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Quase metade dos lares com idosos perdeu renda durante pandemia, aponta pesquisa da Fiocruz

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Se os idosos são o público mais vulnerável para a Covid-19, no Brasil este grupo sofreu muito com perda de renda durante a pandemia. Uma pesquisa liderada pela Fiocruz aponta que 47,1% dos lares com brasileiros de mais de 60 anos foram afetados economicamente pela doença, sendo que 23,6% tiveram grandes perdas ou ficaram sem renda. “Isso traz uma cadeia de pobreza muito séria, porque desestabiliza os jovens e as crianças que dependem desta renda do idoso e causa aumento da fome”, alerta a socióloga Dalia Elena Romero, principal autora do estudo.

Idoso recebe doação de refeição no Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro. De acordo com pesquisa da Fiocruz, 23,6% dos lares com brasileiros de mais de 60 anos tiveram perda drástica na renda ou ficaram sem rendimentos durante a pandemia.
Idoso recebe doação de refeição no Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro. De acordo com pesquisa da Fiocruz, 23,6% dos lares com brasileiros de mais de 60 anos tiveram perda drástica na renda ou ficaram sem rendimentos durante a pandemia. AP - Bruna Prado
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O estudo, publicado nesta quarta-feira (31) no Cadernos da Saúde Pública, faz um raio-X da situação dos brasileiros com mais de 60 anos em relação e seu comportamento durante a pandemia, sua renda e trabalho e o sentimento de isolamento.

Dentre os mais de 9 mil idosos a responderem os questionários aplicados entre abril e maio de 2020, 23,5% disseram que a renda da família diminuiu um pouco por conta da pandemia, enquanto 23,6% afirmaram que a renda caiu muito ou que a família ficou sem renda no período. Chama a atenção que 12% relatou que ninguém da família recebeu qualquer benefício do governo relacionado à emergência sanitária.

Para a socióloga da Fiocruz Dalia Elena Romero, os dados ilustram uma situação de falta de proteção social para o idoso que afeta toda a família. “Não são só os idosos que foram afetados porque temos uma alta proporção, de cerca de 30% dos domicílios, em que a população jovem e as crianças dependem da renda do idoso. Na hora da crise, o jovem vai morar com o pai, o avô. A falta de renda do idoso traz uma cadeia de pobreza”, afirma.

O estudo indica que os mais afetados pela redução drástica nos ganhos foram os idosos que moram em casas com renda familiar de menos de um salário mínimo per capita. Neste grupo, 36,2% dos entrevistados afirmaram ter tido grande perda ou ter ficado sem qualquer renda, enquanto entre as casas com renda maior que quatro salários per capita, 16,9% declararam queda drástica nos ganhos. Entre aqueles que trabalhavam sem carteira assinada, a diminuição de renda ocorreu em 79,8% dos lares e a ausência de renda, em 55,3%.

Idosos tiveram de começar a trabalhar durante pandemia

O estudo mostra ainda que entre os mais afetados pela queda de renda, muitos tiveram de procurar trabalho - 29,3% desses idosos começaram a trabalhar após o início da pandemia. Romero explica que a pesquisa não permite saber quem são estes brasileiros com mais de 60 anos que tiveram de buscar trabalho, e se exporem aos riscos da pandemia, neste período, mas seu grupo de pesquisa investiga algumas hipóteses.

“Estamos pesquisando uma hipótese de que esse grupo é formado principalmente por mulheres que saíram de casa para cuidar de idosos, ou seja, são idosos cuidando de idosos”, destaca. Ela aponta ainda a grande presença de homens de mais de 60 anos entre os trabalhadores ambulantes vistos nas ruas.

A socióloga Dalia Elena Romero, pesquisadora do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz
A socióloga Dalia Elena Romero, pesquisadora do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz © Divulgação/Fiocruz

Entre os idosos que trabalharam durante o período pesquisado, 33,9% afirmou ter exercido alguma atividade considerada essencial. A pesquisadora da Fiocruz lembra que a atividade de cuidadora foi considerada essencial por muitas famílias que não permitira às funcionárias que se isolassem ou que decidiram contratar alguém durante a pandemia que aceitasse se expor ao risco do trabalho presencial para o cuidado de um idoso ou de uma pessoa dependente.

“O triste é que essas mulheres cuidadoras, que muitas vezes têm mais de 50, 60 anos, só foram consideradas trabalhadoras essenciais pelo governo em julho, foram incluídas pelo Ministério da Saúde para vacinação prioritária, mas não tenho visto os municípios priorizarem esta vacinação”, critica.

A população idosa foi a mais atingida pelo luto na pandemia. Só até fevereiro, 167 mil brasileiros com mais de 60 anos morreram por Covid-19, de acordo com os dados do Ministério da Saúde.

Sentimento de solidão

A Convid-19, pesquisa feita em território nacional, também coletou informações sobre o sentimento de tristeza, ansiedade e solidão dos idosos brasileiros neste período.

A solidão foi o sentimento mais frequente entre eles pelo distanciamento de amigos e familiares, 47,1% dos brasileiros com mais de 60 anos disseram se sentir isolados sempre ou muitas vezes, enquanto 28,5% disseram se sentir isolados poucas vezes e apenas 18% afirmou nunca se sentir assim durante o período da pandemia.

O estudo mostra ainda que o sentimento de tristeza ou depressão foi mais recorrente em domicílios com menor renda (32,3%) e entre as mulheres (35,1%). A socióloga enfatiza, no entanto, que os dados podem estar subestimados e esconder um sentimento de solidão e tristeza já comum entre esta população.

“A gente não perguntou o grau de sofrimento dessa pessoa, a gente perguntou se na pandemia ele estava mais sozinho, mais triste, qual era a mudança. Quando você compara o idoso com o jovem sobre a mudança, você percebe que o jovem relata mais esta tristeza. Mas quando vemos as evidências epidemiológicas, a solidão é letal para o idoso, ela não é um problema pontual”, explica.

Políticas públicas podem reduzir o sentimento de isolamento e melhorar a qualidade de vida dessa populaçaõ, mas este olhar ainda é pouco desenvolvido no Brasil, argumenta a pesquisadora.

“Tem coisas muito práticas a fazer, como a inclusão digital do idoso. E quando falo em investimento da inclusão digital da população idosa estou falando até do aspecto benéfico inclusive para a economia. Imagine quantas mortes e quantas doenças teríamos evitado se o idoso pudesse receber chamadas, fazer cursos de autocuidado”, afirma.

Romero lembra ainda o papel fundamental da atenção básica na saúde pública para melhorar a qualidade de vida dessa população. “Os agentes de saúde levam informação, cuidado. Os idosos falam com alegria das visitas desses agentes. Em países como a Inglaterra, a atenção básica é reconhecida por resolver 80% dos problemas de saúde, e aqui precisamos melhorar isso.”

A pesquisa sobre as condições de vida dos idosos envolveu especialistas de cinco universidades públicas (universidades federais de Minas Gerais, de Ouro Preto, e de Sergipe, Unicamp e USP), além da Fiocruz. Os questionários foram aplicados entre os dias 24 de abril e 24 de maio de 2020.

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