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Linha Direta

Argentina: corrida cambial agrava crise e argentinos veem presidente sem controle da situação

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Se o valor do dólar na Argentina funciona como um termômetro da saúde da economia, a doença se agravou. Cotações alternativas do dólar bateram um novo recorde nas últimas horas, evidenciando que o Banco Central argentino não tem reservas suficientes para atender a demanda da economia.

Uma mulher retirar pesos em um caixa eletrônico em Buenos Aires. O preço do dólar no país bate recordes sucessivos.
Uma mulher retirar pesos em um caixa eletrônico em Buenos Aires. O preço do dólar no país bate recordes sucessivos. AFP - JUAN MABROMATA
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O dólar alto pressiona a inflação, que só neste mês deve ficar acima de 8%, corroendo o poder de compra dos argentinos. Com isso, a partir desta quarta-feira (20), a tensão financeira torna-se tensão social, com protestos nas ruas. Por trás da apreensão no mercado financeiro e no clima social está o acordo com o FMI.

O mercado espera sinais da vice-presidente Cristina Kirchner de que ela vá cumprir as metas do acordo. Mas Kirchner quer gastar mais dinheiro público, o contrário do que exige o FMI. Uma disputa de que o presidente Alberto Fernández não participa. E a falta de poder político para domar a crise agrava diariamente a situação no país.

O Banco Central argentino não tem dólares suficientes para intervir no mercado e para financiar importações. Em resposta, o mercado aposta em uma desvalorização abrupta da moeda e em uma nova reestruturação da dívida, desta vez da dívida interna de curto prazo.

No mercado paralelo, o dólar chegou a 300 pesos nesta terça-feira (19). E a pressão continua. Isso representa um aumento de 26% desde o início de julho. Dólar a que os argentinos têm acesso. O dólar na Bolsa de Valores também subiu 26%. Esse é o dólar a que as empresas na Argentina têm acesso.

É importante ressaltar que esses mercados são alternativos ao oficial. O dólar nesses mercados vale 120% a mais do que o dólar oficial. Mas a moeda americana no mercado oficial é escassa, e reservada aos setores mais essenciais da economia.

Os preços se regem, no entanto, pelo dólar paralelo, a verdadeira referência para os argentinos. Baseados nesse comportamento da moeda americana, os economistas calculam uma inflação de 8% para o mês de julho, podendo passar de 10%. Se o cenário não piorar, as consultorias projetam uma inflação de pelo menos 90% para 2022. Mas nada indica que a situação vá melhorar.

Corrida contra a inflação

A população se apressa em consumir, em uma corrida contra uma inflação que torna o aumento de preços diário. O panorama caótico leva os argentinos a perceberem que a governabilidade do país está em risco. A empresa de consultoria Synopsis divulgou um estudo de opinião pública em que 69,7% dos argentinos disseram que o presidente Alberto Fernández não tem nenhum controle sobre a situação do país. Cerca de 70% acham que a situação só vai piorar, e 55% identificam na inflação o principal problema do país.

Organizações sociais e sindicais começam a se manifestar contra a inflação e contra o FMI. Protestos contra o governo, no entanto, não estão na pauta, uma vez que os manifestantes são aliados do governo, especialmente da vice-presidente Cristina Kirchner. Mais que isso: muitos movimentos são financiados pelo governo, e recebem planos assistenciais em troca de apoio político.

E por que protestam, então? Protestam porque as bases querem mais dinheiro para compensar a perda de poder aquisitivo, querem aumentos salariais, no caso dos sindicatos, e mais assistência social. A questão é como esses benefícios serão financiados, o que explica a postura popular contrária ao FMI. Pelo acordo com o Fundo Monetário Internacional, o governo tem que diminuir o gasto público para reduzir o déficit fiscal. Mas esses grupos querem aumentar o gasto público.

Cristina Kirchner também é contrária ao acordo com o FMI, porque entende que um ajuste significaria perda de capital político e derrota eleitoral. Não podendo atacar diretamente o FMI, sob o risco das reações negativas dos mercados, ela usa os manifestantes para forçar uma renegociação do acordo.

O analista político Lucas Romero, diretor da Synopsis, sublinha esse como o ponto central para explicar a turbulência financeira no país. Em sua opinião, não há poder político dentro do governo para garantir que o acordo com o FMI seja cumprido, e essa desconfiança faz com os agentes econômicos queiram fugir do mercado argentino.

Um presidente inerte

Mais uma questão agrava a crise argentina: a inação de Alberto Fernández, que não reage à oposição Kirchner ao FMI. De acordo com a pesquisa da Synopsis, quase 80% da população tem uma imagem negativa do presidente. O analista Lucas Romero explica que Fernández se tornou um presidente irrelevante, que não conduz a coalizão de governo, e que perdeu a legitimidade popular.

O FMI espera que o governo corrija os desequilíbrios da economia, mas Cristina Kirchner, que manda na coalizão de governo, não quer fazer o trabalho sujo de promover esses ajustes, para não se desgastar politicamente, e deixar o prato servido para a oposição nas próximas eleições.

Para Romero, o risco é que a crise econômica derive em uma crise de governabilidade que leve o presidente Alberto Fernández a renunciar. Nesse caso, o mais provável, em sua opinião, é que Kirchner também renuncie, para que a oposição, em eleições antecipadas, tenha que assumir o ajuste com o Fundo Internacional. Quando o então ministro da Economia Martín Guzmán renunciou no início de julho, a imprensa argentina especulou uma possível renúncia também de Fernández.

Negociar a dívida

O mercado aposta em uma desvalorização do peso argentino no câmbio oficial. Quanto mais o governo resistir, maiores as chances de uma desvalorização descontrolada. Não se vê uma saída clara, mas existe um grande muro no horizonte. Ao final de cada mês, o governo precisa convencer os bancos locais a renovarem a dívida de curto prazo. Mas em setembro, essa renovação é de um grande volume. Se não conseguir renovar esses vencimentos e sem dinheiro para pagar, o governo terá de imprimir mais dinheiro sem respaldo.

Essa emissão de dinheiro alimentaria perigosamente a inflação e levaria o país a uma turbulência de consequências imprevisíveis. Essa é uma bomba-relógio. Faltam apenas dois meses para a negociação, quando quase não resta mais credibilidade do governo para convencer o mercado.

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