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Linha Direta

ONU diz que governo da Venezuela comete crimes contra a humanidade ao reprimir dissidência

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Em um documento divulgado na terça-feira (19) a Organização das Nações Unidas (ONU) apontou que serviços de inteligência do Estado venezuelano seguem cometendo crimes contra a humanidade - como torturas, desaparecimentos forçados, agressões sexuais, entre outros crimes - contra os dissidentes ao governo do presidente Nicolás Maduro. As ordens seriam determinadas pelas altas esferas do governo bolivariano. 

"Libertem Luis Carlos" diz cartaz exibido durante uma manifestação pedindo em defesa do jornalista venezuelano e ativista dos direitos humanos Luis Carlos Diaz, em frente ao Ministério Público de Caracas, em 12 de março de 2019.
"Libertem Luis Carlos" diz cartaz exibido durante uma manifestação pedindo em defesa do jornalista venezuelano e ativista dos direitos humanos Luis Carlos Diaz, em frente ao Ministério Público de Caracas, em 12 de março de 2019. AFP - RONALDO SCHEMIDT
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Elianah Jorge, correspondente da RFI na Venezuela

De acordo com a Missão Internacional Independente de Investigação de Fatos da ONU (FFMV, sigla em inglês), organismos de inteligência do Estado venezuelano, sejam eles civis ou militares, atuam como estruturas coordenadas para executar o plano orquestrado em altos níveis do governo. A meta das ações arbitrárias é reprimir a dissidência ao governo do presidente Nicolás Maduro. O documento detalha que, para cada função estão pessoas de diferentes hierarquias, desde o alto escalão a funcionários executores das práticas criminosas. 

Segundo a presidente da FFMV, Marta Valiñas, as investigações mostram que o Estado venezuelano usa os serviços de inteligência e seus agentes para reprimir os opositores. Não é à toa que, ao longo do governo de Maduro, iniciado em 2013, milhares de pessoas fugiram da Venezuela. Um número significativo deixou o país motivado pela perseguição política ou ideológica.

A líder da missão, que está presente na Venezuela desde 2019, manifestou preocupação pelas execuções extrajudiciais, como desaparecimentos, trabalhos forçados e agressões sexuais, entre elas, a escravidão sexual e o tráfico humano que acontecem em áreas remotas e de fronteira. De acordo com Valiñas, são graves as violações dos direitos humanos praticadas pelo governo. Ela pede que esses crimes cessem imediatamente e os responsáveis sejam investigados e processados de acordo com a lei.   

Tortura e violência sexual 

De acordo com o documento, as violações de direitos humanos acontecem em diversos lugares. Entre eles, está a sede do Serviço de Inteligência Bolivariana (Sebin), também conhecido como a polícia política de Maduro e a Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM).

“No Sebin torturaram ou impuseram maus tratos a detentos – entre eles opositores, jornalistas, manifestantes e defensores de Direitos Humanos”, afirma o relatório.

A missão documentou 122 casos de vítimas detidas pela DGCIM, das quais 77 foram submetidas a tortura, violência sexual e/ou a outros tratamentos degradantes. Os crimes aconteceram na sede do organismo em Caracas, em outros locais da capital venezuelana e em outras partes do país. 

Boa parte das violências ocorrem em uma das sedes da Sebin conhecida como Helicoide. O local foi construído na década de 1950 para abrigar um centro comercial, e acabou virando uma prisão. É para lá que são encaminhadas boa parte da dissidência venezuelana.

"É um sistema"

Um dos detidos foi o jornalista Luis Carlos Díaz, que em março de 2019 foi levado a este que é conhecido por ser um dos endereços do horror no país. Após passar por uma audiência, Díaz foi acusado de incitar a desordem pública. Graças à pressão, ele solto poucos dias após a detenção arbitrária, mas sob a condição de se apresentar ao órgão judicial a cada oito dias, manter sigilo sobre seu caso e não deixar a Venezuela. Em 2021 seu caso foi arquivado. 

Após a divulgação do informe da ONU, o jornalista, através das redes sociais, destacou que “na Venezuela o documento incrimina as pessoas em muitos níveis e instituições. [A violação de Direitos Humanos] não é isolada: é um sistema”.

Uma das arbitrariedades reproduzidas no documento relatam que "um detento foi obrigado a participar de uma sessão de tortura de outros. Os guardas exigiram que ele batesse na cabeça de cinco homens depois de obrigá-los a pular e a se ajoelhar nus. Os homens tinham entre 60 e 70 anos".

Outra prática comum entre os organismos policiais venezuelanos é o assédio moral a familiares dos dissidentes, sejam idosos ou portadores de doenças graves.  Segundo o documento, parentes dos opositores são assediados dentro de suas próprias casas por membros da força estatal. 

Violência contra povos indígenas

A Missão identificou que na região conhecida como Arco Mineiro e nos estados Bolívar e Amazonas, todas no sul venezuelano, também estão acontecendo violações de direitos humanos, sobretudo a pessoas de etnias indígenas. 

No Arco Mineiro, região declarada em 2016 pelo governo como Zona de Desenvolvimento Estratégico Nacional, há forte presença de militares por se tratar de uma área de exploração e mineira. No entanto, lá também atuam grupos armados criminosos que controlam, além das minas de metais e pedras preciosas, a população local.    

Entre os crimes contra a população local constam desaparecimentos, extorsões, castigos corporais, assassinatos, violência sexual e de gênero. Integrantes da missão da ONU recolheram relatos que acusam a conivência entre entes agentes estatais e não estatais em ações arbitrárias.   

Quase na fronteira com Brasil

No município Gran Sabana, no sul do estado Bolívar e quase na fronteira com o Brasil, a missão documentou vários casos em que as forças do Estado atacaram povoados indígenas cometendo uma série de violações. Alguns deles aconteceram em 2019 quando a oposição liderada por Juan Guaidó tentou trazer ao país produtos de ajuda humanitária que entrariam pelo lado brasileiro. Na ocasião, vários indígenas foram gravemente feridos por abuso da força estatal e pela ação de grupos arbitrários.

"A situação no estado de Bolívar e em outras áreas de mineração é profundamente preocupante. As populações locais, incluindo os povos indígenas, estão em uma violenta batalha entre atores estatais e grupos armados criminosos pelo controle do ouro. Nosso relatório destaca a necessidade de continuar investigando esta região que, paradoxalmente, é uma área quase esquecida do país, mas, ao mesmo tempo, gera riquezas lícitas e ilícitas de minerais em quantidades imensas", disse Patricia Tappatá Valdez, integrante da missão.    

O presidente Nicolás Maduro afirmou que o documento da ONU faz parte de mais uma campanha para caluniar a Venezuela. Por sua vez, a opositora e presidente da Comissão Especial de Justiça e Paz, Delsa Solórzano, classificou o relatório como "uma vitória".

Valiñas pediu que “a comunidade internacional continue monitorando de perto os acontecimentos na Venezuela e que vigie se estão acontecendo avanços para garantir uma justiça imparcial e independente, que garanta a prestação de contas e o respeito aos direitos humanos". 

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