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Linha Direta

Chile aumenta controle nas fronteiras do norte para conter imigração

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Para lidar com a crise migratória no norte do país, o governo do Chile enviou tropas militares para controlar o fluxo de pessoas no país latino-americano onde já vivem mais de 1,4 milhão de estrangeiros.

Migrantes venezuelanos embarcam em avião ao serem expulsos do Chile, em 2021
Migrantes venezuelanos embarcam em avião ao serem expulsos do Chile, em 2021 AFP - GUSTAVO PAZ
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Camilla Viegas, correspondente da RFI no Chile

Nem a inflação que não para de subir, nem o processo constitucional que acaba de ser reiniciado. Segundo pesquisas, a principal preocupação dos chilenos é a criminalidade, que muitos cidadãos do país relacionam com o fenômeno da imigração. Em uma recente sondagem realizada pelo instituto CEP, 60% dos entrevistados disseram que o combate à delinquência, roubos e assaltos deveria ser a grande prioridade do governo, bem à frente da saúde (32%) e das aposentadorias (31%).   

A pressão social diante do medo da violência crescente nas ruas do país levou o governo do presidente Gabriel Boric a mobilizar militares na fronteira norte com o Peru e a Bolívia.

“O Chile não faz o que deveria para ter um bom controle (da migração) há muito tempo”, disse a ministra do Interior, Carolina Tohá, durante sua visita à comuna de Colchane, em Tarapacá, no norte do Chile.

A região é considerada o epicentro da crise migratória e foi onde começou, há uma semana, o trabalho de pelo menos 300 militares, que deverão ficar pelo menos três meses a mais no local. O objetivo da operação é reforçar o controle na fronteira com a Bolívia, nas regiões de Arica e Parinacota, Antofagasta e Tarapacá.

Os militares poderão realizar controles de identidade, revistar bagagens, realizar disparos de advertência e deter suspeitos. A meta é dissuadir as pessoas que atravessam a fronteira em passagens ilegais. “O trabalho que temos com a polícia é fornecer tecnologia e transporte para controlar a migração irregular e o tráfico de drogas”, explicou o segundo-tenente do Exército Claudio Guzmán à Associated Press.

Esta não é a única medida que o Estado do Chile tomou para tentar controlar a chegada de pessoas. Há um ano, por exemplo, o governo do então presidente Sebastián Piñera ampliou uma trincheira de 600 metros construída seis anos antes perto de Colchane.

A ação militar nas fronteiras do país só pôde ser efetivada após a aprovação da Lei de Infraestrutura Crítica, promulgada pelo presidente Gabriel Boric em janeiro deste ano, que permite às Forças Armadas assumir a proteção do país quando houver “ameaça grave ou iminente”. 

Na última semana, em entrevista à rádio chilena Cooperativa, a ministra Carolina Tohá disse que, desde que a operação militar começou, 120 pessoas foram identificadas entrando no país em situação irregular - quatro vezes mais. “É um aumento bem importante nos números, mas também é uma mudança importante no clima da região. Eu estive em Colchane conversando com as autoridades locais e com populares e todos disseram que há uma sensação de mais ordem, de maior controle”, disse a ministra.  

Imigração e “coiotes”

No entanto, gangues criminosas dedicadas ao contrabando e ao narcotráfico construíram meios para atravessar as fronteiras entre o Chile, Bolívia e Peru. Tais passagens não regulamentadas entre estes dois países e o Chile, principalmente na última década, também têm sido utilizadas por imigrantes sem visto, principalmente venezuelanos.

Javier García, prefeito de Colchane, assegurou que "os imigrantes estão entrando por setores muito mais distantes do controle de fronteira", que fica a cerca de 20 quilômetros do local. Ele estima que cerca de 400 pessoas entram diariamente no Chile, tanto de forma regular ou não.

A cidade de Colchane, na fronteira com a Bolívia, é a passagem mais utilizada para estrangeiros ingressarem no Chile, onde dezenas de pessoas morreram nos últimos anos. Um dos casos mais emblemáticos foi o do venezuelano Edgard Zapata, que morreu em janeiro de 2022, aos 47 anos.

Seu corpo foi encontrado em uma área andina a mais de 3.600 metros acima do nível do mar, uma região com temperaturas extremas, conforme explicou a polícia chilena na época. O venezuelano já tinha passado por cinco países fugindo da crise econômica, política e humanitária de seu país de origem.

Xenofobia

Uma reportagem de um canal local descobriu todo um mercado que lucra com o transporte dos imigrantes por passagens de fronteiras irregulares. Os “coiotes” chegam a cobrar cerca de $15 mil pesos chilenos (aproximadamente R$ 95) para transportar, em vans, os imigrantes que estão na fronteira com o Peru até Arica, a capital da região de Arica y Parinacota.

As autoridades de Colchane afirmam que nos últimos anos, a entrada de estrangeiros no Chile aumentou consideravelmente, especialmente de cidadãos venezuelanos. No total, há 1,4 milhão de migrantes no país latino-americano, correspondendo a 7,5% da população,

Os venezuelanos representam 30% do total, seguidos pelos peruanos (16,6%), haitianos (12,2 %) e colombianos (11,7%), de acordo com um relatório do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Serviço Nacional de Migração.

Os dados foram divulgados em 2021 pela Polícia Investigativa, o Ministério das Relações Exteriores e pelo Serviço de Migrações e do Registro Civil. O número é provavelmente maior, diante do alto fluxo diário de migrantes que chegaram ao país nos últimos dois anos, principalmente pelas fronteiras terrestres.

Situação não se restringe ao norte

A situação não se restringe apenas ao norte do país. Nas ruas da capital Santiago, que fica a cerca de 2 mil quilômetros de Colchane, é comum ver estrangeiros de várias origens trabalhando em supermercados, restaurantes e empresas de todos os setores ou ainda pedindo dinheiro nos semáforos.

A acadêmica María Emilia Tijoux, socióloga e coordenadora da Cátedra de Racismo e Migrações Contemporâneas da Universidade do Chile, defende que a regularização da migração é fundamental porque é a principal ferramenta para que as pessoas possam migrar de um país a outro e consigam organizar suas vidas, para evitar a xenofobia e o racismo. 

“O racismo é histórico no mundo. Desde o Tráfico Transatlântico de Escravos e a configuração do Estado-nação, buscou-se o desenvolvimento no Chile olhando para a Europa e desprezando os povos nativos e afro-chilenos. Agora, diante de migrantes que chegam apenas com mão de obra para vender e desprovidos de capital, é com base na cor da pele, origem, nacionalidade e condição econômica que são julgados e também punidos”, explica María Emilia Tijoux.

“Desde a década de 1990, a xenofobia e o racismo são constantes contra as comunidades que foram chegando e seu dinamismo é observado com o passar do tempo. Isso foi vivido por peruanos, colombianos, equatorianos, dominicanos e haitianos, que têm sido permanentemente maltratados. Atualmente é a população venezuelana que é objeto de racismo. O racismo que observamos contém o classismo que já opera no Chile devido às grandes desigualdades existentes, mas o racismo, não esqueçamos, ataca tanto pela cor da pele quanto pela origem. Uma pessoa de boa condição econômica e de pele negra não deixa necessariamente de ser vítima de racismo e maltratada”, finaliza a especialista.

Controvérsia

A atuação dos militares em tarefas que não têm a ver diretamente com a defesa nacional sempre gerou ressentimento no Chile pela sempre presente lembrança da sangrenta ditadura militar que o país viveu entre 1973 e 1990. Isso já aconteceu há dois anos, quando o governo do presidente de direita Sebastián Piñera decidiu que tropas militares realizassem tarefas de controle nas ruas do país em meio à pandemia da Covid-19.

Por isso, o decreto que instituiu a Lei de Infraestrutura Crítica determina um quadro no qual os militares podem atuar e detalha uma série de etapas que regulam a sua resposta a diversas circunstâncias. Assim, por exemplo, afirma que “antes de recorrer ao uso da força ou ao uso de arma de fogo, devem ser tomadas todas as medidas razoáveis ​​para dissuadir qualquer pessoa ou grupo de cometer uma agressão”.

Da mesma forma, o decreto estabelece que o uso de armas de fogo é restrito "apenas no caso de confronto com pessoas que usam ou estão prestes a usar armas letais, ou que ponham em risco a vida de outras pessoas". Se não for esse o caso, os militares só podem usar meios de dissuasão, como o posicionamento de veículos e pessoal armado na área.

Relações com vizinhos

Com o destacamento dos militares no norte, as detenções de imigrantes em situação irregular aumentaram. Após passarem pelo controle da polícia migratória, os estrangeiros sem visto são transferidos de volta ao Peru ou à Bolívia pelo mesmo caminho irregular por onde entraram, mas no caso do governo de La Paz, ele só recebe seus próprios cidadãos e rejeita outros. A Bolívia rompeu relações diplomáticas com o Chile em 1978 e existem apenas relações consulares.

Existe a possibilidade de que as novas medidas de controle implementadas pelo Chile prejudiquem ainda mais as relações com seus vizinhos, mas, pelo menos por enquanto, a situação parece tranquila.

"Isso não afeta a migração regular de cidadãos bolivianos de nosso país que desejam viajar para o Chile", afirmou o vice-ministro das Relações Exteriores da Bolívia, Freddy Mamani Machaca, quinta-feira passada (02) em entrevista coletiva ao ser questionado sobre o envio de tropas ao país vizinho. De qualquer forma, a autoridade boliviana afirmou que teve uma reunião com o cônsul chileno na Bolívia, Fernando Velasco, na semana passada, para que "esclareçam" o "alcance" do decreto.

Até agora, o governo boliviano só manifestou sua preocupação com relação ao aumento do fluxo de pessoas na fronteira, o que está gerando longas filas e demora no atendimento dos viajantes e, principalmente, das transportadoras que transportam cargas bolivianas para os portos do norte do Chile.

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