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Para especialistas, críticas de Lula a Dilma revelam contradição fundamental do PT

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Em reunião com religiosos, na última semana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a gestão da presidente Dilma Rousseff, os rumos que tomou o Partido dos Trabalhadores e ainda comentou a alta na rejeição ao partido em históricas zonas eleitorais como Santo André e São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Nestas cidades, a taxa chega a 75%, de acordo com pesquisa feita pelo próprio PT. A crítica de Lula pode ser a sinalização de que o partido pode mudar. E o momento parece ser decisivo para separar o PT histórico e ideológico do PT pragmático dos últimos 13 anos.

Dilma Roussef e Lula durante oficializaçao da candidatura da presidenta em outubro de 2014.
Dilma Roussef e Lula durante oficializaçao da candidatura da presidenta em outubro de 2014. REUTERS/Joedson Alves
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De acordo com Valter Pomar, doutor em história pela USP (Universidade de São Paulo) e membro do quadro maior do partido desde 1980, a declaração de Lula chegou tarde demais. "É negativo que o ex-presidente Lula tenha deixado para fazer essas declarações da forma como fez", afirma. "Ele perdeu a oportunidade de falar o que ele falou no Congresso do partido (que aconteceu entre os dias 11 e 13 de junho de 2015, em Salvador). Se ele tivesse feito isso, provavelmente aqueles 45% seriam 51% e nos teríamos ganhado o Congresso do PT”, diz o professor, em referência à votação sobre uma diretriz que condenava a atual política econômica do governo Dilma.

Antes nunca do que tarde?

Mais do que atrasadas, o cientista político francês Frederic Louault acredita que as declarações do ex-presidente contam apenas uma "meia-verdade", ao ignorarem a mão do próprio Lula no atual estado das coisas. “O Lula tem razão quando faz esse balanço dos problemas internos do PT. Mas, o que eu acho interessante e também paradoxal, é que o Lula nunca fala da sua responsabilidade nesse processo. Um processo que não é dos anos 2000. O estado do partido agora é também um resultado, uma herança das escolhas que fez o próprio Lula como candidato com sua equipe de campanha. Entre 1994, 1998 e 2002 e depois, na pratica, quando o Lula e o PT ganharam as eleições, o partido passava de um partido de oposição a um partido de poder, de governo”.

Pomar defende que a crítica de Lula ao PT deve ser entendida também como uma auto-crítica: “O ex-presidente Lula não é um indivíduo, ele é integrante do partido e integrante do grupo que dirigiu o PT desde 1995 até os dias de hoje. Portanto, quando ele critica o partido, eu entendo que ele está se auto-criticando, seja na qualidade de militante do PT, seja por ser um dos principais dirigentes do PT”, dispara.

Partido X Projeto de Poder

Para Pomar, o partido precisa refletir sobre sua identidade. Mais uma vez, é preciso escolher entre ser um gestor do atual modelo político brasileiro ou assumir suas bandeiras originais. Ele acredita que não há fórmulas para resolver essa equação. Não adianta dizer: “Precisamos de uma revolução no PT. Precisamos de uma reforma no PT. O problema é de conteúdo. O Partido dos Trabalhadores quer ser apenas e tão somente um partido de governo comprometido com políticas de governo, comprometido com o que é possível fazer no âmbito de um governo ou ele é um partido fiel aos seus propósitos de origem e quer fazer uma transformação profunda na estrutura econômica e social do país. Fazer reformas estruturais e caminhar em direção a uma sociedade socialista. Esse é o debate de fundo à luz do qual, o resto se resolve”.

Perguntado sobre tensões dentro do partido, Valter Pomar responde que o PT vive tensões desse tipo há 15 anos: “Há uma contradição latente entre ser partido e ser governo. E é por isso que o partido tem que ter consciência de que ele é mais importante historicamente do que o governo. Os governos vão e vêm. Governos se ganham e se perdem. Mas o partido é um instrumento de longa duração”.

Ainda assim, Louault descarta que o partido esteja às vésperas de uma ruptura drástica: “Eu lembro que, na época do 'Mensalão', muitos pensavam que era o fim do PT (...) e, finalmente, o PT não perdeu tanto espaço e sempre conseguiu retomar forças após momentos de crise”. No fim das contas, o que as críticas de Lula a Dilma descortinam mais uma vez é talvez o paradoxo fundamental do Partido dos Trabalhadores: até que ponto o PT pode flexibilizar seu estatuto em nome da governabilidade? O episódio dá aos especialistas mais um ponto de análise. Mas ainda está longe de ajudar a responder a essa e outras questões sobre o futuro do partido.

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