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Linha Direta

Inflação na Argentina chega na casa dos 5% e especialistas dizem que o pior está por vir

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O Instituto de Estatísticas e Censos da Argentina (INDEC) divulga nesta quinta-feira (14) o índice de inflação de junho, que deve ficar acima de 5%, mantendo o país no pódio das inflações mais altas do mundo. O índice anual de 2022 aproxima-se velozmente dos 100%, alimentado por uma economia que ameaça parar por falta de dólares para mover a produção.

O peso argentino é usado para as transações comerciais cotidianas, mas a moeda de referência dos argentinos é principalmente o dólar.
O peso argentino é usado para as transações comerciais cotidianas, mas a moeda de referência dos argentinos é principalmente o dólar. REUTERS/Marcos Brindicci
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O índice de inflação de junho na Argentina deve ficar acima de 5%, seguindo o patamar dos últimos meses, os mais elevados dos últimos 30 anos. Porém, se o nível de inflação já chocava o país, a dinâmica de aumento de preços prevista a partir de julho aproxima a economia da temida cifra de três dígitos.

A primeira semana de julho acelerou o galope inflacionário que ameaça sair do controle. A consultora Orlando Ferreres, por exemplo, calcula uma inflação de 4,9% apenas nos primeiros sete dias deste mês. Os economistas projetam um piso em torno de 7% para o mês. De acordo com a evolução nos próximos dias, o teto poderia tocar os 10%, duplicando o índice de junho.

"Sendo muito generoso e supondo que a inflação de julho seja a mais alta do ano em torno de 6,9% e que depois volte ao patamar de abril a junho, pouco acima de 5%, o ano terminaria com uma base de 82%. Num cenário menos favorável, no qual o governo não consegue renovar a dívida interna nem acumular reservas, propiciando o desabastecimento de produtos, a inflação variaria entre 6% e 7% mensais, acumulando entre 92% e 100% no ano. Seja como for, qualquer cenário é desastroso para a Argentina", explica à RFI o analista econômico Damián Di Pace, diretor da consultora Focus Market.

Preços sem referência

A consultora é uma das que mais produz projeções, comparações e exercícios sobre uma economia cada vez mais asfixiada. Faltam dólares nas reservas do Banco Central, faltam créditos e faltam produtos. Sobra gasto público, sobra emissão monetária sem respaldo e sobra tensão na cúpula do poder.

O governo limitou o acesso aos dólares, priorizando aquelas empresas de setores essenciais como alimentos e medicamentos. As demais áreas devem conseguir financiamento por conta própria.

Mais de 80% da indústria argentina precisa de insumos ou componentes importados para terminar os produtos no país. Com a incerteza de conseguir importar esses componentes, algumas fábricas começam a parar.

A brasileira Agrale, por exemplo, acaba de anunciar aos seus fornecedores que vai paralisar a produção de tratores e caminhões na Argentina por não poder importar autopeças. Por falta de celulose, começa a faltar papel, especialmente papel higiênico, e o país também começa a registrar falta café.

Os fornecedores preferem não vender os estoques porque não sabem a que preço vão repor as mercadorias e nem se vão conseguir repor. Sem preço de referência, alguns comerciantes também optam por não vender ou vendem com aumentos preventivos de acordo com a variação do dólar que disparou, impulsionado pelo descontrole econômico e político. "Quem tem estoque presente, procura preservá-lo porque não tem fluxo futuro. Não pode voltar a produzir o bem que possui. Então, prefere não vender no mercado. O comerciante sabe que pode ficar sem reposição. Por via das dúvidas, segue a subida do dólar e usa o dólar paralelo como referência. Com isso, começamos a ver preços exorbitantes", observa Di Pace.

"Por cada ponto de crescimento econômico da Argentina, as importações crescem três. Ou seja: para crescer, a Argentina precisa importar. Se não pode importar, não cresce. E para importar, precisa de dólares. E é esse o gargalo para as matérias primas necessárias para produzir no mercado local", aponta Damián Di Pace.

Historicamente, a bonança argentina acontece entre março e setembro, quando entram os dólares das exportações agrícolas, principais geradoras de divisas ao país. A partir de agora, a tendência é piorar numa dinâmica inflacionária e recessiva.

"Tudo indica que, se a Argentina não conseguiu resolver esta situação no primeiro semestre do ano, menos vai conseguir resolver no segundo. A Argentina vai para um cenário de escassez de dólares", prevê o analista econômico.

Aumentos ao ritmo do dólar paralelo

O dólar é a moeda de referência no país. O peso argentino é usado para as transações comerciais cotidianas, mas a poupança dos argentinos é em dólares – de preferência fora dos bancos. Desde dezembro de 2019, quando começou o governo do presidente Alberto Fernández, o dólar aumentou 380% no mercado paralelo, o único ao qual os argentinos têm acesso. No câmbio oficial, mesmo sob severas restrições de acesso, o dólar subiu 120%. Nas duas últimas semanas, as remarcações de preços têm girado em torno de 20%, em sintonia com o aumento do dólar no mercado financeiro e no mercado paralelo.

A incerteza generalizada da economia se reflete nos mercados. Mesmo depois das reestruturações das dívidas com os credores privados (2020) e com o Fundo Monetário Internacional (2022), a taxa de risco-país superou os 2.700 pontos-base, um nível de moratória da dívida. Para se ter uma ideia, esse é o nível do risco-país da Rússia, um país em moratória.

"Agora, o governo tem problemas também com uma monstruosa dívida interna em moeda local. A Argentina é uma máquina de imprimir dinheiro sem respaldo e não há mais apetite do mercado para renovar essa dívida mesmo com aumento dos juros", adverte Di Pace.

Essa falta de apetite para continuar a emprestar obrigou a nova ministra da Economia, Silvina Batakis, a prometer um caminho de redução do déficit fiscal, de redução da emissão de moeda e de menor colocação de dívida no mercado interno. Todos esses compromissos foram assumidos com o FMI em março, mas o mercado desconfia das promessas.

Mercado desconfia da trégua política

Há 12 dias, em 2 de julho, o então ministro da Economia, Martín Guzmán, renunciou. A saída foi interpretada pelo mercado como uma intervenção da vice-presidente Cristina Kirchner no governo do presidente Alberto Fernández, esvaziado de poder.

Cristina Kirchner é contra o acordo com o FMI, cujas metas a nova ministra promete cumprir. Os agentes financeiros acreditam que a Silvina Batakis será pressionada a aplicar a receita defendida por Cristina Kirchner: mais gasto público, mais déficit fiscal e mais emissão monetária.

A aparente trégua entre Kirchner e o presidente Alberto Fernández é considerada frágil e, segundo a imprensa argentina e analistas políticos, só aconteceu porque o presidente ameaçou renunciar. "A trégua não é suficiente. É frágil e tende a durar pouco. O mercado está à expectativa desse momento de ruptura na trégua. As promessas da ministra dependem do aval político não do presidente, mas da vice-presidente. Até agora, Cristina Kirchner não apareceu para confirmar que o equilíbrio fiscal é o caminho", destaca o analista.

Sem poder político, o governo fica limitado para poder corrigir as contas públicas, especialmente o déficit fiscal. Uma prova disso é que, a partir desta quinta-feira, movimentos políticos, sociais e sindicais começam a pressionar nas ruas por aumentos salariais, por mais planos assistencialistas e por uma ruptura com o FMI. Esses movimentos são aliados de Cristina Kirchner.

"Cristina Kirchner não se pronuncia sobre as promessas da ministra Batakis ao mercado, mas coloca nas ruas os movimentos sociais e de trabalhadores que lhe respondem. E isso é um sinal: ela está falando através de terceiros", conclui Damián Di Pace.

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