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Próxima Parada: Paris 2024

Paris 2024, finalmente a paridade: 130 anos de luta das mulheres no esporte

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Quantos atletas participam de uma Olimpíada? Desde os anos 1990, cerca de 10 mil esportistas competem nos Jogos Olímpicos a cada edição. O grande número justifica o nome dado ao megaevento esportivo. Essa cifra, no entanto, sempre escondeu uma grande desigualdade entre homens e mulheres que, até hoje, não tiveram o mesmo espaço no esporte. Os Jogos Olímpicos de Paris, em 2024, serão os primeiros em 130 anos com o mesmo número de atletas feminino e masculino.

A inserção das mulheres nas Olimpíadas foi uma verdadeira corrida com obstáculos. Paris presenciou a primeira prova feminina em 1900, mas só em 2024 haverá equidade no número de homens e mulheres a competirem.
A inserção das mulheres nas Olimpíadas foi uma verdadeira corrida com obstáculos. Paris presenciou a primeira prova feminina em 1900, mas só em 2024 haverá equidade no número de homens e mulheres a competirem. ASSOCIATED PRESS - Michael Macor
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Cristiane Capuchinho, da RFI

As primeiras a abrirem o caminho foram as atletas que participaram em 1900 da Segunda Olimpíada, em Paris. Elas eram apenas 22, diante de 975 homens. Naquela edição, as mulheres só tinham direito de competir em cinco modalidades: tênis, golfe, equitação, croqué e vela.

Ainda levará décadas para que as mulheres possam participar de provas tradicionais como a corrida. A personagem-chave dessa história será a jornalista francesa Alice Milliat, que cria a primeira Federação Internacional de Esportes femininos. 

"Alice Milliat foi a primeira a apostar no esporte feminino. Ela fez da inclusão das mulheres no esporte o combate de sua vida. Sobretudo porque nessa época, grandes personalidades eram contrárias à participação das mulheres nos Jogos Olímpicos", explica Aurélie Bresson, presidente da Fundação que homenageia Alice.

Sem conseguir convencer o COI (Comitê Olímpico Internacional) a permitir a entrada das mulheres em esportes tradicionais, Alice Milliat decide organizar em 1922 os Jogos Olímpicos das Mulheres. O sucesso do evento obriga o COI a aceitar as mulheres no atletismo em 1928.

E a inclusão das mulheres nas Olimpíadas leva mais de um século assim, de modalidade em modalidade.

Pouco a pouco

Desde os anos 1960, as Olimpíadas contam com cerca de 5 mil homens. Agora, as mulheres, são em número muito menor. Os Jogos de 1968, no México, ano de plena revolução feminina, tinha apenas 781 atletas mulheres, isto é, só 14% do total de competidores.

Ao longo das décadas esse número melhora. Mas em 2004, em Atenas, as mulheres ainda são apenas 40% dos atletas. No Rio de Janeiro, em 2016, as mulheres são 47% do total de esportistas. E essa desigualdade de vagas para homens e mulheres só vai acabar em 2024, em Paris.

“O boxe só foi aberto às mulheres em 2012. A esgrima, com a arma de sabre, só foi aberta às mulheres em 2004, ou seja, tudo isso aconteceu 'ontem'", destaca a pesquisadora Carole Gomez, especialista em sociologia do esporte da Universidade de Lausanne.

Em 2024, para chegarmos ao mesmo número de atletas homens e mulheres classificados, haverá a inclusão de uma prova mista de atletismo, uma categoria a mais no boxe feminino, provas mistas de vela e de tiro, além de duas provas de canoagem slalom extremo.

Ana Sátila, durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021
Ana Sátila, durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021 AP - Kirsty Wigglesworth

Remar contra um mito

A entrada de cada uma dessas modalidades é o resultado de uma batalha dentro das federações esportivas.

"Participamos de uma revolução na nossa categoria para tentar a igualdade de gênero. Antes, no slalom, não tinha a categoria C1 feminina, e no lugar tinha duas modalidades masculinas, C1 e C2 masculino. Então, havia até 3 vezes mais homens competindo que mulheres", conta a canoísta brasileira Ana Sátila.

As modalidades C1 e C2 são as categorias em que os atletas estão em canoas, ou em individual, ou em dupla. As mulheres não tinham competições de canoa, elas só podiam ser atletas profissionais em modalidades de caiaque.

Por mais de um século, foi difundida a ideia de que o movimento unilateral feito na canoa podia provocar problemas no sistema reprodutivo e urinário feminino. Em 1998, a atleta canadense Sheila Cooper fundou o WomenCan, um grupo para lutar pela igualdade de gênero no esporte e combater essa lenda. Apenas em 2011 que a comissão médica do COI se manifestou contra esse mito.

Ainda assim, nas Olimpíadas do Rio em 2016, a canoa feminina não foi incluída como modalidade. Apesar de o Brasil ter, na época, três atletas com potencial para ganhar medalha. Entre elas, Ana Sátila.

Ao longo de anos, as mulheres da canoagem participaram de campanhas pela igualdade de gênero. "Em alguns campeonatos, em Copas do Mundo, nos organizamos para pedir atenção maior e para colocar a canoa feminina nas competições", lembra.

Ana Sátila, que foi a primeira brasileira a chegar a uma final olímpica de canoagem no caiaque em 2021, poderá competir em Paris também com a canoa, modalidade que ela pratica em individual e em dupla com sua irmã, Omira Maria.

Marta joga a Copa do Mundo Feminina sem patrocínio na chuteira, por considerar que os valores oferecidos são baixos em relação ao dos homens
Marta joga a Copa do Mundo Feminina sem patrocínio na chuteira, por considerar que os valores oferecidos são baixos em relação ao dos homens AP - James Elsby

Uns mais iguais que as outras

Ter em 2024 o mesmo número de atletas e de medalhas para homens e mulheres nos Jogos Olímpicos é um passo, mas está longe de significar igualdade de gênero no esporte.

"Este é um símbolo forte, mas é importante lembrar que essa paridade não existe nos Jogos Paralímpicos e nem na Olimpíada de Inverno", lembra a pesquisadora Carole Gomez, da Universidade de Lausanne. Além disso, ela sublinha a baixa representatividade de mulheres entre dirigentes e arbitragem.

"Precisamos ainda ir além. Levar mais igualdade para as federações nacionais, os esportes femininos precisam de melhores condições no cotidiano, com mais equipamentos, condições de treinamento, regras para sua profissionalização", afirma Gomez.

Nos últimos anos, uma das pautas importantes têm sido a equiparação de salários entre homens e mulheres.

Com quatro medalhas de ouro olímpica e quatro títulos de Copa do Mundo, a seleção feminina de futebol dos Estados Unidos não recebia até recentemente o mesmo salário que seus colegas homens –cujo melhor resultado nas Olimpíadas é uma prata em 1904.

A estrela Megan Rapinoe foi uma das lideranças desse movimento que, em 2021, foi até a Casa Branca para pedir igualdade de remuneração. A jogadora virou uma voz internacional pela igualdade de gênero, mas a seleção feminina só conseguiu essa vitória em 2022.

No Brasil, Marta, a maior artilheira em Copas do Mundo entre homens e mulheres, jogou a Olimpíada de Tóquio sem patrocínio na chuteira --assim como faz na Copa do Mundo da Oceania. O calçado é um protesto contra as propostas recebidas com valores muito mais baixos que os dos homens.

Hoje, Marta, eleita a melhor jogadora do mundo por seis vezes, ganha menos que 1% do salário de Neymar.

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