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Rendez-vous cultural

Exposição em Paris mostra um Picasso intimista, fascinado pela infância

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Um Picasso visto de dentro, com suas contradições, brincadeiras e superstições, uma visão mais íntima, familiar e pessoal de um dos maiores artistas do século 20. É o que traz aos olhos do público a exposição Doação de Maya Ruiz-Picasso, filha de Pablo, em cartaz no Museu Picasso, em Paris.

Caderno de desenho de Pablo Picasso para a filha Maya, parte da exposição Doação de Maya Ruiz-Picasso, no Museu Picasso em Paris.
Caderno de desenho de Pablo Picasso para a filha Maya, parte da exposição Doação de Maya Ruiz-Picasso, no Museu Picasso em Paris. © Reprodução
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Por Paloma Varón, para a RFI

Inaugurada em 16 de abril, a exposição, que conta com mais de 200 peças no total, é centrada nas nove obras pertencentes ao acervo pessoal da filha mais velha do pintor, Maya, nascida em setembro de 1935 de um romance extraconjugal com Marie-Thérèse Walter. O patrimônio foi doado ao Museu Picasso em 2021.

Por meio de um rico acervo de pinturas, esculturas e cadernos de desenho, além de fotografias e objetos pessoais, o visitante descobre como era a vida íntima e familiar de Picasso com seus quatro filhos: Paul, Maya, Claude e Paloma.

Mas o acervo de Maya vai além: a exposição conta, por exemplo, com um retrato que Pablo pintou de seu pai em 1895, quando ele tinha apenas 14 aos. Don José Ruiz era também pintor e professor de Belas Artes.

Com curadoria de Émilia Philippot, conservadora das obras de Picasso, e da historiadora da arte Diana Widmaier-Ruiz-Picasso, filha de Maya e neta do artista, a exposição mostra, em todas as cores e formas, um Picasso encantado pela infância, em particular a de seus filhos, que ele retrata com ternura.

"A gente toca o lado humano de Picasso. Esta exposição nos permite humanizar alguém que a gente tem a tendência a mitificar e eu acho que é importante para o público", resume Diana Picasso.

Como bumbum de bebê

Além de mostrar a fascinação de Picasso pela vida familiar, a exposição conta com uma obra bastante contemporânea, por se servir de um material pouco convencional. Diana, a neta de Picasso, falou com exclusividade à RFI sobre o quadro "Natureza morta com jarro e maçã": 

"É uma obra que foi realizada pelo meu avô em 1938, quando Maya tinha 2 anos e meio e ainda era amamentada pela minha avó, Marie-Thérèse. Como Picasso era uma pessoa que se maravilhava com tudo, ele observou que um bebê amamentado tinha excrementos de uma cor diferente, de um amarelo impossível de reproduzir. Então ele pegou um algodão que foi utilizado para limpar Maya e colocou neste quadro. Este quadro é único porque foi a primeira vez que ele utilizou este material e isso nos leva a algo quase filosófico, porque são matérias vivas que ele imortalizou", explica. 

Fto do quadro "Natureza morta com jarro e maçã", de Pablo Picasso (1938). A maçã no quadro é representada com um algodão que foi usado para limpar o bumbum da sua filha, que era bebê e era amamentada pela sua mãe.
Fto do quadro "Natureza morta com jarro e maçã", de Pablo Picasso (1938). A maçã no quadro é representada com um algodão que foi usado para limpar o bumbum da sua filha, que era bebê e era amamentada pela sua mãe. © Paloma Varón/RFI

A exposição conta também com uma seção chamada Memorabilia, que reúne roupas, chinelos, primeiros sapatos, mechas de cabelo, unhas cortadas (Picasso era supersticioso e não jogava fora suas unhas cortadas), poemas e cartazes que ele escreveu a Maya e Marie-Thérèse e nunca foram mostradas ao público. Apresenta, ainda, fotografias de família de Edward Quinn que não eram conhecidas.

Cadernos com notas atribuídas ao pai pela filha

O público pode ter acesso a um caderno de desenho com notas que a filha atribuía ao pai, numa inversão de papéis que parecia agradar ao mestre. Maya era rígida e dava notas como 10 sobre 20 aos desenhos de seu pai.

Foto do caderno que Picasso fez para ensinar técnicas de desenho para a sua primeira filha, Maya, que, i vertendo os papéis, dava otas ao pai. Para este vaso, ela deu a nota 10 sobre 20.
Foto do caderno que Picasso fez para ensinar técnicas de desenho para a sua primeira filha, Maya, que, i vertendo os papéis, dava otas ao pai. Para este vaso, ela deu a nota 10 sobre 20. © Reprodução

Diana, a neta, se diverte e se emociona ao falar destes cadernos: "Os cadernos de desenho são um testemunho emocionante e único, além de inéditos. Mostram como ele ensinava desenho e perspectiva a Maya, assim como ele havia aprendido com o seu pai. E através dela ele reaprende, como ele sempre disse, a desenhar como uma criança". 

Infância sob o signo das guerras

A mostra exibe as bonecas e marionetes de papel criadas por Pablo para a sua primeira filha, que teve a infância marcada pela Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). 

Além disso, Picasso fez representações em desenhos e pinturas de Maya, desde o seu nascimento até o início de sua vida adulta: Picasso a acordou na madrugada em que faria 18 anos para desenhá-la antes que ela alcançasse a maioridade.

A exposição foi também uma oportunidade para Diana conhecer um pouco mais sobre a infância de sua mãe. 

"Eu fui entrevistar a minha mãe para o catálogo desta exposição e aprendi coisas que podem parecer engraçadas, mas que finalmente ganham um novo sentido quando falamos de Picasso, como as canções de ninar que ele cantava para ela, que ele havia aprendido com a sua mãe na Espanha", conta. 

Pinturas de Maya feitas por Picasso, em exposição no Meuseu Picasso de Paris.
Pinturas de Maya feitas por Picasso, em exposição no Meuseu Picasso de Paris. © Paloma Varón/RFI

Diana explica o porquê de sua mãe, nascida María de la Concepción, se chamar hoje Maya (ela conseguiu mudar o seu nome em cartório, já na idade adulta). 

"Maya foi batizada como Maria de la Concepción, o mesmo nome da irmã caçula de Picasso, que morreu aos setes anos de difteria, quando Picasso era novo. Ele nunca superou esta morte. Quando sua primeira filha nasceu, ele decidiu chamá-la assim, um nome que é complicado de pronunciar, ainda mais em Paris, então María de la Concepción virou Maria e logo Maya", relata.  

Essas e outras descobertas sobre a vida íntima do mestre e sua família, assim como o seu processo de criação, são privilegiados nesta mostra em Paris. 

"A escolha das obras mostradas aqui foi feita em conjunto com a família. Estas nove novas obras doadas por Maya cobrem o período de 1895 a 1972 e incluem pinturas, esculturas, um caderno de desenho e uma obra da coleção pessoal de Picasso, um totem da arte da Oceania", explica Émilia Philippot, co-curadora da exposição. 

A mostra fica em cartaz no Museu Picasso de Paris até o dia 31 de dezembro de 2022, mas as cartas e cadernos mais íntimos serão trocados em agosto.

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