Paris 7, concorda que esse é um processo em parte político e que de fato, até hoje, o “PT é muito mais investigado que os outros partidos”. Mas ele pondera que “a equipe da Lava Jato tem uma certa autonomia. É um processo muito mais aberto do que os partidos políticos dizem.”

Na opinião de Vidal, o Petrolão tem uma importância muito maior do que o Mensalão. “O PT não mudou depois do Mensalão. Não aproveitou o episódio para implementar uma reforma política e mudar as regras do jogo do sistema político brasileiro. Como muitos analistas, acho que o PT se acomodou dos modos de funcionamento do sistema político brasileiro. Acho uma pena porque o PT poderia ter tirado proveito do Mensalão (…) para limitar as possibilidades de corrupção.”

As provas são ainda insuficientes, mas se o esquema for confirmado, Vidal acha difícil que Lula, enquanto presidente da República, “não soubesse o que acontecia”. Se o petista for indiciado e preso, o sociólogo francês não vê isso “como um enfraquecimento da democracia no Brasil. Caso ocorra, fundamentado juridicamente, seria um sinal de que existe um Estado de Direito no país. Evidentemente, prender apenas Lula seria um problema. Mas se todos os envolvidos fossem presos ou indiciados seria um avanço. O recuo seria se fosse apenas Lula e os petistas.”

Cerco da Justiça a Lula é antigo

A historiadora Armelle Enders, da Universidade Sorbonne, lembra que o cerco da justiça a Lula é antigo e que a acusação contra o ex-presidente era esperada. Mas a falta de provas apresentadas pelo procurador Deltan Dallagnol impressionou até os adversários do petista.

Para ela, o problema nessa história é a mistura de política com justiça. Segundo Armelle, o fato da acusação ter ocorrido dois dias após a queda do Eduardo Cunha "é uma maneira de focar de novo a culpabilidade de toda a corrupção em cima do PT e no Lula. E é uma maneira assumida pelo governo de enfraquecer os protestos contra Temer. É mais um sintoma que a crise política está muito forte no Brasil e que nenhuma instituição está garantido a ordem. Tudo está muito nebuloso. Falta justiça. Tem muita parcialidade e muitos projetos sombrios, com intenções políticas.”

Os protestos podem até diminuir, mais isso não vai dar “popularidade ou legitimidade ao governo Temer” para uma minoria importante de brasileiros que denuncia o impeachment e a destituição de Dilma Rousseff como golpe, aponta Armelle Enders. Além disso, ela ressalta que é nítida a intenção de atingir pessoalmente o ex-presidente. "Internacionalmente o prestígio dele sofreu muito. O declínio da imagem de Lula afeta também o Brasil e manda o país para a periferia. Eu acho isso muito lastimável". 

Persistência do clientelismo

Como os outros brasilianistas, historiador Laurent Vidal, da Universidade de La Rochelle, critica o atual sistema político e de financiamento dos partidos que favorecem a corrupção. Para além do indiciamento de Lula e da parcialidade da Justiça, ele pensa que o caso mostra a permanência de práticas arcaicas na política brasileira.

“Isso tem a ver com a acusação de financiamento do PT e tem a ver com uma falha no sistema político atual do Brasil, que é a ausência de uma lei de financiamento dos partidos políticos. Outro elemento é uma coisa muito mais antiga que a permanência do funcionamento clientelista dentro de uma democracia moderna. Não é só uma invenção do PT e do Lula", ressalta.

Laurent Vidal lembra que quem queria fazer essa reforma necessária “era a presidente Dilma e não os partidos que estão na nova coalizão no poder. E isso é um grande problema.”

Os especialistas ouvidos pela RFI pensam que o PT será o grande prejudicado nas eleições municipais de outubro. A acusação e o provável indiciamento arranham a imagem de Lula, mas ainda é cedo para saber o que vai acontecer até a presidencial de 2018.

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