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Linha Direta

Ao iniciar transição, Bolsonaro afasta apelos por golpe e intervenção militar

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O presidente Jair Bolsonaro levou quase dois dias para assimilar o resultado das urnas, mas ao designar o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, para comandar a transição de governo para Lula, reconhece a derrota. Desta forma, também afasta os apelos por golpe ou intervenção militar, feitos por manifestantes bolsonaristas que bloqueiam estradas por todo o país.

Manifestantes pedem intervenção militar em Barueri, São Paulo. (1/11/2022)
Manifestantes pedem intervenção militar em Barueri, São Paulo. (1/11/2022) REUTERS - AMANDA PEROBELLI
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Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a São Paulo

Logo depois do curto pronunciamento em Brasília, na tarde desta terça-feira (1º),  Bolsonaro se dirigiu ao Supremo Tribunal Federal (STF). O próprio Bolsonaro havia convidado ministros da corte para uma conversa no Palácio da Alvorada para tratar sobre a transição de poder, mas o convite foi recusado enquanto o presidente não assumisse publicamente a derrota no domingo (30). O Judiciário também esperava que o presidente se manifestasse sobre os protestos ilegais contra a eleição, realizados por bolsonaristas nas rodovias federais.

No discurso que fez à imprensa, o presidente não mencionou o resultado das eleições, mas se comprometeu a cumprir a Constituição. "Enquanto presidente da República e cidadão, continuarei cumprindo todos os mandamentos da nossa Constituição”, garantiu.

Após a reunião com oito dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, a corte divulgou uma nota na qual "consigna a importância do pronunciamento do presidente da República em garantir o direito de ir e vir em relação aos bloqueios e, ao determinar o início da transição, reconhecer o resultado final das eleições”. Instantes depois, o ministro Edson Fachin revelou que ele e os colegas ouviram textualmente de Bolsonaro: “acabou”.

Influência nos protestos golpistas

Aliados do presidente, como o recém-eleito governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, indicaram à imprensa que Bolsonaro estava profundamente incomodado com a derrota e, por isso, preferiu adiar o pronunciamento, enquanto decidia o teor do texto com seus colaboradores mais próximos. O curto discurso lido pelo presidente, 44 horas depois da confirmação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), levou horas para ser redigido.

Enquanto isso, o silêncio de Bolsonaro sobre os protestos levantou dúvidas sobre quais eram os planos do mandatário a respeito da sucessão presidencial. Os quase dois dias de espera acabaram estimulando os manifestantes a irem às ruas para pedir intervenção militar, incendiados por mensagens golpistas pelas redes sociais.

Mas agora, ao finalmente sinalizar que vai entregar o cargo, esses temores podem ser afastados, na opinião do cientista político João Roberto Martins Filho, professor titular sênior da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), um dos maiores especialistas do país nos estudos sobre os militares.

"Esses bolsonaristas caminhoneiros são uma minoria, mas eles expressam um sentimento que é de uma minoria um pouco maior, que é desconectada completamente da realidade. Entretanto, não existe a menor possibilidade no Brasil, hoje, de questionar a vitória do Lula – e não vão ser as Forças Armadas que farão isso”, afirmou. "Inclusive porque Lula amealhou, em poucas horas, um conjunto de apoios inéditos, tanto aqui dentro como no exterior”, frisou.

PRF aparelhada por bolsonarismo

A exceção foi a Polícia Rodoviária Federal, que descumpriu as ordens do Tribunal Superior Eleitoral não só no domingo, como durante esses protestos. O papel da PRF nesta eleição está na mira do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, que pediu uma investigação sobre a possível omissão da instituição diante dos protestos.

As manifestações foram proibidas pelo TSE e o STF ordenou a desobstrução das estradas, mas os policiais rodoviários federais demoraram a começar a agir em campo. No domingo, a PRF já havia promovido operações para impedir eleitores de votar, sobretudo no nordeste, reduto eleitoral de Lula. O diretor-geral da instituição, Silvinei Vasques, chegou a fazer propaganda por Bolsonaro no sábado.

"Toda a vez que se falava de alguma ameaça, se falava muito Forças Armadas, embora eu achasse que não haveria um golpe clássico. Eu e meus colegas achávamos que viria das polícias, mas pensávamos que seriam as polícias militares”, salienta Martins Filho. "No fim, veio de um lugar de que ninguém esperava, porque ninguém nunca se preocupou com a Polícia Rodoviária Federal. Se ela não participou de uma rebelião, ela pelo menos foi bastante conivente com essa tentativa de rebelião que está acontecendo, agora, no Brasil. Ela ainda não acabou.”

Militares de volta às casernas

Há expectativa também sobre a postura das Forças Armadas na transição para Lula. O processo não deve ser dos mais harmoniosos entre o futuro presidente e os militares, que nos últimos quatro anos assumiram um protagonismo inédito em um governo democrático no Brasil – e que agora deverão voltar à caserna. Assim como Bolsonaro, mantiveram o silêncio o general Braga Netto, o general Luiz Ramos e general Augusto Heleno, todos nomes da cúpula do governo.

"É evidente que vai ficar um clima de fim de festa. Milhares de militares vão perder o acréscimo salarial que ganharam ao entrar para o governo. Como a gente previa, as Forças Armadas não participaram de nenhum golpe, mas elas também não querem ceder terreno nenhum”, destaca o professor da Ufscar. "Elas estão entrando num novo governo lançando uma série de coisas que elas acham que é o mínimo. A expressão é ridícula, mas eles falam que são 'cláusulas pétreas’, questões como não mexer na previdência militares, nas promoções militares, no currículo das escolas militares e no orçamento militar”, indica o especialista, referindo-se ao documento Projeto de Nação 20135, revelado em maio pelo general Villas Bôas e outros generais.

O cientista político explicou ainda que as exigências causaram desgaste na imagem das Forças Armadas nos últimos dois anos. A atuação dos militares no governo Bolsonaro provou que eles "são muito pouco democráticos”, ao mesmo tempo em que mantêm uma influência política – um problema que, na avaliação de Martins Filho, o futuro presidente Lula não poderá mais ignorar. "É uma situação que não cabe num país democrático”, frisou.

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