Ex-amante de Juan Carlos I busca influenciar decisões judiciais com revelações em podcast polêmico

O rei emérito da Espanha, Juan Carlos I, obteve na terça-feira (6) uma vitória parcial na Justiça britânica no processo em que é acusado de assédio por sua ex-amante, a alemã Corinna Larsen. Porém, mais do que as etapas do processo, os espanhóis acompanham com especial interesse o podcast “Corinna e o Rei”, no qual ela revela detalhes constrangedores sobre o monarca. A série tem mais de 350 mil seguidores.

O rei emérito da Espanha, Juan Carlos I, em foro de arquivo de 1° de abril de 2018. © JAIME REINA / AFP

O Tribunal de Apelação de Londres reconheceu a imunidade de Juan Carlos I até a sua abdicação, ocorrida em 2014, o que complica a denúncia apresentada por Corinna. Elementos importantes citados por ela no processo ocorreram entre 2012 e 2014.

A ex-amante acusa Juan Carlos de assédio, ameaça e vigilância eletrônica por parte de uma equipe de assessores do monarca. Entre os indícios relatados por Corinna, agora cobertos pela imunidade, estão, por exemplo, uma visita ameaçadora que ela teria recebido do ex-diretor do Centro Nacional de Inteligência (CNI), o general Félix Sanz Roldán, amigo do ex-chefe de Estado espanhol. 

De acordo com a sentença dos magistrados britânicos, como o general estava a serviço do CNI, os atos realizados “tenham sido ou não autorizados, sendo ou não legais de acordo com as leis nacionais e internacionais, são atribuíveis ao Estado espanhol”.

Esta conclusão é considerada fundamental pelo jornal El País, uma das muitas publicações a repercutir a saga judicial, pois "permite a aplicação da Lei de Imunidade do Estado que a equipe jurídica do rei emérito utilizou a todo momento para defender seu cliente”. A estratégia judicial de Corinna fica enfraquecida diante da interpretação dos juízes, nota El País.

Um dos advogados da denunciante, Michael Kim, do escritório Kobre & Kim, tem outra visão da batalha judicial. Ele celebrou o fato de o caso "poder agora avançar para um julgamento no Supremo Tribunal em Londres", e ressaltou que "a maioria do processo não é afetada e deve ir a julgamento".

Na opinião do advogado, sua cliente apontou "alegações de assédio muito graves, que continuaram durante um longo período de tempo e que serão examinadas detalhadamente quando o julgamento acontecer".

A agência Efe deu destaque também ao fato de que a defesa de Corinna sustenta que Juan Carlos ordenou a operação de assédio e espionagem de forma privada e não como um ato soberano do Estado. O tribunal entende, no entanto, que essas instruções só poderiam ter sido dadas na qualidade de Rei de Espanha, e por isso concede a ele imunidade durante o período de pré-abdicação.

O reconhecimento da imunidade atribuída ao rei emérito até o momento da abdicação altera a decisão do Supremo Tribunal de Londres que, em março deste ano, decidiu que Juan Carlos I não tinha imunidade entre 2012 e 2020, período em que Corinna o acusa de a ter assediado pessoalmente ou por meio de pessoas próximas.

Podcast da discórdia

O podcast “Corinna e o Rei” tem gerado forte repercussão na Espanha. Definida como uma obra que trata da “incrível história real de um amor que pôs de joelhos a família real espanhola”, a produção traz à luz muitos detalhes da vida privada dos dois amantes e também de supostas irregularidades financeiras. Corinna chega a afirmar que o rei emérito transportava “sacos cheios de dinheiro”, como ressalta o jornal digital ElDiario.

No El País, Boris Izaguirre escreveu: “Me inclino a admitir que ‘The Crown’ tem um sério concorrente no podcast, que em sua terceira entrega conquistou toda a minha atenção”.

Já no periódico El Mundo, o podcast, chamado de "polêmico", gera manchetes como “Corinna ataca de novo”, referindo-se a uma fala da ex-amante sobre "um anel de noivado gigantesco" que ela teria recebido do rei, mais simbólico do que uma prova de compromisso. "Ele o exibia orgulhoso aos seus amigos.”

O podcast, produzido pelos jornalistas Tom Wright e Bradley Hope, terá oito episódios, que “não serão centrados exclusivamente na relação sentimental entre os dois, que durou de 2004 a 2009. A série evoca também a história pessoal de Juan Carlos, embora sempre com as notas e considerações da empresária alemã: o casamento do monarca com a rainha Sofia, a morte do irmão dele e a relação com o ex-ditador Francisco Franco. 

Ao que tudo indica, tanto o processo que corre na Justiça britânica quanto o podcast, originalmente chamado de “Corina y El Rey”, ainda vão dar muito o que falar.