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Linha Direta

No Peru, impasse sobre antecipação das eleições mantém tensão política e social

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Pela terceira vez, o Congresso peruano adiou o crucial debate sobre a antecipação das eleições gerais e sobre a instalação de uma Assembleia Constituinte, pontos centrais da crise política e social que mantém o país em estado de tensão há quase dois meses. Devido à falta de consenso para uma saída, o debate foi adiado para esta quarta-feira, a partir das 13 horas, pelo horário de Brasília. A Agência de risco Moody’s rebaixou a nota do Peru, prevendo a continuidade dos conflitos.

A sessão no Congresso peruano sobre a antecipação das eleições gerais já foi adiada três vezes desde segunda-feira (30 de janeiro de 2023).
A sessão no Congresso peruano sobre a antecipação das eleições gerais já foi adiada três vezes desde segunda-feira (30 de janeiro de 2023). AFP - ERNESTO ARIAS
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

As forças políticas peruanas ainda não chegaram a um consenso sobre antecipar as eleições e sobre uma nova Constituição, duas das bandeiras dos protestos que assolam o país há quase dois meses.

Sem 87 votos dos 130 legisladores por uma posição que satisfaça a demanda das ruas, a crise tende a se agravar. Para evitar uma votação que fracasse, a sessão já foi adiada três vezes desde segunda-feira (30).

“Esse impasse significa a falta de consenso nas forças políticas. A fragmentação política parlamentar peruana ajuda a agravar o desenlace da crise”, interpreta à RFI o cientista político peruano, Carlos Meléndez.

As eleições gerais deveriam acontecer em abril de 2026. Os legisladores aceitaram antecipar em dois anos, para abril de 2024, mas esse horizonte de uma votação somente dentro de um ano e quatro meses parecia uma eternidade para os manifestantes.

A pressão popular levou o governo a pedir eleições para outubro de 2023, dentro de dez meses, uma data que, no entanto, não foi aceita pelos parlamentares.

Outro ponto de discórdia é quanto uma Assembleia Constituinte para uma nova Constituição. Não há maioria sobre essa demanda, uma falta de definição que alimenta o clima de convulsão social que já deixou 65 mortos em enfrentamentos com a Polícia.

Alternativas distantes da demanda nas ruas

Nos bastidores das negociações no Parlamento peruano, as alternativas incluem a antecipação das eleições gerais com novos mandatos de cinco anos, a antecipação das eleições com mandatos apenas complementares até o originalmente previsto para terminar em 2026, a antecipação das eleições com um referendo para saber se a sociedade quer uma nova Constituição ou a antecipação das eleições já com novos constituintes.

Quanto à antecipação das eleições, surge outra indefinição básica: a data.

Enquanto nas ruas os protestos exigem eleições imediatas, entre quatro a seis meses, e uma Assembleia Constituinte, a fórmula que ganhou força no Congresso nas últimas horas distancia-se daquilo que os manifestantes esperam: uma antecipação das eleições para dezembro deste ano, com segundo turno em fevereiro do ano que vem e com posse dos parlamentares em abril de 2024.

A fórmula não incluiria uma Assembleia Constituinte; apenas algumas reformas na Constituição. Além disso, os novos mandatos seriam apenas complementares dos atuais mandatos e os eleitos poderiam ser reeleitos.

Portanto, se os protestos exigem que todos os legisladores saiam, todos os legisladores querem continuar.

Radicalização dos protestos

“Medidas mornas só funcionam para um setor moderado dos manifestantes, mas não para os setores ultra, aqueles mais violentos”, adverte Carlos Meléndez.

Já o analista político Gonzalo Banda acredita que uma espera tão prolongada para as eleições pode significar a radicalização dos protestos.

“Não há margem para uma espera de um ano no Peru. O país não vai aguentar. Precisam convocar eleições gerais o mais rápido possível e isso significa outubro de 2023. E ainda há setores mais radicais com a demanda de uma Assembleia Constituinte. Esse é um assunto que hoje tem 69% de apoio na sociedade peruana, segundo o Instituto de Estudos Peruanos”, ressalta Gonzalo Banda em entrevista à RFI.

“Não vejo a esquerda radical tranquila se convocarem somente eleições gerais em 2023”, observa.

Um país em paralisia

A agência de classificação Moody’s elevou o risco do Peru, de uma perspectiva estável a uma negativa, justificando a decisão nos conflitos sociais que ameaçam a governabilidade do país com efeitos sobre a economia peruana.

“Os riscos sociais e políticos intensificaram as ameaças, nos próximos anos, de uma deterioração na coesão institucional, na governabilidade, na eficácia das políticas e na força econômica pelos próximos governos”, avaliou a Moody’s, prevendo uma duração da crise ao longo dos próximos anos por mais que o país tenha uma troca de governo.

Pelo país, há cerca de cem bloqueios de estradas que provocam escassez de produtos básicos e de combustível no interior do país. Em algumas regiões, os habitantes voltaram a usar carvão ou lenha para cozinhar, mas também faltam alimentos para cozinhar.

A inflação de janeiro deve chegar a 9% devido ao aumento nos preços de produtos em falta.

Turismo estagnado

Dentro de seis dias, no próximo dia 7 de fevereiro, as manifestações e os bloqueios vão completar dois meses. Nas primeiras seis semanas, segundo o Ministério da Economia, as perdas somam US$ 554 milhões em vários setores. Um dos mais afetados é o do turismo.

A Câmara de Comércio de Lima prevê que podem acabar 27,8% dos empregos formais, cerca de um milhão de postos de trabalho.

Devido aos bloqueios, doentes em tratamento e pacientes com urgências médicas estão isolados, sem atendimento adequado. Segundo o Ministério da Saúde, são 31.470 pacientes em risco em todo o país.

Para o analista peruano Gonzalo Banda, se o Congresso não conseguir atenuar a crise, a presidente Dina Boluarte poderia renunciar como uma forma de forçar os legisladores a convocar novas eleições em seis meses.

“Não descartaria essa decisão da presidente porque, em última instância, os custos de manter um presidente serão muito mais altos para toda a sociedade . Os protestos afetam o bolso das pessoas”, considera.

Renúncia como último recurso

Se a presidente Dina Boluarte renunciar, como já era a vice-presidente do destituído Pedro Castillo, o presidente do Congresso assume de forma interina e fica obrigado a convocar eleições num prazo de seis meses. Com isso, o calendário eleitoral se antecipa como os manifestantes exigem. Esse movimento, no entanto, poderia somar uma crise institucional à política e à social.

“Não se pode descartar uma queda da presidente que precipite o calendário eleitoral, mas a renúncia de Dina Boluarte geraria uma incerteza institucional e não seria garantia de paz social”, pondera Carlos Meléndez.

Para o analista Gonzalo Banda, os "delinquentes" estão à espera do caos total para agirem. E esse seria um nível ainda maior de violência com um final imprevisível.

“Dentro dos protestos gera-se um caos interno que demonstra um país sem governo ou sem capacidade de fazer com que a lei seja cumprida. Os delinquentes estão à espera do caos para agir”, avisa Gonzalo Banda.

 

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