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Linha Direta

EUA dispensam ONU e negociam cessar-fogo em Gaza por conta própria, para não desagradar Israel

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Enquanto Israel e Gaza vivem seu mais longo e violento conflito em quase uma década, as atenções também estão voltadas às reações na Casa Branca. As decisões de Joe Biden devem sinalizar como ele quer moldar a postura de Washington no cenário internacional. Ao que tudo indica, o presidente americano estaria negociando por conta própria um cessar-fogo. 

Bombardeio das forças israelenses no bairro de Al-Riman, em Gaza, 16 de maio de 2021.
Bombardeio das forças israelenses no bairro de Al-Riman, em Gaza, 16 de maio de 2021. Bashar TALEB AFP
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Ligia Hougland, correspondente da RFI em Washington

A semana começou sem sinal de que o conflito israelense-palestino se amenizaria, especialmente porque os Estados Unidos, os principais aliados de Israel, não apoiaram a declaração de paz do Conselho de Segurança da ONU em prol de um cessar-fogo. Essa atitude do presidente democrata, que prometeu trazer a diplomacia novamente para a linha de frente da política externa americana, causou surpresa.

O atual conflito é a primeira chance de o governo Biden mostrar ao mundo como vai moldar suas relações com aliados e, especialmente, o cenário geopolítico no Oriente Médio. Nos últimos dias, a Casa Branca tem sido alvo de críticas, inclusive de membros da ala progressista do próprio partido democrata, por se manter fiel à longa tradição de Washington ser o principal facilitador para as ações de Israel.

O novo partido democrata conta com o grupo que se chama de The Squad” (O Esquadrão), formado por mulheres deputadas eleitas em 2018 que desafia Washington a romper sua tradicional lealdade a Israel. Entre elas estão Alexandria Ocasio-Cortez e as muçulmanas Rashida Tlaib e Ilhan Omar.

Por outro lado, conservadores e democratas sionistas dizem que Biden está traindo seu maior aliado no Oriente Médio ao não declarar publicamente que apoia os ataques por parte de Israel. 

Biden x ONU

Na noite de terça (18), começaram a ser enviadas mensagens por meio de comentários não oficiais de que a Casa Branca estava esperançosa quanto a um cessar-fogo. Alguns veículos de comunicação inclusive relatam que fontes do governo americano dizem que Israel estava prestes a avançar em Gaza com uma invasão por terra. Isso certamente causaria mais mortes e prolongaria a troca de agressões. Mas a Casa Branca conseguiu impedir que o plano israelense fosse em frente. 

Se o cessar-fogo realmente se tornar uma realidade, o governo Biden terá na manga uma forte prova de que a diplomacia está mesmo de volta a Washington. Mas isso também indica que os Estados Unidos estariam negociando por contra própria, desconsiderando os esforços da ONU. 

Na segunda (17), Biden conversou por telefone com Benjamin Netanyahu e teria expressado seu desejo de um cessar-fogo. Está sendo comentado nos bastidores que a Casa Branca achou que a melhor maneira de fazer com que os ataques à Faixa de Gaza fossem contidos seria por meio de conversas de representantes do alto escalão do governo americano com a liderança israelense. O motivo disso é que Tel Aviv, de modo geral, não vê a ONU de modo positivo, pois acredita que a organização tem um viés favorável aos palestinos, vendo sempre Israel como o opressor. Além disso, o governo americano acredita que Israel, depois de ter Jerusalém e Tel Aviv atingidas, de fato, tinha o direito de revidar aos bombardeios do Hamas.

Ao mesmo tempo em que Biden poderá ser elogiado, se realmente os disparos entre Gaza e Israel pararem nos próximos dias, ele também será criticado por ter passado por cima dos esforços da ONU. Afinal, isso está longe da ideia de uma Casa Branca que promove diplomacia e cooperação entre todas as nações, além do fortalecimento das instituições globais, que sofreram nos quatro anos do governo de Donald Trump.

Durante o governo Trump, o apoio dos EUA a Israel, que sempre foi sólido, se tornou ainda mais incondicional. Biden frequentemente afirma que seu governo será o mais progressista que os Estados Unidos já tiveram. Isso pode, inclusive, impactar a aliança até então inabalável entre Washington e Israel. O governo Biden, segundo muitos analistas, visa uma grande mudança no modo como os Estados Unidos lidam com o Oriente Médio.

Lealdade dos EUA a Israel

Conservadores acreditam que Obama deu o primeiro passo para que os Estados Unidos deixassem de lado a lealdade a Israel, ao tentar dar mais espaço para que Irã passasse a liderar a região. Uma prova disso seria o acordo nuclear com o Teerã, que foi uma das assinaturas do segundo mandato de Obama. Agora Biden quer finalizar o plano. Os analistas Mike Doran e Tony Badran batizaram o plano de “The Realignment” e dizem que o plano propositalmente é confuso, pois, sem abrir o jogo completamente, fica mais fácil de avançar uma agenda tão audaciosa.

“Biden, ao mesmo tempo em que manteve a equipe de política externa do segundo mandato de Obama quase intacta, está também usando o mesmo manual. Ele e seus assessores sabem que a confusão sobre o "objetivo final" faz com que seja mais fácil alcançá-lo. De fato, a confusão é o melhor amigo do 'Realinhamento'”, explicam os analistas.

Israel, que, é claro, quer impedir que o Irã passe a dominar a região, ainda conta com o apoio da maior parte da população americana. Mas a ala mais da esquerda do partido democrata tem engrossado os ataques às políticas de Netanyahu.

Além disso, há um grupo com voz cada vez mais alta de conservadores, que simpatizam com alguns ideais libertários, e acreditam que os Estados Unidos devem assumir uma postura mais isolacionista e ignorar conflitos em terras distantes. Além disso, eles acham que a aliança com Israel custa muito caro para o contribuinte americano.

Biden terá de fazer um cálculo complicado. Além de ter de responder a todos esses grupos diversos dentro do próprio país, ele precisa considerar todo um quebra-cabeça geopolítico. Israel enfraquecido e Irã forte pode ser justamente o que a China precisa para passar a ser o novo "manda-chuva" no Oriente Médio.

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