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Esporte em foco

“A Romênia não é racista”, diz jogador brasileiro após repercussão de caso envolvendo juiz romeno

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A acusação de racismo envolvendo um juiz assistente romeno no jogo entre o PSG e o Istambul Basaksehir pela Liga dos Campeões entrou para a história do futebol. Pela primeira vez  jogadores das duas equipes deixaram o campo em protesto contra o 4° árbitro que se referiu a um membro da comissão técnica do clube turco como “negro”. O caso ganhou forte repercussão na Romênia, onde a expressão não tem caráter pejorativo, segundo o jogador brasileiro Romário Pires, que atua no país. 

Mobilização inédita do futebol europeu contra o racismo.
Mobilização inédita do futebol europeu contra o racismo. AP - Francois Mori
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No entanto, segundo ele, o juiz Sebastian Coltescu deve ser punido por ter usado um termo considerado “100% racista” pelos que se sentiram ofendidos. “Por que você disse negro, por que você disse negro...” Essa foi a reação revoltada do auxiliar técnico Achille Webo do clube turco Istambul Basaksehir ao ouvir o juiz auxiliar romeno Sebastian Coltescu se referir a ele como negro. 

O juiz assistente, 4° árbitro da partida, havia alertado o juiz principal, seu compatriota Ovidiu Hategan, sobre o comportamento de Webo, que reclamou de um lance violento do time parisiense. O camaronês Webo acabou expulso do gramado, gerando mais revolta. 

Com o estádio Parc des Princes vazio, as câmeras de TV captaram todo o episódio, incluindo o questionamento do jogador reserva, o senegalês Demba Ba, ao juiz assistente: “Se fosse branco você não diria, aquele ‘cara branco’, mas porque é negro, você diz, aquele "cara negro"”, disse Demba Ba. Na sequência, ele pediu aos seus companheiros que deixassem o campo. Em solidariedade ,os jogadores do PSG,  liderados por Neymar e Mbappé, também deixaram o gramado e foram para o vestiário.mbech

A partida foi suspensa e só retomada no dia seguinte, quando os jogadores e a nova equipe de arbitragem se reuniram no gramado para demonstrar com um gesto simbólico a luta contra o fenômeno do racismo no esporte. 

A repercussão foi mundial. A UEFA anunciou uma investigação rigorosa para apurar a responsabilidade do juiz. 

Os jogadores e árbitros do jogo entre PSG e Basaksehir turco ajoelham-se com os punhos levantados contra o racismo, antes de jogarem pelo Champions Group H no Parc des Princes, em Paris, em 9 de dezembro de 2020
Os jogadores e árbitros do jogo entre PSG e Basaksehir turco ajoelham-se com os punhos levantados contra o racismo, antes de jogarem pelo Champions Group H no Parc des Princes, em Paris, em 9 de dezembro de 2020 FRANCK FIFE AFP

Na Romênia, o caso também provocou debates inflamados. O jogador brasileiro Romário Pires, que está há nove anos no país, acompanhou de perto a repercussão. Ele apoia a decisão dos jogadores do PSG e do Basaksehir que se retiraram do gramado em protesto.

“Se os jogadores e o membro da comissão técnica se sentiram ofendidos, acho que a atitude das duas equipes foi extremamente correta e solidária. Não podemos julgar em momento algum aqueles jogadores que foram solidários com o homem que se sentiu lesado pelo racismo”,  afirmou.

“Para quem não vive na Romênia, foi muito duro ouvir um árbitro falando ‘negro’. É muito duro e muito chocante a palavra e imagino como o Webo se sentiu, e mesmo o Demba Ba, que deve ter se sentido muito ofendido por isso. Foi um erro muito grande do árbitro romeno porque se você chega ao nível de apitar um jogo internacional, você tem que estar preparado para isso. Você não pode chegar nesse nível, nesse patamar, simplesmente falar com os outros árbitros  na sua língua e achar que nada vai acontecer”, acrescenta. 

Meio campista, Romário Pires, de 31 anos, atualmente no clube Hermannstadt, já atuou por vários times romenos durante os nove anos vivendo no país. Em sua carreira, teve muitos jogos apitados por Sebastian Coltescu, um juiz, segundo ele, conhecido no país pela arrogância, mas sem relatos de  incidentes envolvendo racismo.

O brasileiro, revelado pelo Botafogo (RJ), explica que no país a conotação da palavra “negru”, dita em romeno por Coltescu ao seu colega de arbitragem, não é considerada racista. No entanto, mesmo sem intenção, ele considerada que ela foi mal empregada no contexto de uma partida de uma competição internacional e seu autor deve ser alvo de sanções.   

“Do jeito que ele (Coltescu) falou, sendo conhecedor da língua romena, sei que ele não quis, em nenhum momento ofender o auxiliar técnico e o jogador, quando ele ‘negru’ (negro em romeno). Eu, que sou negro, a gente sabe quando uma pessoa quer ofender, desrespeitar e te rebaixar pela sua cor. Isso é uma coisa totalmente diferente. Na filmagem do jogo, ele fala ‘ala negro’, até um metro (distante) do rapaz. Em nenhum momento ele quer falar escondido, não fala para não ser ouvido. Se fosse um ato racista, 100% racista, ele estaria ali falando no telefone, mas escondido, não queria que os outros soubessem. Mas em outras línguas, sim, isso foi um ato 100% racista. Ele foi muito despreparado e tem culpa nisso”, afirma, defendendo uma punição severa e exemplar para o juiz assistente. 

Romário Pires é jogador do Hermannstadt e atua há nove anos no futebol da Romênia.
Romário Pires é jogador do Hermannstadt e atua há nove anos no futebol da Romênia. © Divulgaçãp

Romário, casado com uma romena, relatou ter sido alvo de uma situação racista na Romênia, fora dos gramados de futebol. Ele foi abordado em um supermercado por um homem que disse que ele deveria voltar para seu país de origem e não se envolver com mulheres romenas. Apesar do incidente, o carioca insiste que o país do leste europeu não tem uma mentalidade racista. 

“A Romênia não é um país racista, a mentalidade não é racista. Porém, com esse episódio, os romenos entenderam imediatamente que o árbitro não quis ser racista e começaram imediatamente a defendê-lo porque ele é romeno. E tem também alguns áudios que foram divulgados depois do jogo, de um membro da comissão técnica que disse que ‘no meu país os romenos são considerados ciganos’. Isso aqui está gerando muita discussão porque estão transformando os romenos em racista, mas para eles, serem chamados de ciganos é um ato de racismo. Muitas pessoas questionam: ele é negro e quer ser chamado de quê? De branco escuro? Então questionam, não se pode mais chamar negro de negro? Como vamos ter que chamá-los?”. 

Segundo Romário Pires, o episódio pode ter um impacto na sociedade romena e gerar questionamentos sobre o emprego da palavra "negro".

“Acho que pode mudar um pouco algumas pessoas aqui na Romênia pela repercussão que esse ato teve. A mídia diz que eles (do time turco) estão exagerando muito nesta questão. Porém, quando você escuta do outro lado, isso soa muito feio e muito duro. É uma pancada muito dura você ser chamado de negro, quando você sabe que negro é racismo na sua língua. Sim, pode mudar algumas pessoas, Algumas pessoas que não eram racistas podem se tornar, porque podem pensar, agora eles (negros) são os pobres coitados agora e que não podemos mais chamá-los pela cor. Se eles me chamavam de negro e era normal. E agora se me chamaram de branco escuro, eu vou ter que me sentir racista? Essa pode ser a diferença". 

No entanto, é no terreno esportiva que as mudanças vão ser mais imediatas,; segundo o meio-campista brasileiro.  

"Para o futebol, acho que os árbitros não vão mais cometer esse erro. Daqui para frente eles vão estar muito mais preparados. As equipes vão estar muito mais atenta a esse tipo de conversa entre os árbitros e linguagem usadas por eles. Eles têm que ser punidos porque não podem chegar a este nível tão despreparados”, diz.

A UEFA não informou quando a investigação sobre a acusação de racismo do juiz auxiliar Sebastian Coltescu será concluída. A entidade no entanto disse que o racismo e nenhum tipo de discriminação têm espaço no futebol. 

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