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Brasil/ crise

Filho de João Goulart relembra 52 anos do golpe militar com preocupação

João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart (1919-1976), tem acompanhado com apreensão os últimos desdobramentos da crise política no Brasil. Ele tinha apenas sete anos quando seu pai, eleito à presidência nas eleições de 1961, foi deposto do poder pelos militares, que instauraram uma ditadura de mais de duas décadas no Brasil. O golpe completa 52 anos nesta quinta-feira (31).

João Vicente Goulart tem participado das manifestações contrárias ao impeachment da presidente Dilma Rousseff.
João Vicente Goulart tem participado das manifestações contrárias ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. João Vicente Goulart/ Facebook
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O filho de Jango encontra uma série de semelhanças entre o contexto político atual e o daquela época. João Vicente se opõe ao impeachment da presidente Dilma Rousseff e tem participado das manifestações em defesa da democracia, em Brasília. Ele concedeu a seguinte entrevista à RFI Brasil, por telefone.

Os últimos dias lhe trazem uma sensação de déjà vu?

É difícil. A gente vê tudo isso com muita preocupação, porque a estabilidade democrática foi muito difícil de ser conquistada. Hoje, vemos um país dividido, completamente dividido em dois. Não existe tolerância: ou é do bem, ou é do mal; ou é coxinha, ou é petralha. Isso faz mal ao país.

Você vê o futuro com preocupação?

Muita preocupação. Eu acho que a preservação da democracia é fundamental nesse momento, principalmente para a gente que já viveu no exílio e conhece essas artimanhas do processo de obtenção do poder pelo poder. É evidente que nós vivemos uma crise econômica, política. Mas ela é acentuada por aqueles que perderam as eleições e não admitem.
É evidente que nós temos a previsão do instrumento do impeachment, na Constituição. Mas o que temos que olhar é que essa previsão do impeachment, que é constitucional, não deve ser usada sem o crime de responsabilidade. Recentemente, foi liberada a lista da Odebrecht e temos mais de 300 nomes. Desses, há mais de 200 que se sabe que vão votar pela moralização do país. Ou seja, estamos vendo eles pregando moralizar o país, o impeachment da presidente Dilma através de um instrumento democrático – mas, na realidade, temos 200 e tantos picaretas votando pela moralização do país. Pior ainda: liderados por um presidente da Câmara federal, Eduardo Cunha, notoriamente corrupto e “propineiro”. Então, a gente teme pela democracia, nós que ficamos 14 anos no exílio, lutando pelo retorno da democracia.
Vemos hoje, lamentavelmente, um Congresso nos moldes de 64, nos moldes de um Auro Moura de Andrade [presidente do Congresso em 1964], que declarou vaga, na madrugada de 2 de abril de 1964, a presidência da República, sendo que o presidente estava dentro do país. Estamos muito sentidos com esses aspectos, porque a luta pela democracia custou muito suor, muitos tombaram pelo caminho da liberdade, deram as suas vidas, e hoje esse é o panorama no Brasil.

A preservação da democracia deveria estar acima dos interesses dos partidos políticos?

É evidente. Não existe bem maior do que a democracia. Usar os instrumentos democráticos para fins políticos é algo que eu vejo com muita dificuldade. E o que teremos pela frente? O que o PMDB, caso venha a ser governo, vai fazer para corrigir a crise? A crise é mundial. O PMDB vai governar esse país com o Cunha e os 250 “propineiros” que estão votando pela moralização do país? Eu acho muito grave essa situação, arriscar a causa democrática numa aventura desse tipo.
Eu acho que a união dos brasileiros nesse momento teria que ser exposta nesse sentido: preservar a democracia. Nós vivemos no presidencialismo e a Constituição diz que o eleito deve terminar o seu mandato.

Hoje, os militares não exercem um papel político nessa crise, mas alguns defendem que setores do Judiciário, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal estão substituindo o papel que, em 1964, foi dos militares. O senhor concorda com isso?

Concordo. Nós temos uma orquestração quase parecida com a de 1964, só que com os militares de fora, mas transferidos para um poder Judiciário, que está cometendo excessos. Como é que você prende uma pessoa e só solta depois que ela confessa? Eu acho que as instituições brasileiras devem ser mais conscientes e que o Brasil precisa, em uma próxima eleição, de uma revisão constitucional. Esses poderes têm que ser controlados.
Você não pode ter um magistrado que tenha sido indicado politicamente e siga no Superior Tribunal Federal por 20, 25 anos, até se aposentar, com 75 anos. Também temos que ter uma reforma eleitoral. Hoje temos um Parlamento que não representa o povo brasileiro, e sim grandes empresas. Temos a bancada da bala, a bancada da medicina, a bancada rural e não sei mais de quê. Mas, se quiser discutir energia atômica no país, não teremos um cientista dentro do Congresso Nacional.
Precisamos reformar as nossas instituições, porque elas estão realmente ultrapassadas e é por isso que estamos presenciando esse modelo agora: um juiz de primeira instância que vaza informações ao seu bel-prazer, uma polícia dirigida. E temos a mídia, que atuou em 1964 e está usando a teoria de Goebbels: repete mentiras e mentiras tantas vezes até que se tornam verdades. Temos de ver todos esses pontos de convergência que aconteceram em 1964 e que estão acontecendo hoje. Eu acho que só com a mobilização das ruas e dos movimentos sociais é que nós poderemos reverter uma situação muito grave aqui no Brasil.
 

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