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“O bolsonarismo se apoia numa moral cristã, conservadora e reacionária”, diz antropólogo em Paris

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O antropólogo, doutor em ciências sociais e babalorixá Rodney William, mais conhecido como pai Rodney de Oxóssi, está em Paris para participar de um debate sobre feminismo negro e apropriação cultural. O evento, na terça-feira (25), vai contar com a presença da socióloga política brasileira Djamila Ribeiro. O autor lança o sétimo livro de uma série sobre o tema. Em entrevista à RFI Brasil, ele falou sobre o debate e a influência da religião na política brasileira.

Rodney William, antropólogo
Rodney William, antropólogo © RFI
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“Aqui na França, a apropriação cultural é entendida a partir de outras referências. Ela não deve ser vista apenas como aquilo que acontece quando brancos não podem usar determinados elementos. Na verdade, o que interessa é como esses elementos são arrancados do contexto original, esvaziados de significados e tomados como produtos que podem ser comercializados”, explica. “É o que vemos na moda, em que elementos são retirados de uma cultura sem que os créditos ou uma contrapartida sejam dados”, exemplifica.

Rodney define que se não há uma troca, trata-se de apropriação. “A banca do mercado tem dois lados e se uma pessoa vem trocar comigo, mas não deixa nada, ela está me roubando”, diz. O mesmo, segundo ele, acontece com a cultura.  “Apropriação cultural é um ato de violência, ainda que seja simbólica, sutil, disfarçada de homenagem e de apreciação, mas que acaba desembocando em violências reais”, explica. “No fundo, é um desdobramento do racismo e serve para desmerecer a cultura do outro, como uma forma de desumanizar determinados grupos”, completa o autor do livro “Apropriação Cultural”, publicado no Brasil pela editora Jandaíra e traduzido na França pela Anacaona Éditions. 

Para ele, reforçar os traços culturais de um povo é uma forma de enfrentar o racismo contra ele. Quando esses traços são apagados, há uma morte simbólica da cultura, o que William chama de genocídio cultural. “Nós humanos temos uma especificidade. Nós produzimos cultura e esses elementos culturais passam a nos definir no mundo, nos diferenciando de outros povos, reafirmando a nossa construção de diversidade para a adaptação a ambientes que, às vezes, são hostis à nossa condição natural”, analisa.  

Mestiçagem 

Em seus trabalhos, Rodney William também aborda a questão da mestiçagem e como esse conceito pode ser visto de formas diferentes de um país para outro. Ele explica que o mestiço não está livre do racismo. Porém, segundo o autor, tem algumas vantagens. “Há uma dificuldade para a construção de uma identidade da pessoa que não é nem preta e nem branca, mas que também não se situa num lugar que é próprio dela”, diz. “No Brasil, isso já está resolvido: uma pessoa gerada de uma relação inter-racial vai ser compreendida a partir da forma como ela é lida socialmente. Então, se eu tiver uma mãe negra e um pai branco, e eu me parecer mais com o meu pai, serei lido como branco. Já se for mais como a mãe, serei negro e sofrerei racismo”, afirma. “O que não é diferente do que acontece aqui na França, embora essas coisas não sejam faladas claramente, pois a questão racial não é abordada com a mesma tranquilidade como é no Brasil”, compara. 

Basicamente, “o racismo nega acesso e isso acontece no mundo inteiro”, acrescenta, apontando que, dependendo do lugar, a prática pode se voltar para os que têm origem árabe, oriental, indígena ou negra. Contudo, de acordo com o antropólogo, o racismo pressupõe a desumanização do outro, tendo o referencial branco como uma norma. “Tudo o que se define a partir disso é o outro. Aquele que tem que ser combatido, demonizado”, afirma.   

Política e religião 

Rodney de Oxóssi, que estuda religiões de matrizes africanas, também analisa a influência da religião no segundo turno da eleição presidencial no Brasil. Ele destaca que os evangélicos neopentecostais passaram a direcionar a narrativa eleitoral no país. “Sobretudo de uma escola conservadora e até reacionária e fundamentalista. São esses evangélicos pentecostais que pautam o debate”, afirma.

O antropólogo explica que essa forma de pensamento religioso aborda os fatos sob “um maniqueísmo excludente que não faz parte das religiões de matrizes africanas, um maniqueísmo que coloca o bem e o mal em oposição, a se digladiarem no campo eleitoral”. O autor acrescenta que, na política brasileira, as disputas de narrativas têm sido alimentadas pelas mentiras e fake news. Esse fato, que já havia sido o grande problema das eleições de 2018, continua existindo, embora o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) esteja atento e fiscalizando, aponta.  

Bolsonarismo

No caso dos apoiadores do atual presidente, Jair Bolsonaro, William explica que o “bolsonarismo existe antes do candidato”. De acordo com o especialista, o bolsonarismo “se apoia nessa moral cristã conservadora e reacionária e que encontra nele a figura símbolo, levando tudo isso como um projeto de poder, mas que gera, em contrapartida, a resistência e a mesma luta pela sobrevivência”.

O autor segue dizendo que no Brasil há uma confusão entre privilégio e direito. De acordo com Rodney William, há uma elite que considera que os seus privilégios são direitos. “O privilégio é branco, é cristão é hétero. E nós precisamos, como povos que se acostumaram à luta, tomar espaços de poder e decisão”, exorta.  

Por fim, o antropólogo observa que a perseguição aos negros é histórica no Brasil. “Há um combate às tradições de matrizes africanas e à cultura negra desde sempre. O samba foi perseguido, a capoeira foi perseguida, o candomblé é perseguido e, até hoje, as pessoas torcem o nariz para o funk e a cultura que nasce na favela”, conclui.  

Para ver a entrevista na íntegra, clique na foto principal

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