Acessar o conteúdo principal
RFI Convida

“Pagu foi múltipla, complexa e não apenas musa”, diz autora de livro sobre a militante feminista

Publicado em:

Quando se pensa no nome Pagu, logo vem à cabeça a musa do modernismo brasileiro. Porém, a pioneira do feminismo foi muito mais do que isso, aponta a escritora carioca, Adriana Armony. Ela seguiu as pistas deixadas por Patricia Galvão na capital francesa nos anos 1930 para compor o seu novo livro "Pagu no Metrô".

A escritora carioca Adriana Armony.
A escritora carioca Adriana Armony. RFI
Publicidade

“Eu viajei a Paris para entender como foi esta temporada, entre 1934 e 1935, que é praticamente desconhecida. Se sabia que a Pagu havia feito um périplo pelo mundo e Paris foi um lugar fundamental, onde ela participou de manifestações contra o fascismo e assumiu a identidade de Léonie Boucher”, conta a autora.

Adriana Armony, que é também professora, com doutorado em literatura comparada pela UFRJ, passou um ano em Paris, em 2019, fazendo a pesquisa para um pós-doutorado na Universidade de Paris 3 - Sorbonne Nouvelle. O romance, que mistura ficção, relato pessoal e pesquisa histórica, contempla um lado menos conhecido da jornalista, autora e ícone do feminismo brasileiro.

“A princípio, eu não sabia como seria este formato, que foi se estabelecendo em tempo real, à medida que eu ia investigar nos arquivos estas pistas da Pagu, ao mesmo tempo em que eu fazia leituras sobre ela e ia descobrindo, não apenas coisas reais, mas também questões subjetivas, porque a própria Pagu era cheia de pseudônimos”, explica Adriana Armony sobre o processo de criação do livro.

Numa época de grande agitação política, Patrícia Galvão desembarcou na França em meados de 1934, depois de uma volta ao mundo como correspondente de jornais brasileiros. Em Paris, ela aderiu ao Partido Comunista Francês (PCF). Como uma detetive, Adriana Armony reuniu arquivos de polícia, de hospitais e fotografias inéditas para retratar esse período.

“Na verdade, ela foi mandada pelo Partido Comunista brasileiro nessa viagem pelo mundo. Na Rússia, ela se reuniu com os dirigentes e ficou decepcionada quando viu que era uma casta e que havia muita miséria. Boa parte de seus ideais comunistas foi abalada", relata a autora.

Quando chegou em Paris, Pagu participou de vários eventos políticos, distribui panfletos na praça e foi detida pela polícia. "Ela é fichada e presa como uma estrangeira em situação irregular”, completa Adriana.

Autobiografia não cita Paris

"Pagu no Metrô", lançado pela Editora Nós, retrata um período que a própria Pagu deixou de fora na sua autobiografia. “Isso é um mistério. Eu até brinco com isso no livro, que narra também as minhas perplexidades de leitora e as minhas dúvidas”, diz Adriana Armony.

“Nessa autobiografia, ela faz um relato para o Geraldo Ferraz sobre a vida dela desde a infância, mas principalmente esta vida subjetiva, imaginária, das emoções, que vai até o momento da viagem dela a Paris. E a carta se interrompe sem nenhuma despedida. Eu fiquei me perguntando o que aconteceu? E começam os delírios e as hipóteses. Será que ela interrompeu ou alguém tirou esta parte porque não queria que se soubesse de alguma coisa? Aí vai a imaginação da romancista, se somando à imaginação da pesquisadora”, relata.

Para falar de Pagu, a autora precisa falar de si mesma. O texto é recheado de confidências em primeira pessoa, que se misturam a momentos da história real, num testemunho de vida de duas mulheres. “A gente conhece muito esse mito da Pagu bonita, de baton roxo. O nome Pagu já é algo mítico, que não parte da realidade”, explica.

Musa dos modernistas

Pagu teve grande destaque no Movimento Modernista, iniciado pela Semana de Arte de 1922. Nessa época, ainda adolescente, ela se tornou a musa dos modernistas. Até integrar, anos mais tarde, o movimento Antropofágico, sob influência de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Ela viria a ter um relacionamento com Oswald de Andrade, quando o casal se torna militante do Partido Comunista brasileiro. Após a separação, ela vai morar sozinha, quebrando vários tabus para a época.

“A Pagu não participou diretamente de 1922, mas ela é uma figura importante do Modernismo e da Antropofagia, em 1928. Ela escreve no estilo taquigráfico e, mais do que isso, se torna um ícone feminista porque é uma mulher muito libertária, muito corajosa, que se colocava ativamente no campo da literatura, no campo das artes, ela fazia quadrinhos, tinha uma coluna chamada ‘A Mulher do Povo’ em que falava da mulher e criticava as mulheres burguesas, tinha uma relação forte com a classe operária, foi uma mulher batalhadora”, resume Adriana Armony.

“Eu acho importante a gente resgatar uma outra Pagu que é a Patrícia Galvão, a Pagu mais velha que é uma ativista cultural importante, que forma atores, que tem ligação com o teatro, que apresenta autores da literatura francesa”, diz Armony. “A gente vê que não foi fácil pagar este preço de mulher libertária, pois ela continuou sendo vista como um objeto e depois ela denuncia isso. Então, a gente fala de Pagu, de Patsi, de Mara Lobo, de Ariel, dessa Patrícia que tem que ser vista como uma mulher múltipla, complexa e não apenas musa no sentido de mulher bonita”, conclui.   

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.