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Brasil-América Latina

Através do futebol, brasileira ajuda a traçar o futuro de jovens talentos na Venezuela

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A brasileira Amra Zatar é corintiana de coração, mas não perde uma partida de um time venezuelano da primeira divisão. Embora na Venezuela o esporte nacional seja o beisebol, foi ela que semeou nos filhos a paixão pelo futebol. O resultado disso ela colheu em 2012, quando o filho do meio, George, comprou o Deportivo La Guaira, um time que vem ganhando destaque dentro e fora dos gramados do país.

A família de Amra abriram uma escolinha de futebol. Os alunos mais carentes e talentosos recebem apoio integral - que vai da moradia na chamada casa clube, à alimentação, transporte e ao uniforme. Um dos requisitos é que os futuros jogadores continuem estudando.
A família de Amra abriram uma escolinha de futebol. Os alunos mais carentes e talentosos recebem apoio integral - que vai da moradia na chamada casa clube, à alimentação, transporte e ao uniforme. Um dos requisitos é que os futuros jogadores continuem estudando. © Elianah Jorge
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Por Elianah Jorge, correspondente da RFI na Venezuela 

"Meu filho chegou ao futebol porque eu transmitia isso. Cheguei aqui em 1977 e a Copa do Mundo foi em 1978. Eu transmiti muito amor pelo futebol aos meus filhos. O Brasil perdeu (na Copa de) 1982 para a Itália e eu estava amamentando o meu filho. De tanta raiva que eu fiquei, porque a gente perdeu, meu filho passou mal toda a noite. Acho que transmiti a ele toda a raiva que eu tinha (por causa da derrota brasileira)", conta a brasileira. 

A entrevista à RFI Brasil foi dada durante uma partida no histórico Estádio Universitário de Caracas. De olho na bola e vibrando com o desempenho do Deportivo La Guaira, Amra contou sobre sua vida na Venezuela, que de certa forma se mistura com a história do futebol do país.

A conexão da brasileira com a Venezuela começou, curiosamente, durante uma viagem ao Líbano. Foi lá que Amra conheceu o futuro marido, quando ela ainda era uma adolescente. Já adulta, ela veio à Venezuela de passeio com a família, e aqui reencontrou aquele com quem viria a se casar pouco tempo depois. Após o casamento, a jovem paulistana de ascendência libanesa trocou o Brasil por Caracas, em 1977.

Nesse país banhado pelo Mar do Caribe vivem entre 340 mil e 500 mil pessoas de origem libanesa. A grande maioria se dedica ao comércio, e muitos prosperaram ao longo dos anos.

A conexão da brasileira com a Venezuela começou, curiosamente, durante uma viagem ao Líbano.
A conexão da brasileira com a Venezuela começou, curiosamente, durante uma viagem ao Líbano. © Elianah Jorge

Apesar do êxodo massivo que aconteceu na Venezuela e que levou mais de cinco milhões de pessoas a deixarem o país, muitos estrangeiros continuam por aqui levando adiante seus negócios. O marido de Amra trabalhava no ramo de roupas. Já o filho se dedica ao ramo de alimentos e, há quase uma década, ao novo time de coração da brasileira.

“Quando meu filho me apresenta às pessoas do futebol, ele sempre fala: minha mãe me transmitiu o amor ao futebol. Se não fosse por ela, eu não estaria nesse mundo”.

Sempre que podia, Amra levava a prole aos estádios. Entre a paixão pelo futebol e pelo país que a recebeu, ela semeava nos filhos o respeito à seleção venezuelana, chamada carinhosamente de Vinotinto, em referência à cor vinho do uniforme.    

“Eu sempre dizia aos meus filhos: quando a Vinotinto jogar, vocês têm que torcer por ela, e pela canarinho quando jogar. Eles me falavam: como você quer que a gente torça pela Vinotinto se ela sempre perde? Eu respondia que não importava se ganhava ou perdia, eles deveriam sempre torcer pela seleção venezuelana. Eu fui transmitindo esse amor pelo futebol”.

Ao contrário da seleção brasileira, a venezuelana ainda não foi classificada para uma Copa do Mundo. Mas a família de Amra acredita que a médio prazo o time venezuelano pode estrear no campeonato mundial. Esse é um investimento, de acordo com o que Amra explica:    

“Ele (o filho de Amra) foi presidente da Associação de Futebol da Venezuela e ajudou muito. A meta dele é que a seleção venezuelana vá à Copa do Mundo, mas ele gosta do Brasil”. 

Quando esse momento chegar, será complexo para a brasileira. No jogo entre o Brasil e a Venezuela pelas eliminatórias para a Copa do Mundo, sediado em outubro deste ano em Caracas, Amra sofreu. Nervosa com a disputa, ela teve que fazer uma escolha nada fácil.

“Quando jogou Brasil e Venezuela foi horrível. Eu falei: hoje eu sou Vinotinto! Porque temos três jogadores (do Deportivo La Guaira) que jogam na seleção venezuelana. Eu não podia torcer contra os meus jogadores”.

Através do Deportivo La Guaira a família de Amra vem investindo e apoiando para o crescimento do futebol venezuelano.

Eles levam adiante um projeto social para jovens que querem crescer neste esporte. Para isso, abriram uma escolinha de futebol. Os alunos mais carentes e talentosos recebem apoio integral - que vai da moradia na chamada casa clube, à alimentação, transporte e ao uniforme. Um dos requisitos é que os futuros jogadores continuem estudando.

Lutando para ser jogador

Um dos beneficiados é José Andrés, aos 11 anos ele saiu de Trujillo, na região dos Andes venezuelanos para treinar na capital Caracas. Apesar da pouca idade, ele já é considerado uma promessa do futebol venezuelano. Inspirado no pai, já falecido, e que também era jogador de futebol, o menino vem superando as dificuldades.

José Andrés, aos 11 anos ele saiu de Trujillo, na região dos Andes venezuelanos para treinar na capital Caracas.
José Andrés, aos 11 anos ele saiu de Trujillo, na região dos Andes venezuelanos para treinar na capital Caracas. © Elianah Jorge

“Eu estou lutando para ser jogador de futebol profissional e dedicar (a carreira) a ele (ao pai)”.

Similar ao que acontece no Brasil, muitos venezuelanos menores de idade veem nos esportes a chance de uma vida melhor.

De acordo com a Pesquisa Nacional da Juventude 2021, nos últimos anos a Venezuela é um país com menos jovens. Além disso, a pobreza no país chega a 94,5%, e a metade dos jovens se posiciona nas classes D e E, de acordo com o estudo divulgado recentemente pela conceituada Universidade Católica Andrés Bello.

“Tivemos situações difíceis durante muitos anos. Às vezes algum aluno dizia “professor, não tenho dinheiro para a passagem”. Alguns que vinham do interior diziam que tinham comido apenas macarrão com queijo durante toda a semana. Nós os ajudamos. Damos ajuda econômica para que comprem, sobretudo, proteína. Há pouco tivemos um jogador que não estava comendo bem e pudemos ajudá-lo”, relatou Cesar Moreno, o treinador de futebol das jovens promessas do futebol venezuelano.

Técnico Cesar Moreno
Técnico Cesar Moreno © Elianah Jorge

Um jogador médio em começo de carreira na Venezuela ganha, por baixo, cerca de 500 dólares por mês. Embora a cesta básica gire em torno de 350 dólares ao mês, de acordo com o Centro de Documentação e Análise (CENDAS), em um país onde o salário mínimo é de cerca de 2,5 dólares, a expectativa de viver do esportegosta desperta ainda mais o interesse dos jovens.  

Além das grandes estrelas do futebol mundial, na escolinha os futuros talentos também buscam inspiração nos jogadores profissionais venezuelanos, tais como Salomón Rondón, que tem feito bonito na Inglaterra, ou pelas façanhas de Josef Martínez no Atlanta United, dos Estados Unidos, e na trajetória de Jefferson Savarino, que atua como ponta-direita no Atlético Mineiro.

Entre dribles na realidade, dentro e fora do campo, esses meninos vão construindo seu futuro em busca de melhores perspectivas.   

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