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Linha Direta

Caso das joias pode cair para primeira instância, mas provas colhidas devem ser mantidas, diz jurista

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Jair Bolsonaro e Michele foram convocados a comparecer à Polícia Federal nesta quinta-feira (31), num momento em que uma das peças-chave do caso, o ex-ajudante de ordens do Planalto, Mauro Cid, dá mostras de que quer ajudar nas investigações. Aliados do ex-presidente esperam a remessa do caso das joias à justiça de primeiro grau, mas especialista diz que isso não anularia provas já obtidas.

Caso das joias pode cair para primeira instância, mas provas colhidas devem ser mantidas, diz jurista.
Caso das joias pode cair para primeira instância, mas provas colhidas devem ser mantidas, diz jurista. REUTERS - ADRIANO MACHADO
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Os depoimentos serão colhidos simultaneamente e em salas separadas na Polícia Federal, a fim de evitar combinação de versões e identificar possíveis contradições nas falas. Além do ex-casal presidencial, estão na lista de convocados Mauro Cid, o pai dele, general Mauro Cesar Lourena Cid, o advogado do ex-presidente, Frederick Wassef - que viajou ao exterior para recomprar o Rolex vendido nos Estados Unidos -, o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, e os ex-assessores Marcelo Costa Câmara e Osmar Crivelatti.

O caso dos presentes recebidos em missões oficiais e que foram vendidos ou apropriados de forma ilegal é considerado dos mais desgastantes para Bolsonaro, inclusive pelo vasto material apreendido pelos agentes federais. Mas aliados do ex-presidente defendem que ele use o direito de ficar calado para não se prejudicar e como forma de contestar o poder do Supremo Tribunal Federal em conduzir esse inquérito. A esperança deles é que o caso seja remetido à primeira instância, porque Bolsonaro não é mais presidente, nem tem cargo eletivo.

O jurista Antônio Ribeiro Júnior, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), disse à RFI que isso pode mesmo acontecer, mas não deve ser o destino de todos os processos contra Bolsonaro.

“Há um fato incontroverso que Bolsonaro não tem mais o foro privilegiado. Entretanto, há outras circunstâncias importantes que podem ser consideradas no julgamento pelos ministros: o fato de as ações terem tido início no STF, o fato de já haver uma produção de provas no âmbito do STF, e o fato também de alguns desses crimes estarem sendo cometidos contra o próprio STF”, afirmou o Ribeiro, citando como exemplo o inquérito que apura a tentativa de golpe e ataques a órgãos públicos. Ele também lembrou que os inquéritos eleitorais da última campanha não se alteram e continuam na corte responsável, que é o TSE.

 “Se a gente fizer uma análise individualizada, digamos que é um pouco mais provável que os ataques ao STF devem ficar na Suprema Corte, pela própria natureza da matéria. Já outros casos, com o das joias, o mais provável é que sejam encaminhados ao juízo de primeiro grau, como tem sido a jurisprudência do Supremo desde 2018”. Para o jurista é importante que o STF decida a questão a fim de garantir um cenário de segurança jurídica e, de preferência, que mantenha o entendimento que tem aplicado nos últimos anos. Ou então, se mudar novamente, que se apresente justificativas firmes e se aplique a tese a todos os casos análogos, para afastar a suspeita de oportunidade. “Um dos fatores mais preocupantes do Direito é a instabilidade de decisões”.

No entanto, ao contrário do que esperam bolsonaristas, o STF deve assegurar a legalidade das provas já colhidas, até porque foi o próprio tribunal que autorizou o trabalho da PF. “O STF dificilmente irá declarar a nulidade das provas que ele mesmo determinou a produção, ainda que se declare a ausência do foro privilegiado, e tendo em vista que um dos princípios do Código de Processo Penal é de que nem todo o ato declarado nulo macula o restante do procedimento. Então é possível que haja em alguns casos pontuais a remessa de processos para a primeira instância, mantendo-se a prova que foi produzida até então”, explicou o especialista da ABRADEP.

Desgaste das Forças Armadas

Das oito pessoas convocadas a dar explicações nesta quinta-feira, quatro são militares ligadas ao Exército, sem contar Bolsonaro, que já integrou a força. Isso evidencia o total desconforto que impera na caserna com o escândalo das joias, além de outros casos em apuração. A percepção de quem tem certo trânsito ali dentro é de que há setores que defendem uma despolitização, mas que não viram ações concretas nesse sentido até aqui.

“As Forças Armadas estão, pelo menos uma parte, bastante desgastadas. Uma ala esteve presente, atuante e foi conivente com muitas ações do ex-presidente Jair Bolsonaro e do seu entorno. Mas ainda é uma instituição de Estado bem forte. Isso é inegável. Só que o processo de despolitização das Forças Armadas demanda um tempo maior, demanda até um processo de renovação”,  analisou para a RFI a cientista política Luciana Santana, professora da Universidade Federal de Alagoas e da Universidade Federal do Piauí.

Pesquisa recente da Genial/Quest mostrou grande oscilação negativa na credibilidade das Forças Armadas perante a opinião pública. Entre dezembro do ano passado e agosto deste ano, a visão positiva da instituição passou de 43% para 33%, enquanto a soma dos que declaram “confiar pouco” ou “não confiar” nela subiu de 54% para 64% no período.

Os bolsonaristas mais radicais esperavam que as Forças Armadas destituíssem o governo Lula e, decepcionados, dizem não confiar mais como antes nos militares. Já os eleitores mais críticos de Bolsonaro enxergam participação de integrantes da instituição em falhas graves do ex-governo, além de escândalos como o das joias.

“Mudar internante, despolitizar, não é algo que vai acontecer da noite para o dia, é algo que demora um pouco mais. Existe um movimento nesse sentido nas Forças Armadas, isso a gente consegue perceber que sim, mas ainda é muito tímido até aqui”, afirmou Santana.

Não é perseguição

Filhos e aliados de Bolsonaro tem repetido que as ações contra o clã são perseguição política, sem base ou indícios, que visam enfraquecê-los no jogo eleitoral. “Perseguição nesse contexto fático de provas, eu não acredito. Eu não vejo como possível, até porque há indícios fortes de participação, ainda que indireta, do casal, seja por ação ou omissão nessas circunstâncias, nesses fatos que estamos tratando. Se há responsabilidade direta ou não, e participação direta do casal, da família Boslonaro, isso é algo que as investigações devem se aprofundar para responder”, afirmou o jurista Antônio Ribeiro.

A crise política que se abateu sobre ex-presidente, que foi declarado inelegível pelo TSE e enfrenta agora outras investigações, também teve peso no jogo de forças entre o Executivo e o Legislativo. “O desgaste que Jair Bolsonaro tem tido reduz o peso das oposições, principalmente essa oposição mais de extrema direita. Então isso facilita de alguma maneira que o atual governo do presidente Lula tenha uma margem de negociação maior em relação a projetos que são prioritários do governo, inclusive a própria negociação com os partidos do centrão”, destacou Luciana Santana.

“Claro que tem outros complicadores. A própria composição do Legislativo, a gente tem algumas CPIs em andamento. Então são vários fatores que, de alguma maneira, fazem com que o governo não avance tanto como gostaria de avançar. E há os partidos do centrão, que estão cada vez mais fortes. A gente já via isso no governo Bolsonaro e vemos agora também. Mas nesse ponto destaco que o centrão hoje se mostra mais propício ao diálogo e a entender o papel do Executivo do que em outras situações. Vejo que o preço que o governo Lula tem pagado é alto, mas acho que tem conseguido ser muito mais proativo, protagonista nessa relação entre Executivo e Legislativo”.

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