Acessar o conteúdo principal
RFI Convida

“Bourdieu à brasileira” traz correspondências do sociólogo com pesquisadores brasileiros

Publicado em:

Um dos intelectuais mais citados no mundo, o francês Pierre Bourdieu liderou um grupo de pesquisa internacional, em Paris, entre os anos 70 e 80, no qual orientou jovens pesquisadores brasileiros em uma empreitada coletiva, na construção da sua sociologia reflexiva. Essa relação e a disseminação da obra do intelectual no Brasil são temas do livro “Bourdieu à brasileira”, que está sendo lançado pela pesquisadora Maria Eduarda da Mota Rocha.

A pesquisadora Maria Eduarda da Mota Rocha que organiza "Bourdieu à brasileira"
A pesquisadora Maria Eduarda da Mota Rocha que organiza "Bourdieu à brasileira" © Arquivo pessoal
Publicidade

A obra faz parte dos eventos que marcam os 20 anos da morte de Bourdieu e de um projeto maior, chamado de “Bourdieu et les Amériques”, que trata da interlocução mantida pelo sociólogo com pesquisadores dos países latino-americanos.

Trata-se de uma pesquisa documental inédita realizada nos arquivos que concentram especialmente as correspondências trocadas ainda com outros profissionais, como jornalistas, artistas e escritores do mundo todo. Um livro será lançado na França até o fim de 2022, com capítulos dedicados ainda aos Estados Unidos, Bolívia e México, Argentina e Chile.

“Eu fui convidada para fazer a parte relativa ao Brasil. Em 2019, fui a Paris e tive o enorme prazer de me deparar com essa documentação, que é riquíssima e que me permitiu recuperar muito dessas relações. O Brasil tem um peso importantíssimo nesse momento da vida de Bourdieu. Depois ele vai se tornar, na década de 90, um pensador global e essas interações não vão ser mais possíveis. Ele vai ser, de certa maneira, atropelado por uma série de demandas e não consegue mais liderar um grupo de pesquisa. Mas nos anos 70 e no começo dos anos 80, ele ainda acompanhava muito de perto esses pesquisadores e, neste momento, são pesquisadores brasileiros que compõem muito fortemente esses ambientes: o ambiente do Centro de Sociologia Europeia e do Centro de Sociologia da Educação e da Cultura, que é onde são construídos esses instrumentos, esses conceitos da sociologia boudieusiana. O livro é organizado por mim, Franck Poupeau, Amin Pérez, Afrânio Garcia Jr e Marie-France Garcia Parpet”, explica Maria Eduarda.

Correspondências do sociólogo com pesquisadores brasileiros são temas do livro
Correspondências do sociólogo com pesquisadores brasileiros são temas do livro © Divulgação Confraria do Vento

Brasil na "Internacional Científica"

A pesquisadora explica que Pierre Bourdieu tinha a pretensão, que foi bem-sucedida, de internacionalizar a sociologia. Segundo ela, a “Internacional Científica” seria essa rede de colaboração que transcende limites, uma sociologia menos parisiense, que rompesse com esse elemento mais provinciano, de uma ciência contida nos limites da sociedade francesa.

“Essa sociologia nasce muito enraizada na experiência que Bourdieu teve na Argélia, onde ele constrói boa parte dos seus instrumentos conceituais, o próprio conceito de habitus. Então, a sua sociologia já nasce muito internacionalizada e, quando os brasileiros procuram por ele – e é importante que se diga que o interesse parte muito dos brasileiros –, ele os recebe de braços abertos. Havia já naquele momento, a partir da experiência de Roger Bastide e de Fernand Braudel no Brasil, um certo fascínio da intelectualidade francesa por esse universo complexo e fascinante que é a sociedade brasileira, que é multirracial e multiétnica. A partir daí se estabelece uma colaboração muito intensa, especificamente nos domínios da sociologia da cultura e da antropologia das classes dominadas a partir do Museu Nacional e a partir do polo paulista, em um primeiro momento a Fundação Getulio Vargas e depois a Universidade de São Paulo”, conta ela.

Perguntada se o livro pode gerar uma nova onda de interesse sobre o trabalho de Bourdieu, Maria Eduarda afirma que sim, mas que o autor ainda é muito referenciado no Brasil. Para ela, isso se deve à sua sociologia que permite um pensamento a partir de um universo próprio.

“Bourdieu é um autor muito vivo no Brasil porque a sua sociologia é muito sensível à maneira como construímos os objetos de conhecimento. E muitas pessoas têm se interessado em entender esse processo, como essa obra dele chega ao Brasil e como ela é absorvida pelos brasileiros. O título do livro já aponta para isso. É um Bourdieu à brasileira, não é qualquer Bourdieu. Ele é filtrado pelo problema que é a realidade brasileira. Cada um desses pensadores traduziu Bourdieu para sua própria realidade, para os seus próprios interesses, para suas próprias inquietações”, conta.

Trabalho minucioso e focado no futuro

Mergulhada nas correspondências de Bourdieu, Maria Eduarda conta que dois fatores chamaram a atenção durante a pesquisa realizada com o material produzido pelo sociólogo francês, que ela classifica como extremamente meticuloso.

“Quando ele pegava um artigo para publicar em Actes de la Recherche, a resposta era extremamente detalhada, ele ia fundo na leitura, ele debatia a fundo com seu interlocutor o texto proposto - e isso era uma marca dele. Ele era extremamente cuidadoso com tudo o que fazia. Outra coisa que me chama muito a atenção era a consciência da importância histórica daquilo que ele estava fazendo. Ele registrava uma cópia da carta que enviava para as pessoas, guardava aquilo como um registro documental, e eu imagino que ele sabia que, no futuro, esse processo ia ser recuperado também como documento para que se entendesse a construção da sua própria sociologia, a construção da sua própria experiência de internacionalização científica, da qual ele fez parte”, exalta.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.