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Rendez-vous cultural

Explorações de Rondon e Brasil atual inspiram reflexões artísticas do fotógrafo Emílio de Azevedo

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“Rondônia, como me apaixonei por uma linha” é o título do intrigante projeto em curso de Emílio de Azevedo. O artista faz uma releitura pessoal das expedições do marechal Rondon, através do resgate dos arquivos militares e de viagens à Amazônia, abrindo espaço para questionamentos sobre papel e herança do militarismo, iconografia oficial, ocupação, meio ambiente e povos indígenas.

Imagem do projeto "Rondônia: como me apaixonei por uma linha", de Emílio de Azevedo.
Imagem do projeto "Rondônia: como me apaixonei por uma linha", de Emílio de Azevedo. © Emílio de Azevedo
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Por Patrícia Moribe, em Paris

Cândido Rondon marcou a história das primeiras décadas do século 20 no Brasil. Militar, sertanista, indigenista, líder de expedições científicas, engenheiro, republicano e positivista, ele foi o responsável pela Comissão que leva seu nome e que desbravou o oeste do Brasil, estabelecendo linhas telegráficas por 4.500 km.

Emílio de Azevedo, nascido em Goiás e radicado na Bélgica, se inspira e revisita de maneira pessoal o caminho e as consequências traçadas pelas andanças do marechal, mestiço de indígena e ícone da história militar do Brasil.

 

Imagem do projeto "Rondônia, como me apaixonei por uma linha".
Imagem do projeto "Rondônia, como me apaixonei por uma linha". © Emílio de Azevedo

 

Ele conta que a ideia surgiu em 2019, durante um programa de residência da Escola Nacional Superior de Fotografia, em Arles, no sul da França. “Eu queria entender melhor o que estava acontecendo no cenário político brasileiro, com Bolsonaro e militares ocupando os cargos mais importantes do poder Executivo. Era assustador. Eu nasci no final dos anos 1980, na fase de redemocratização. E ver a democracia brasileira enfrentando um desafio tão grande fez com que eu me aproximasse do Brasil. Então, eu decidi começar um trabalho de investigação fotográfica em torno dos militares”, relata.

“O meu objetivo inicial era entender melhor o papel, as funções dessa instituição ao longo da história do Brasil contemporâneo. O meu método para tratar dessa realidade do mundo militar foi operar o que na antropologia chamamos de etnografia invertida. Meu trabalho fotográfico consistiu, então, em tornar estranho o que parecia familiar. Foquei nos gestos, na iconografia, nas formas com as quais os militares representavam a realidade. E tudo isso sem nenhum fetiche pelos militares; isso é importante ressaltar. O objetivo era dar ao público a ocasião de entender melhor de onde surgia o autoritarismo e o controle que essa instituição queria exercer sobre o Estado brasileiro.”

 

Imagem do projeto "Rondônia: como me apaixonei por uma linha", de Emílio de Azevedo.
Imagem do projeto "Rondônia: como me apaixonei por uma linha", de Emílio de Azevedo. © Emílio de Azevedo

 

Realidade apagada

Em 2020, o artista brasileiro ganhou o Prêmio da Fotografia, do museu do Quai Branly, em Paris. "Quando selecionamos o projeto, ficamos interessados pelo aspecto de uma dupla pesquisa", conta Christine Barthe, responsável pelas coleções fotográficas da instituição. "Primeiro, a partir de imagens antigas, de arquivo. E depois, a intenção de revisitar de maneira muito experimental esse território. A primeira parte em torno da representação dos militares nos deixou bastante animados com o projeto. Seu modo de trabalhar é apaixonante. Ele não fecha nenhuma porta, ele quer explorar todas as pistas. As pesquisas são precisas, quase arqueológicas, com abordagem muito sutil."

Imagem do projeto "Rondônia: como me apaixonei por uma linha", de Emílio de Azevedo.
Imagem do projeto "Rondônia: como me apaixonei por uma linha", de Emílio de Azevedo. © Emílio de Azevedo

“O mais importante, ou pelo menos o que mais me chamou a atenção, é que esses arquivos mostram uma realidade que foi literalmente apagada - civilizações, culturas, ecossistemas, biótopos, animais, enfim”, explica Emílio. “Meu projeto não foca necessariamente nas vítimas desse processo civilizatório, mas tenta entender um pouquinho melhor o marco de pensamento que organiza e orienta essas atividades e comportamentos extrativistas. A Comissão Rondon, se torna, no meu projeto, um exemplo paradigmático do que nos levou à crise ecológica atual.

O fotógrafo trabalha com vídeos, fotografias e instalações. “O projeto tenta mostrar como a gente transformou o mundo segundo lógicas extrativistas, como se o mundo fosse uma grande plantação”, seguindo "lógicas extrativistas e produtivistas em detrimento dos indivíduos humanos e dos ecossistemas".

Imagem do projeto "Rondônia, como me apaixonei por uma linha", de Emílio de Azevedo.
Imagem do projeto "Rondônia, como me apaixonei por uma linha", de Emílio de Azevedo. © Emílio de Azevedo.

“Eu adoro o título, que é extremamente irônico”, diz a curadora brasileira Ioana Mello. “Os arquivos do marechal Rondon são lineares, querem enquadrar uma história, um país, uma população. O Rondon quer traçar a linha do telégrafo, a linha da estrada, a autoestrada, a Transamazônica. Já os temas abordados no projeto do Emilio não são lineares, são ligados à história, à natureza; são coisas vivas, orgânicas”, acrescenta. Ela destaca, também, a amplitude do projeto, utilizando várias mídias e a partir de pesquisas em arquivos – no Rio de Janeiro e em Paris – além de viagens in loco.

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