HQ francês mostra visão de europeus dos linchamentos de rua no Brasil
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A editora francesa La Boîte à Bulles lançou recentemente a obra "Lynchages Ordinaires" (Linchamentos Ordinários, em tradução livre), uma história em quadrinhos que fala sobre esse violento fenômeno de rua no Brasil e faz um paralelo com os cancelamentos on-line, que se tornaram comuns nas redes sociais.
O livro traz a história de Johan, um ativista ambiental francês que resolve viajar ao Brasil depois de uma ruptura amorosa. Em pleno Carnaval, ele desembarca no Rio de Janeiro, onde é testemunha de um linchamento na rua.
Na capital fluminense, ele conhece Marcela, uma brasileira que milita contra a violência urbana. Ao ser estimulado a denunciar as cenas que vivenciou, Johan é levado a uma reflexão sobre as consequências de seu próprio comportamento nas redes sociais.
Para realizar o projeto, os dois autores da história - Léa Ducré e Benjamin Hoguet - e as quadrinistas Héloïse Chochois e Victoria Denys viajaram ao Rio de Janeiro em fevereiro de 2018. Lá, eles se encontraram com a jornalista francesa Morgann Jezequel, que apoiou a redação do roteiro.
Hoguet contou à RFI que a motivação surgiu sobre o interesse em comum sobre multidões. "É verdade que quando se fala de multidão e Brasil, a gente pensa na alegria do Carnaval. E foi impactante para nós, como europeus, descobrir que no Brasil há todo esse fenômeno de massa gerado por falhas da Justiça do Estado, que se transforma em justiça popular", diz.
O desafio do grupo de entender a complexidade dos linchamentos de rua e suas causas está retratado no livro. "Neste mês que passamos no Rio, começamos a falar com brasileiros para compreender melhor tudo isso. E isso se reflete na escolha do personagem principal do livro, um jovem francês, que chega ao Brasil e descobre esse fenômeno: o que é um pouco o espelho da nossa experiência por lá", afirma o co-autor da obra.
Paisagens, arquitetura e Carnaval do Rio
As quadrinistas Héloïse Chochois e Victoria Denys assinam a parte gráfica de "Lynchages Ordinaires". Para retratar as paisagens, a arquitetura e o Carnaval do Rio, um longo trabalho foi realizado pelas desenhistas.
"Durante esse mês no Rio, em fevereiro de 2018, pudemos entrevistar várias pessoas. Também fizemos pesquisas, fotos e colhemos informações para que pudéssemos desenhar a cidade. E quando voltamos à França começamos a colocar no papel as diferentes histórias que recolhemos por lá", conta Victoria.
Héloïse destaca uma particularidade deste trabalho realizado "a quatro mãos": "O que nos interessou como tema e também de maneira gráfica foram as multidões e o anonimato dentro delas. Foi uma temática que nos sensibilizou e que pudemos desenvolver: as diferenças entre uma multidão extremamente feliz no Carnaval do Rio e uma multidão impulsionada a cometer violências por uma reação de massa, de forma anônima".
Já a jornalista francesa Morgann Jezequel, radicada no Rio de Janeiro, apoiou a redação do roteiro do HQ, fornecendo elementos para a contextualização do grupo, além de fazer a seleção das entrevistas que ajudaram na criação dos personagens e nas histórias vividas por eles na obra.
"A equipe nunca tinha pisado no Brasil, então precisei explicar o funcionamento da justiça brasileira, as relações entre as diferentes classes de população no Brasil, a atuação da polícia... Eu já estava há um tempo no Brasil e já tinha assistido a cenas de linchamento e tinha impedido também linchamentos de acontecer", salienta.
Para Morgann, o fenômeno tanto assusta quanto instiga: "Foi interessante esse trabalho para entender as razões de porque o Brasil tem recordes de linchamentos populares por ano. Também foi uma época de uso intenso das redes sociais e de linchamentos virtuais. Na época, a gente ainda não falava 'cancelamento', mas era isso que acontecia com as pessoas na internet".
Assassinato de Marielle Franco
"Lynchages Ordinaires" também trata de um fato que chocou o mundo em 2018, o assassinato da vereadora Marielle Franco. "Também quisemos falar de Marielle Franco porque é alguém que, através de sua vida e - infelizmente - através de sua morte, também conseguiu reunir multidões em torno de algo positivo: a defesa de reivindicações importantes", afirma Benjamin Hoguet.
Segundo o co-autor do HQ, trazer a história da vereadora dá ao livro "um clima de esperança". "Nosso objetivo é mostrar que a multidão pode ser nefasta - como nos casos de linchamentos - mas também pode ser extremamente positiva quando se reúne em torno ideais importantes, como os defendidos por Marielle Franco", conclui.
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