Acessar o conteúdo principal
Linha Direta

Sudão: confrontos entre forças de generais rivais já provocou morte de 200 pessoas.

Publicado em:

O uso de armamento pesado, incluindo artilharia, tanques e aviões a jato em áreas densamente povoadas da capital Cartum causou muitas das quase 200 mortes anunciadas nesta terça-feira (18), pela ONU. Há civis entre essas vítimas, como três trabalhadores do Programa Mundial de Alimentos, das Nações Unidas. Por conta disso, o PMA suspendeu as atividades no Sudão. Também houve destruição em massa de propriedades, além de centenas de pessoas terem ficado feridas nos últimos três dias.

Imagens mostram os generais rivais no Sudão: Abdel Fattah al-Burhan, à esquerda, em 5/12/22, e Mohamed Hamdan Daglo (Hemedti), em 08/06/22. 
Sudan's Army chief Abdel Fattah al-Burhan (L) in Khartoum on December 5, 2022, 
and Sudan's paramilitary Rapid Support Forces commander, General Mohamed Hamdan Daglo (Hemedti), in Khartoum on June 8, 2022. - Fighting in Sudan raged for a second day on April 16 after deadly battles between the rival generals in control since their 2021 coup killed tens of people and wounded nearly 600, sparking international alarm. (Photo by ASHRAF SHAZLY / AFP)
Imagens mostram os generais rivais no Sudão: Abdel Fattah al-Burhan, à esquerda, em 5/12/22, e Mohamed Hamdan Daglo (Hemedti), em 08/06/22. Sudan's Army chief Abdel Fattah al-Burhan (L) in Khartoum on December 5, 2022, and Sudan's paramilitary Rapid Support Forces commander, General Mohamed Hamdan Daglo (Hemedti), in Khartoum on June 8, 2022. - Fighting in Sudan raged for a second day on April 16 after deadly battles between the rival generals in control since their 2021 coup killed tens of people and wounded nearly 600, sparking international alarm. (Photo by ASHRAF SHAZLY / AFP) AFP - ASHRAF SHAZLY
Publicidade

Vinícius Assis, correspondente da RFI, da Cidade do Cabo

Na disputa entre dois generais pelo comando do país, vários conflitos foram registrados, desde sábado (15), em diferentes cidades sudanesas. De um lado está o exército e do outro, o grupo paramilitar conhecido como Forças de Apoio Rápido (FAR). Uma fonte diplomática contou à RFI que, na capital do país, Cartum, as pessoas estão com medo de sair de casa.

Mais de 100 tiros foram disparados contra um carro da embaixada dos Estados Unidos. Com era blindado, quem estava dentro do veículo não se feriu. A casa do embaixador do Kuwait foi invadida e destruída. O embaixador da União Européia foi agredido dentro de casa, e teve vários objetos levados. O prédio onde fica a chancelaria da Malásia, na avenida Nilo, foi ocupado por homens da RSF. O edifício é da Petronas, estatal da Malásia de petróleo e gás. O último andar está sendo usado por franco-atiradores.

“Os civis estão presos no meio desse conflito e estão sofrendo. As partes em conflito devem imediatamente parar de usar armas explosivas com grande impacto nas proximidades de concentrações de civis”, afirmou o diretor regional da Anistia Internacional para a África Austral e o leste do continente, Tigere Chagutah. A organização também apelou ao Conselho de Segurança da ONU para fazer uma reunião de emergência sobre a situação no Sudão e reforçar a necessidade de se proteger os civis como uma questão prioritária.

Entenda o caso

No sábado (15), muita gente em Cartum acordou com barulho de tiros e explosões. As Forças de Apoio Rápido anunciaram que tomaram o palácio presidencial, a residência do chefe do Exército e assumiram controle de aeroportos, inclusive o da capital (o principal do país).

O Sudão não tem presidente desde a queda de Omar al-Bashir, ditador que ficou no poder por 26 anos. No processo de transição, um governo misto, formado por civil e militares, passou a administrar o país, até que, em 2021 houve um golpe militar, arquitetado pelos generais Abdel Fatah al Burhan e Mohamed Hamdan Dagalo, mais conhecido como Hemedti.

Burhan lidera o país desde o golpe de 2021. Hemedti comanda as FAR, grupo formado por milícias acusadas de terem cometido crimes de guerra no conflito de Darfur, no oeste sudanês. Um conflito nessa região, há 20 anos, entre rebeldes de uma minoria étnica e o governo, de maioria árabe, matou cerca de 300 mil pessoas, segundo as Nações Unidas, no que é considerado o primeiro genocídio do século 21. O grupo paramilitar se fortaleceu no país, graças a Bashir. Os dois generais hoje controlam importantes setores da economia, mas não parecem satisfeitos. Cada um quer o poder total para si.

O Sudão é o terceiro maior produtor de ouro do continente africano, reforçando a ideia de que não pode ser considerado um dos países mais pobres do continente. A desigualdade existe. O título de um dos países mais malgovernados combina mais com a terceira maior nação africana em termos de território.

As Forças de Apoio Rápido são muito próximas do Grupo Wagner, formado por paramilitares russos. Hemedti estava, inclusive, em Moscou quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro do ano passado. Vladimir Putin foi acusado de estar retirando ilegalmente do Sudão toneladas de ouro nos últimos anos. Acredita-se que, assim, ele vinha se preparando para enfrentar sanções econômicas que a Rússia poderia sofrer (e sofreu) com a invasão da Ucrânia.

Atores internacionais

O pesquisador brasileiro Gustavo de Carvalho, especialista em Diplomacia Africana e Governança, afirma que o Sudão está atualmente envolvido em crescentes disputas geopolíticas globais, enfrentando desafios semelhantes aos da República Centro-Africana e Mali. A violência no país tem aumentado e essa situação pode levar a uma fragmentação ao estilo líbio, com a participação de potências mundiais.

“Tanto o Ocidente quanto a Rússia têm interesses próximos no Sudão. A presença do grupo Wagner, uma organização militar privada russa, nas minas de ouro sudanesas, e a recente confirmação de uma base naval russa em Port Sudan são exemplos da crescente influência russa no país. Paralelamente, o Sudão tenta jogar com ambos os lados, equilibrando os interesses do Ocidente e da Rússia, enquanto busca manter sua estabilidade política interna”, disse.

Gustavo acredita que a comunidade internacional, incluindo a ONU, a União Africana, a Liga Árabe e a IGAD (sigla em inglês para Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento), falhou ao não agir diante de sinais claros de uma crise iminente no Sudão. “Agora é fundamental que a comunidade internacional aja rapidamente não apenas aplicando novas sanções, mas também garantindo a implantação de mecanismos, como a Força de Prontidão Africana para reduzir baixas civis e estabilizar a região”, analisou.

Expressando sua "profunda preocupação" com a situação, a União Africana (UA) informou que o presidente da Comissão do órgão decidiu embarcar o mais rápido possível para Cartum, depois de uma reunião de emergência do Conselho de Paz e Segurança da UA, no fim de semana. O IGAD decidiu mandar também ao país uma delegação formada pelos presidentes do Quênia, Sudão do Sul e Djibouti. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, pediu o fim imediato de hostilidades no Sudão e disse que nova escalada de violência pode ser devastadora. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, afirmou que há uma "profunda preocupação compartilhada" entre os aliados sobre os conflitos no Sudão e pediu o fim imediato dos confrontos e que as negociações passar ser retomadas.

Implicações para todo o continente

A escalada do conflito no Sudão tem implicações significativas não apenas para o próprio país, mas também para toda a região, incluindo Chade, Egito, Sudão do Sul e Etiópia, como lembrou o pesquisador brasileiro, que há 15 anos vive na África do Sul. “A luta pelo poder, intensificada pela interferência das potências globais, ocorre no contexto de uma nova Guerra Fria 2.0, em que a África está no centro. É importante para o continente africano enfrentar esses desafios e agir de forma assertiva, a fim de evitar ser envolvido em disputas geopolíticas globais que possam prejudicar ainda mais a estabilidade regional e mundial”, disse.

Cerca de 15 brasileiros vivem no Sudão, segundo o Itamaraty, que informou estar em contato com eles. “O governo brasileiro acompanha com preocupação a eclosão de episódios de violência no Sudão”, diz a nota divulgada sobre o assunto, que ainda reitera o “apoio às negociações políticas entre as lideranças sudanesas, com o objetivo de restabelecer governo civil de transição”. O Brasil também pediu o fim imediato dos combates. “Reiteramos apoio aos esforços do Conselho de Segurança das Nações Unidas nesse sentido” diz a nota do Itamaraty.

Mas na prática, o Brasil parece não estar dando muita importância ao Sudão. A embaixada brasileira na capital sudanesa está sem embaixador desde ao ano passado. Em novembro, o Senado aprovou a indicação do diplomata Rubem Guimarães Coan Fabro Amaral para ocupar o cargo. Na sabatina na Comissão de Relações Exteriores do Senado, Rubem ressaltou que o Brasil poderia desempenhar um papel fundamental “como facilitador” no processo de estabilização política do país africano. Deixar uma embaixada sem um embaixador significa no meio diplomático um certo desprezo pelo país onde a representação diplomática está. O novo embaixador brasileiro no Sudão só deve chegar em Cartum com a família no mês que vem.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.