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“Bolsonaro é um pesadelo”, diz correspondente do Le Monde que lança livro na França

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O correspondente do jornal francês Le Monde no Brasil, Bruno Meyerfeld, lança nesta segunda-feira (12), em Paris, o livro “Cauchemar brésilien” (Pesadelo brasileiro, em tradução livre) pela Editora Grasset. Baseada em reportagens pelo país, entrevistas e pesquisas sobre a história política do Brasil, a obra expõe a visão do jornalista sobre a personalidade e a trajetória do presidente brasileiro Jair Bolsonaro e as ações de seu governo.  

O jornalista Bruno Meyerfeld, correspondente do jornal Le Monde no Brasil.
O jornalista Bruno Meyerfeld, correspondente do jornal Le Monde no Brasil. © RFI
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“O Bolsonaro é uma figura diversa e muito complicada. Foi difícil atribuir um título só para esse personagem. Ele é um produto do interior do Brasil, do Rio de Janeiro, onde foi deputado durante muitos anos, e um produto da política de Brasília”, diz Meyerfeld sobre o processo que o levou a escolher o título da obra.

“Alguns dizem que ele é um doente, um louco, outros dizem que ele é um grande estrategista, que conseguiu criar uma configuração perfeita para chegar ao poder. Ao mesmo tempo, outros dizem que é um ditador, um fascista. Mas os que gostam dele dizem que ele é um democrata e que o STF o impede de governar”.  

Finalmente o título do livro foi definido em uma conversa de bar no Rio, quando uma prima do jornalista expressou seu sentimento de que sob Bolsonaro os brasileiros vivem um verdadeiro pesadelo.

“Pesadelo é interessante porque é apavorante, parece surreal, mas fala muito sobre você e seu inconsciente. Acho isso uma característica muito forte do Bolsonaro e tão louco que pareça o bolsonarismo hoje, e especificamente o presidente, ele fala muito sobre a história do Brasil, a sociedade brasileira e suas raízes. Para mim, de certa forma, ele é um pesadelo”, diz o jornalista franco-brasileiro.

Sob o ponto de vista francês, a política do governo Bolsonaro para o meio ambiente é um dos pontos que justifica qualificar sua gestão de pesadelo. “Para os franceses, esse processo de destruição incrível que acontece na Amazônia é apavorante”, afirma.  Mas, segundo Meyerfeld, para os brasileiros, as maiores críticas podem vir da gestão da Covid-19 e da crise econômica, agravada pela inflação alta, a taxa de desemprego e a fome que atinge 33 milhões de cidadãos.

No entanto, para o correspondente do Le Monde, que chegou ao Brasil em 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo, o mais grave diz respeito à crise relacionada à democracia do país. “Os ataques do Bolsonaro, dos bolsonaristas e de seu governo contra as instituições e contra as urnas eleitorais e o sistema de votação brasileiro, que era um motivo de orgulho dos brasileiros até hoje, vão ter consequências no longo prazo”, avalia.  

O grande número de armas em circulação no Brasil, estimado em 1 milhão, também são motivo de preocupação. “Essas armas vão ficar e poderão ter um impacto bastante grande nas relações sociais e no clima de violência que existe no Brasil”.

No texto, o autor alerta que o Brasil se transformou em uma espécie de “laboratório sobre os riscos do extremismo” e Bolsonaro é uma demonstração concreta do que o populismo de extrema direita é capaz de fazer, como a propagação da desconfiança na democracia e a utilização das redes sociais em um país que se encontra, segundo Bruno, em uma “bolha”. “Nessa bolha você pode fazer e falar o que quiser, exprimir qualquer tipo de opinião e está tudo bem. Tudo é muito extremo no Brasil porque às vezes você não tem o autocontrole, uma parte da sociedade brasileira se sente legítima para falar o que quiser”, afirma.

Bruno Meyerfeld refuta qualquer atribuição de Bolsonaro como “Trump Tropical”, em referência ao ex-presidente americano Donald Trump, ou de comparações com outros políticos populistas, como o húngaro Viktor Orban e a francesa Marine Le Pen, líder da extrema direita no país. “Isso é ignorar as especificidades do Brasil e do Bolsonaro. Ele é produto de uma história do Brasil moderno, da ditadura militar, da época da construção de Brasília também dos anos 1950 e 60, e de 30 anos de democracia. Ele tem características próprias”, garante.

França virou obstáculo

No livro de 361 páginas, Meyerfeld busca fornecer pistas de reflexão para os franceses que, na sua opinião, estão com uma certa dificuldade em acompanhar as mudanças que ocorreram no Brasil desde a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder.  

“Estou percebendo uma forma de incompreensão muito forte. O Brasil de alguns anos atrás era visto como um símbolo de desenvolvimento, progresso de uma democracia mais alegre e progressista, com um líder operário que conseguiu tirar milhões de pessoas da pobreza e de diminuir a taxa de desmatamento em 80%, era algo forte. Era uma democracia nova que estava dando certo. Hoje, com o Bolsonaro, que é visto aqui como o extremo do extremismo, um símbolo de desespero e retrocesso, as pessoas não entenderam muito bem a transição”, avalia.  

Durante o processo da produção do livro, Bruno Meyerfeld tentou várias vezes entrevistar o presidente, mas sem sucesso. Segundo ele, Bolsonaro não tem uma relação difícil apenas com a imprensa brasileira, mas também com os jornalistas estrangeiros e particularmente franceses. O obstáculo é reflexo também de uma crise diplomática entre os dois países depois dos embates de Jair Bolsonaro com o francês Emmanuel Macron, um recorrente crítico das políticas ambientais em vigor no Brasil. “Há pessoas inclusive do primeiro escalão do governo [brasileiro] que têm bastante respeito, até são francófilas, mas tem uma certa dificuldade em demonstrar afinidade por causa dessa briga do presidente com Emmanuel Macron”, explica.

“Fui a Brasília várias vezes, falei com vários assessores e entendi muito rapidamente que Bolsonaro não iria dar uma entrevista a um jornalista francês”. O pior, segundo Bruno Meyerfeld, é que o presidente conseguiu expandir sua visão hostil sobre a França para diferentes regiões. “Muitos setores favoráveis ao presidente Bolsonaro têm uma antipatia e até uma certa raiva contra a França. Isso dificulta muito mais o meu trabalho”, explica.

O livro “Cauchemar Brésilien” é lançado às vésperas do 1° turno da eleição presidencial no Brasil, ocasião para os franceses entenderem melhor o clima político instaurado no país e que pode se tornar imprevisível. “Lula é favorito e tem grandes chances de ganhar, mas o Bolsonaro tem uma dinâmica muito forte e ninguém pode menosprezar as chances do atual presidente se reeleger. Oito meses atrás ele tinha perdido cerca de metade dos eleitores dele. Atualmente, a perda é entre 20% e 25% . Hoje ninguém ganha com 70% no segundo turno e a sociedade vai continuar bastante dividida no futuro, com certeza”, opina.

O jornalista Bruno Meyerfeld lançou o livro Cauchemar brésilien, nesta quarta-feira, 7 de setembro.
O jornalista Bruno Meyerfeld lançou o livro Cauchemar brésilien, nesta quarta-feira, 7 de setembro. © RFI

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