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“A Língua Portuguesa é uma filosofia de interpretação do mundo”, diz acadêmico brasileiro em Paris

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O escritor, poeta e romancista brasileiro Marco Lucchesi esteve em Paris para participar de uma conferência na sede da Unesco que celebrou, em 5 de maio, o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Nesta passagem pela capital francesa, Lucchesi veio à RFI falar sobre as belezas e características do nosso idioma, falado por cerca de 280 milhões de pessoas em todo o mundo. O ensaísta e tradutor presidiu a Academia Brasileira de Letras, de 2018 a 2020.  

O escritor Marcos Lucchesi.
O escritor Marcos Lucchesi. © RFI
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“O português tem uma razão profunda de ser. De um grande império das palavras, que não tem mais um instinto colonial, mas de uma comunidade. As possibilidades de se ver no espelho e de encontrar uma parte de mim que está na África, em Portugal e nas ilhas, tudo isso faz com que a compreensão de uma língua como a nossa seja uma língua de fronteira”, ele explica. “O que significa dizer pátria de poetas, escritores, uma língua que se abre para as diferenças”, completa.

Quinto idioma mais falado no mundo, depois do inglês, do mandarim, do hindi e do espanhol, o português é a terceira língua mais falada no hemisfério ocidental e dominante no hemisfério sul do planeta.

A expansão de Portugal levou a língua portuguesa para as terras conquistadas. Na era das descobertas marítimas, ao Brasil, à África e para outras partes do mundo. O idioma também influenciou outras línguas.

Brasil e Portugal são os dois únicos países cuja língua primária é o português. Mas ele é oficialmente falado em antigas colônias, como Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Também há falantes de português em Macau (China), Timor-Leste, Goa (estado no sudeste da Índia), Malaca (Malásia) e na ilha das Flores (Indonésia).

Pai da Língua Portuguesa

Se pensamos em autores de referência, ou seja, nomes que serviram de unificadores e que ajudaram no estabelecimento de uma língua nacional, poderíamos citar Shakespeare, para o inglês; Molière, para o francês; Dante, para o italiano e Cervantes, para o espanhol. Já no caso do português, Luiz Vaz de Camões, autor de “Os Lusíadas”, é a referência global.

“Obviamente, Camões é o grande pai desta língua. Ele nos deu uma embarcação, um mar falado em língua portuguesa”, afirma Lucchesi. “E o trabalho de Fernando Pessoa foi partir dessa grande metáfora da navegação", analisa. "A língua que se navega, a língua que nos navega, a abertura de uma língua para todos os continentes", recorda. "E que trouxe, não somente produtos, mas a maneira de nomear esses produtos”, completa.

Falta de estímulo

Apesar de ter grandes autores, a literatura brasileira ou lusófona não é tão conhecida mundialmente e uma das razões apontadas é que o português é uma língua marginal, que não abre espaço para os seus escritores no mercado internacional, especialmente para os contemporâneos. Para o ensaísta, tradutor e editor Marco Lucchesi, isso é resultado da falta de uma política de Estado que incentive a literatura.

“Há línguas muito mais complexas do que a Língua Portuguesa e que hoje se colocam no mundo porque existem políticas de Estado fortíssimas que decidem que a literatura é um valor", destaca. "Os valores simbólicos da cultura são essenciais”, enfatiza Lucchesi. “O que falta é um trabalho forte de Estado, intergeracional, em que a literatura ocupe o lugar que merece”, completa.

Professor titular de literatura comparada da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lucchesi tem na Língua Portuguesa a sua principal ferramenta de trabalho. “A Língua Portuguesa é um perfume, um condensado, uma forma de compreender, uma filosofia de interpretação do mundo”, diz.

Riqueza linguística do Brasil

Ainda que o Brasil seja conhecido como o maior país lusófono do mundo, Lucchesi destaca que os brasileiros têm uma riqueza linguística admirável. “De acordo com o IBGE, são 275 línguas. Significa dizer que as políticas de Estado, e não de governo, assim como a consciência dos educadores, foram capazes de reconstruir essas línguas magníficas”, aponta. “Esse resgate da memória vem acontecendo em diversas nações indígenas brasileiras. E quando falamos em nação, nós queremos sublinhar a beleza, a riqueza, a pluridiversidade do nosso país”, explica.

Nesse contexto, a imigração teve um papel importante, contribuindo para a riqueza do vocabulário. “A imigração é um fato primordial. O Brasil é um país de etnias, que incluem desde os povos originários, mas todos os que ajudaram a tecer esta grande polifonia. As múltiplas vozes que falam o nosso português”, destaca. “A nossa grande riqueza é a riqueza das línguas praticadas no país”, avalia. 

Quanto à recentemente reforma da Língua Portuguesa, que aproximou mais o português do Brasil do português de Portugal, Lucchesi acredita que “todo o esforço de aproximação que não dependa apenas de esforços ortográficos, é importante”. Contudo, o essencial, ele acredita, está naquilo que o idioma guarda de sua essência.

“Eu me lembro que o grande Eduardo Lourenço dizia que Portugal e Brasil tinham dois defeitos: Portugal estava preso no labirinto da saudade, e o Brasil é como se não tivesse um pai. Esses dois elementos eram aquilo que deveríamos enfrentar. Portugal abandonar o labirinto e o Brasil reconhecer que teve um pai”, conclui.

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