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Linha Direta

Por que esquerda pode ter vitória inédita em eleição presidencial na Colômbia

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A eleição presidencial do próximo domingo (29) na Colômbia pode levar a esquerda de Gustavo Petro pela primeira vez ao poder no único país latino-americano que se manteve à direita nos últimos 20 anos. A dúvida é se Petro, aliado de Lula, ganhará logo no primeiro turno. Se a disputa for com o inesperado "azarão" Rodolfo Hernández, o final é incerto.

Os candidatos à presidência Gustavo Petro (1° à esquerda),  Federico Gutierrez (2° à esquerda) e Sergio Fajardo (à direita), durante um debate no jornal El Tiempo em Bogotá, Colômbia, em 23 de maio de 2022.
Os candidatos à presidência Gustavo Petro (1° à esquerda), Federico Gutierrez (2° à esquerda) e Sergio Fajardo (à direita), durante um debate no jornal El Tiempo em Bogotá, Colômbia, em 23 de maio de 2022. AP - Fernando Vergara
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Há 20 anos, a América do Sul viveu uma onda de presidentes de esquerda que chegavam ao poder pela primeira vez. O ex-presidente Lula foi o primeiro desse dominó que teve peças em toda a região, a não ser em um país: a Colômbia.

Enquanto na região os debates eram sobre distribuição de renda, ascensão e inclusão social e protecionismo contra o livre mercado, na Colômbia as discussões giravam ao redor do conflito armado. Com o país em guerra interna contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a cisão era segurança versus guerra, uma polarização da qual a direita sempre saía vitoriosa.

"Por isso, estas são as primeiras eleições tipicamente latino-americanas da Colômbia, porque o debate gira ao redor dos eixos redistribuição de renda, tamanho do Estado, desigualdade social, temas latino-americanos. Estas são as primeiras eleições nas quais as temáticas da guerra e da segurança não são nem de longe o eixo central do debate", explica à RFI a analista política Silvia Otero, da Universidade del Rosario, em Bogotá.

A violência não terminou na Colômbia. A guerrilha do Exército de Libertação Nacional continua ativa, mas o acordo de paz com as Farc, em 2016, abriu o jogo político e o país agora debate sobre o seu modelo sócio-econômico.

"Quando a região entrou nessa maré de esquerda, muitas vezes associada a figuras populistas muito carismáticas, a Colômbia se manteve à direita como historicamente foi. Agora, pela primeira vez, o país discute o modelo econômico, ponto central de uma mudança", compara a cientista política Paola Montilla, da Universidade Externado da Colômbia.

Nesse debate, também pela primeira vez, a esquerda tem chances concretas de chegar ao poder. Aliás, é a favorita para ganhar o pleito de domingo (29).

"Isso significa que estão em jogo duas coisas: uma aspiração de incorporação ao sistema de pessoas que se sentem marginalizadas como cidadãos de segunda categoria e um questionamento ao modelo econômico, historicamente liberal, de livre mercado", observa Otero. "Por isso, dos três candidatos que lideram a disputa, dois estão dispostos a questionar isso", sublinha.

A insatisfação dos colombianos com o sistema tradicional já tinha aparecido nas mega manifestações dos últimos três anos, nas quais uma multidão foi às ruas exigir mudanças.

"O colombiano está pronto para ser antiestablishment e pró-populismo, algo que não conhecíamos. Por isso, crescem as propostas antipolítica, impulsionadas pelo péssimo governo do presidente Iván Duque. Ele foi tão mal que a direita perdeu capacidade de competir nesta eleição", reflete Silvia Otero.

Corrida entre três ex-prefeitos

O grande favorito a vencer a eleição é o candidato da esquerda, Gustavo Petro, de 62 anos, ex-guerrilheiro, ex-deputado, ex-senador e ex-prefeito de Bogotá.

"A mudança econômica de Petro passa por dois eixos principais: uma reforma tributária para taxar as altas rendas e uma renegociação do Tratado de Livre Comércio [com os Estados Unidos] para proteger a indústria nacional", indica Paola Montilla à RFI.

As urnas vão revelar se Gustavo Petro vai ganhar logo no primeiro turno. Se não ganhar, contra quem vai disputar o segundo turno em 19 de junho?

O segundo colocado nas pesquisas de opinião é o candidato da direita liberal, Federico Gutiérrez, de 47 anos, ex-prefeito de Medellín, a segunda maior cidade da Colômbia.

Até um mês atrás, a disputa era entre Petro e Gutiérrez. Mas eis que surge, no último mês, com um desempenho meteórico Rodolfo Hernández, de 77 anos, um candidato de centro, sem partido político, com um discurso antissistema, contra a corrupção e contra a velhapolítica, embora tenha sido prefeito de Bucaramanga, uma cidade de médio porte no Nordeste do país.

"Como existe uma desconfiança latente dos partidos tradicionais, dos quais todos procuram se afastar, Rodolfo Hernández aparece com um discurso de doar o salário, fechar embaixadas, vender aviões, atacar a corrupção. Não estava nos cálculos de ninguém, mas a sua capacidade de se comunicar e de se vincular com os colombianos surpreendeu", avalia Montilla.

A última sondagem, da consultora Invamer, é da semana passada. Indica que Gustavo Petro tem 40,6% dos votos, Federico Gutiérrez, 27,1% e Rodolfo Hernández, 20,9%.

Ameaça de violência

A corrida eleitoral foi marcada por desconfiança sobre a fiscalização dos votos, fake news, denúncias e por ameaças de ações terroristas.

O candidato da direita, Federico Gutiérrez, indicou ter sofrido espionagem por parte da campanha do candidato da esquerda, Gustavo Petro. Já Petro denunciou que o governo do presidente Iván Duque pretende suspender as eleições para impedir que a esquerda chegue ao poder.

As Farc deixaram a luta armada, mas a Colômbia tem amplas regiões dominadas por grupos armados, guerrilheiros, paramilitares e traficantes. A guerrilha do Exército de Libertação Nacional declarou um cessar-fogo desde o dia 25 de maio até 3 de junho em todo o país.

Um relatório da Justiça indicou que 290 municípios, de 27 dos 32 departamentos do país, têm risco extremo ou elevado de sofrerem violência durante as eleições. Por isso o governo implementou o chamado "Plano Democracia" para garantir as eleições com a mobilização de 80 mil militares do Exército e 94 mil agentes da Polícia, além de 50 aviões para evitar ações terroristas.

"Na Colômbia não foram desmontadas as estruturas criminosas. Não foram desmontadas as capacidades de vincular e de misturar violência com política. Existe 100% de possibilidade de que, perante muitos extremistas armados que existem na sociedade colombiana, alguém tenha a capacidade de atentar contra a vida de qualquer candidato", afirma Silvia Otero, da Universidade del Rosario.

Impacto regional

As eleições na Colômbia são o primeiro grande teste para a formação do mapa político regional. A aposta de todos os analistas políticos é de uma mudança no governo. A esquerda de Gustavo Petro só poderia perder se a disputa for ao segundo turno com o candidato Rodolfo Hernández.

Gustavo Petro já manifestou o seu objetivo de formar uma aliança de líderes de esquerda com o chileno Gabriel Boric e com Lula, caso o ex-presidente vença as eleições no Brasil.

"Neste momento, a liderança que o Brasil tinha na região foi assumida pelo México com uma tendência a apoiar e a apostar nos governantes de esquerda. Se Petro ganhar, terá muito boa combinação com o Chile e, se Lula voltar ao poder, voltaremos a ter uma liderança regional com um dirigente afim a Petro", conclui Paola Montilla, da Universidade Externado.

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