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Linha Direta

Em eleições incertas, Equador vai às urnas sob a mira do crime organizado

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Os equatorianos vão decidir entre a volta ao poder da corrente poítica do ex-presidente Rafael Correa e opções linha-dura contra onda de violência cujo rosto mais visível é o de Fernando Villavicencio, presidenciável assassinado em 9 de agosto. A partir de então, a corrida eleitoral teve uma reviravolta.

Em eleições incertas, Equador vai às urnas sob a mira do crime organizado
Em eleições incertas, Equador vai às urnas sob a mira do crime organizado REUTERS - HENRY ROMERO
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Pela primeira vez, o Equador enfrenta um processo eleitoral sob a chamada “morte cruzada”, um mecanismo constitucional que permite ao presidente dissolver o Parlamento e chamar novas eleições gerais. Porém, ao tomar essa decisão, o presidente sacrifica o próprio mandato que, neste caso, terminaria em maio de 2025.

“Esta eleição é um verdadeiro absurdo. Com a Constituição (2008), quiseram criar um mecanismo parecido ao parlamentarismo pelo qual um presidente pode dissolver o Legislativo para formar uma nova maioria ou para convocar uma nova eleição por um novo período completo, mas, no presidencialismo equatoriano, as novas eleições são apenas para terminar o atual mandato. Um erro desta Constituição”, explica à RFI o cientista político equatoriano, Simón Pachano, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO).

O presidente Guillermo Lasso tomou essa decisão em maio, quando o Congresso unicameral estava a ponto de votar a sua destituição. Lasso podia tentar a reeleição, mas a sua baixa popularidade (113,9% em maio) não o incentivou.

Quem vencer o pleito agora vai assumir em 25 de novembro e governar nessa espécie de mandato-tampão até 24 de maio. A vantagem para o eleito é poder controlar o processo eleitoral e ser candidato à reeleição em 2025. A desvantagem é que, em apenas um ano e meio, dificilmente possa fazer o suficiente para convencer a população.

Para o chamado “correísmo”, a corrente política liderada pelo ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), a vitória permitiria a volta ao poder.

“O país mantém um nível de polarização muito forte entre o ‘correísmo’ e o ‘anticorreísmo’. E há um conflito muito forte entre o Executivo (liberal, contra o ‘correísmo’) e o Legislativo (onde a primeira minoria é o ‘correísmo’). Nestas eleições, está em jogo quem vai ganhar essa tensão que nem a ‘morte cruzada’ conseguiu resolver”, indica à RFI o cientista político equatoriano Fernando Carrión, também da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO).

Dos 137 legisladores, 47 são ‘correistas’ (esquerda), enquanto 27 são da força Pachakutik (centro-esquerda indigenista).

A estratégia de Rafael Correa é voltar ao Equador sem enfrentar a prisão para cumprir a condenação de oito anos por corrupção. Autoexilado na Bélgica, país da sua esposa, Correa aposta numa anistia.

“Haveria alguma forma de Correa conseguir se livrar dos seus problemas judiciais para voltar ao país e ser candidato nas próximas eleições. Esse é o objetivo central do ‘correismo’ durante esse mandato curto”, acredita Simón Pachano.

Os equatorianos também vão votar uma consulta popular sobre se querem deter a extração de petróleo de um bloco num parque nacional da Amazônia. O bloco é crucial para a economia, mas a região é uma das mais importantes no mundo em biodiversidade.

“É provável que seja aprovada e que o Estado perca essa receita petrolífera calculada em US$ 1,2 bilhão que complicaria ainda mais a economia, afetada pela queda do barril de petróleo e pelos efeitos da pandemia”, adverte Pachano.

Pesquisas incertas

As pesquisas conhecidas são as divulgadas até o dia 10 de agosto, limite estabelecido na lei para a divulgação de sondagens eleitorais. Até 9 de agosto, a candidata do “correísmo”, Luisa González aparecia na liderança. O segundo, o terceiro, o quarto e o quinto lugar variavam muito, de acordo com cada estudo. Apareciam o ex-vice-presidente Otto Sonnenholzner (2018-2020), o jovem empresário Jan Topic, o ambientalista indigenista Yaku Pérez e o assassinado jornalista investigativo Fernando Villavicencio.

O repentino chamado à “morte cruzada” pegou os partidos menores na contramão. Favorecia ao estruturado ‘correísmo’ que corria com vantagem. Eis que no dia 9 de agosto, mudou todo o cenário eleitoral: o candidato Fernando Villavicencio foi assassinado com três tiros na cabeça quando saía de um comício num colégio na capital, Quito, onde esse tipo de ataque nunca tinha acontecido.

“A partir desse dia, acabaram-se as certezas. Não se sabe quem lidera a disputa nem quem vem atrás. Tudo se desarmou”, conta Carrion.

Devido à atomização política, a tendência é de um segundo turno. O próprio ex-presidente Rafael Correa divulgou um vídeo no qual admite que a sua candidata perdeu projeção e que, se antes podia ganhar no primeiro turno, agora haveria segundo turno em 15 de outubro.

Parte da população desconfia de Correa

Fernando Villavicencio era um acérrimo crítico de Rafael Correa. As suas investigações foram determinantes para a condenação por corrupção do ex-presidente.

Seis suspeitos colombianos estão presos, acusados de serem os autores materiais do crime. Um sétimo colombiano foi morto pela Polícia. Ainda não se sabe quem foi o mandante, mas, mesmo que a Justiça não aponte para o ‘correísmo’, a teoria conspirativa popular aponta para o próprio Rafael Correa, afetando o voto na sua candidata.

“Um vasto setor da população processa o atentado como se Rafael Correa estivesse por trás”, observa Carrion.

“Esse assassinato parece ter afetado fortemente a candidata de Correa, Luisa González. O próprio reconheceu essa queda. E isso torna estas eleições ainda mais imprevisíveis”, conclui Pachano.

A foto do morto Fernando Villavicencio vai aparecer nas cédulas de votação, mas quem optar por Villavicencio vai votar, na verdade, em Christian Zurita, candidato substituto do falecido.

Além de amigo de Villavicencio, Zurita é jornalista investigativo e publicou reportagens que também foram fundamentais para a condenação de Rafael Correa. E o próprio Correa tentou impugnar a candidatura de Christian Zurita, confirmada nesta semana. Essa falta de sensibilidade também pode ter afetado a candidata de Correa.

Candidatos linha-dura ganham terreno

O Equador tem vivido dias de comoção não só com o assassinato de Fernando Villavicencio, mas com outros 13 atentados, só neste ano. São políticos, promotores, juízes e diretores de penitenciárias.

Se antes do atentado contra Fernando Villavicencio, a questão da insegurança já era um dos assuntos mais importantes para os equatorianos, depois dessa morte, tornou-se prioritário. E isso catapultou determinados candidatos.

O Equador não conhecia esse nível de violência. Era um país relativamente seguro até cinco anos atrás. No ano passado, o número de homicídios praticamente duplicou o de 2021. E, neste ano, o país deve se tornar o mais violento da América Latina, superando a Venezuela, que lidera a lista.

Desde o dia 9 de agosto, os candidatos que promovem a “linha dura” contra o crime organizado ganharam projeção porque o assunto dominou o final da campanha e, sobretudo, o debate eleitoral de domingo passado.

“O debate entrou numa lógica de militarização que me parece muito perigosa. As forças de segurança começam a ter muito mais peso e a única saída que apontam para a violência é tomar as armas”, alerta Fernando Carrion, quem aponta aos vitoriosos do último debate.

“Jan Topic ganhou pelo lado da segurança e Otto Sonnenholzner pelo lado da estabilidade num país de grande instabilidade neste momento”, define.

Jan Topic é um dos mais beneficiados. Conhecido como “Rambo equatoriano” ou “Bukele equatoriano”, em referência ao presidente de El Salvador, Nayib Bukele, com elevados índices de popularidade por combater as gangues salvadorenhas, Jan Topic é um bem-sucedido empresário franco-equatoriano, da aliança “Por Um País Sem Medo” que promete acabar com o crime organizado. Topic é ex-paraquedista, ex-franco-atirador da Legião Estrangeira do Exército francês, através da qual combateu na Costa do Marfim, na Síria e na Ucrânia.

“Com o atentado contra Villavicencio, não se pode descartar que Jan Topic chegue em segundo lugar. Ele teve relação com o ‘correísmo’ e há denúncias de participação na corrupção”, recorda Simón Pachano.

“Outro que pode surpreender é Christian Zurita, candidato que substitui o morto Fernando Villavicencio”, acrescenta Fernando Carrion.

Governabilidade

Independentemente da indefinição para presidente, o próximo governo vai conviver com 137 legisladores que serão definidos neste domingo. Dessas eleições, sairá o equilíbrio ou desequilíbrio de forças, capaz de permitir ao próximo presidente uma governabilidade que Guillermo Lasso não teve.

Também nesse ponto, o atentado pode ter influência, retirando do ‘correísmo’ a bancada mais numerosa que, nos últimos anos, bloqueou as iniciativas do governo.

“Não podemos afirmar, mas pode ser que muita gente opte pelo partido de Fernando Villavicencio (Construye). De qualquer forma, o Equador tem 276 organizações políticas e, mesmo com essa dispersão, as pessoas não se sentem representadas. O nível de institucionalidade é muito baixo. Quando a atual Assembleia Nacional foi dissolvida, tinha uma aceitação de apenas 4%, a Justiça 8%, a Polícia 10% e o presidente da República 9%”, conclui Fernando Carrion.

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