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Radar econômico

Brexit faz União Europeia colocar acordo com o Mercosul "na geladeira"

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A saída do Reino Unido da União Europeia deve impactar no andamento das negociações já demoradas de um tratado de livre comércio entre o bloco europeu e o Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela. Os britânicos eram os mais empolgados com o aumento dos acordos comerciais internacionais, uma frente que agora perde força em Bruxelas.

Comissária europeia do Comércio, Cecilia Malmström, frisou que engajamentos da União Europeia em negociações internacionais continua, mas não citou as com o Mercosul.
Comissária europeia do Comércio, Cecilia Malmström, frisou que engajamentos da União Europeia em negociações internacionais continua, mas não citou as com o Mercosul. THIERRY CHARLIER / AFP
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Os lobbies internos da UE já são um freio para o avanço das conversas. Recentemente, o setor agrícola conseguiu excluir da proposta europeia de acordo produtos considerados “sensíveis”

para o bloco, como a carne. A medida desagrada o Brasil, cujas exportações são baseadas nas matérias-primas. Mas os produtores da França e de outros 12 países veem a inclusão destes produtos no acerto como uma ameaça para a agricultura nacional.

Agora, a retirada dos britânicos da comunidade europeia deve, pelo menos, atrasar as negociações com o Mercosul. Catherine Mathieu, economista especialista em acordos comerciais internacionais do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE), nota que o país europeu mais favorável ao livre comércio sairá de cena. A mudança gera um desequilíbrio de forças e tende a aumentar o peso dos franceses na negociação – e Paris é mais reticente a um amplo acordo de livre comércio.

“O Reino Unido era ‘o’ país-modelo liberal da União Europeia e sem dúvida o maior país que estimula essa via. O Reino Unido era a terceira maior economia do bloco. Desde os anos 1980, com Margareth Tatcher, os britânicos sempre empurraram a Europa a uma direção mais liberal”, explica. “Por isso, é claro que, para os países europeus liberais, perder o Reino Unido no bloco significa perder o seu maior aliado.”

Foco do Reino Unido é União Europeia – e vice-versa

As conversas com os latino-americanos andam a passos lentos há 16 anos. O objetivo do acordo é reduzir os impostos e barreiras alfandegárias e harmonizar a padronização comercial entre os dois blocos. As negociações ganharam um novo impulso com a troca de ofertas, vista como um sinal importante para a retomada das negociações.

O chamado Brexit atrapalhou esse cenário. O foco dos europeus passa a ser resolver a situação com os britânicos, em uma negociação que pode levar dois anos ou mais. Além disso, há outro acerto prioritário para Bruxelas na fila, o Tratado Transatlântico, com os Estados Unidos.

“Duas negociações simultâneas dessa amplitude geram um estresse político. A negociação transatlântica comporta uma série de transações que já não são fáceis para os europeus. Isso não mudou, em termos de sequência sobre qual acordo vai ser firmado antes, mas tanto no Mercosul como no pacto transatlântico, o Reino Unido jogava contra os setores mais resistentes ou protecionistas da Europa”, lembra o economista Carlos Winograd, especialista em comércio internacional da Paris School of Economics e professor da Universidade de Evry.

Winograd ressalta que a posição inglesa é mais favorável ao comércio agrícola do que os vizinhos pela simples razão de que a produção agrária britânica se esvaziou nas últimas décadas.

Em um comunicado publicado na segunda-feira para tranquilizar os parceiros, a comissária europeia para as questões de Comércio, Cecilia Malmström, ressaltou que o bloco tem uma “agenda ambiciosa” no setor disse estar “determinada” a avançar e concluir as diferentes negociações internacionais em curso. O texto destaca as conversas com os americanos e canadenses, mas não cita o Mercosul.

Possibilidades de acordos bilaterais não estão garantidas

O Brasil avalia que o Brexit poderia abrir a via para o fechamento de acordos bilaterais entre o Mercosul e o Reino Unido. No entanto, face às inúmeras incertezas geradas pelo resultado do plebiscito, nada está garantido, segundo a economista francesa. A prioridade número 1 dos britânicos será conseguir um bom acordo comercial com a União Europeia, destino de 45% das exportações do Reino Unido.

“Tudo vai depender dos acordos que serão adotados entre o Reino Unido e a União Europeia. Se for um acordo de associação econômica semelhante ao da Noruega, acho que vai ser difícil negociar ao mesmo tempo com a União Europeia e com o Reino Unido”, pondera. “Mas se for um acordo bilateral como o que o Canadá tem com o bloco europeu, nada vai impedir os países de sentarem à mesa para negociar com os britânicos, de um lado, e com a UE, de outro.”

Depois dos europeus, o foco de Londres deve ser aprofundar o comércio com os países membros do Commonwealth, formado pelas ex-colônias britânicas. Em seguida, vêm as grandes potências emergentes, em especial a China e do sudeste asiático. José Augusto de Castro, presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), acha que as alternativas de comércio bilateral com o grupo latino-americano se mostram limitadas.

“Neste momento, não haveria possibilidades concretas de acordo porque, basicamente, o Brasil exporta basicamente commodities para a Grã-Bretanha e importa manufaturados. Um acordo nesse sentido geraria um desequilíbrio muito grande, entre as pautas de exportação”, afirma. “Essas commodities seriam vendidas com ou sem acordo.”

A carne responde por 40% do volume total vendido pelos brasileiros aos britânicos. Por isso, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) vê com bons olhos o resultado do plebiscito, ao viabilizar uma negociação direta com o Reino Unido. Em nota, a entidade avaliou que, por enquanto, ainda é cedo para “quantificar o impacto” da saída de Londres da União Europeia, enquanto não forem “esclarecidas as regras de acesso ao mercado britânico”.
 

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