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Brasil-África

Nigéria ultrapassa Rússia no fornecimento de ureia ao Brasil

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Entre tantas consequências, a guerra na Ucrânia comprometeu as exportações russas, o que acabou favorecendo países como a Nigéria, que agora é o segundo maior exportador de ureia para o Brasil. Até o ano passado essa posição era ocupada pela Rússia.

Pastilhas de ureia química, usadas para fabricação de fertilizantes.
Pastilhas de ureia química, usadas para fabricação de fertilizantes. AP - Mike McCleary
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“A gente está falando de quase 19% do volume (total) de ureia que o Brasil importou (este ano)”, detalhou Fátima Giovanna Coviello Ferreira, diretora de Economia e Estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). “Entre janeiro e abril, a Nigéria foi o principal fornecedor. Omã tomou essa posição a partir de maio”, acrescentou Francisco Luz, cônsul-geral do Brasil em Lagos, a maior cidade nigeriana.

A diretora da Abiquim contou também que, comparando o volume importado pelo Brasil entre janeiro e agosto deste ano com o do mesmo período do ano passado, houve um aumento de 50%. “É um dado bastante expressivo”, disse.

Em 2021, a maior economia africana era o quinto maior fornecedor deste fertilizante para o Brasil, respondendo por 10% de toda a ureia importada pela indústria brasileira. Ou seja: 2022 nem acabou e este volume já praticamente dobrou. O Catar atualmente está em terceiro lugar neste ranking e a Rússia em quarto.

Dependência brasileira

Neste campo, o Brasil ainda é bastante dependente do cenário internacional, importando quase 80% de toda a ureia usada em seu mercado de fertilizantes. No ano passado, a maior parte do produto vinha da Rússia e do Catar. “Por conta de toda essa crise no início do ano, nós ficamos muito preocupados com essa dependência excessiva da importação de fertilizantes vinda da Rússia. Então, a Nigéria acaba suprindo e dando ao Brasil uma oportunidade de diversificar a pauta de países com os quais a gente tem essa correlação na importação de ureia”, afirmou a diretora da Abiquim.

O Brasil já importava ureia da Nigéria há anos, mas em volumes razoavelmente baixos. O interesse pelo insumo nigeriano aumentou depois da invasão à Ucrânia. “Porque era o único país onde projetos estavam sendo implementados para produção desse importante insumo para agricultura. Em outubro, a fábrica de fertilizantes da Dangote aqui em Lekki, no estado de Lagos, começou a produzir e a primeira produção já foi para o Brasil”, disse o cônsul. Pouco depois do início da guerra, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, teve uma conversa Aliko Dangote, dono desta fábrica e o homem mais rico do continente africano, sobre a possibilidade de garantir um fornecimento sustentável de ureia para o Brasil. Empresários brasileiros compram hoje 60% da produção nigeriana de ureia, desta e outras três empresas que fornecem este produto no país.

Ciente de que a produção brasileira não é suficiente, William Marchió, consultor em projetos de agropecuária sustentável, defende que é preciso investimentos que diminuam a dependência de outros países. “Como os insumos mais importantes para produção, por exemplo, de milho, de grãos de uma maneira em geral, e boa parte da produção pecuária também, dependem do uso de fertilizantes nitrogenados, a produção interna é fundamental”, justificou. Ele ainda lembra que o coronavírus deu um motivo a mais para se pensar nisso. “Ainda mais quando você tem um exemplo de dois anos de pandemia, que dificultaram o uso de contêineres, de navios, de fluxo de importação. Muitas operações ficaram extremamente vulneráveis a isso. Então, a produção interna de ureados é fundamental. Porém, ela não é suficiente hoje. A gente ainda vai depender de importação”, disse.

Ureia: realmente necessária?

Este é o principal produto para fertilizar a agricultura brasileira. “Fertiliza a terra para que ela tenha uma maior produtividade”, contou Fátima. A ureia vem da cadeia produtiva do petróleo, a partir do gás natural. “Por isso que essa questão da Rússia ficou prejudicada. A Rússia é um país que tem muito gás natural, ela é competitiva na produção de fertilizantes derivados de gás”, explicou.

A ureia é o nitrogenado mais utilizado na agricultura brasileira, segundo especialistas. “Nitrogênio é um dos elementos mais importantes para as plantas utilizarem como fonte de produção de massa, vamos dizer assim. Hoje a gente utiliza a ureia para fazer o milho crescer, para o capim, para a maioria das pastagens. Você usando 40 Kg de nitrogênio por hectare aumenta um animal em cima desse hectare, em termos de produção de pastagem”, explicou William.

Uso de ureia é nocivo?

Mas o uso deste tipo de produto é polêmico, principalmente em um momento em que se fala muito sobre agricultura orgânica. William Marchió diz que ureia não é nociva à saúde de ninguém, “a não ser que a pessoa ingira aquilo puro”. Ele considera essa “ferramenta interessante” fundamental na produção agrícola.

Ao mesmo tempo em que diz que “não dá para ter boas produtividades sem o uso de fertilizante base ureado”, William aponta alternativas. Segundo ele, “uma das ferramentas tecnológicas que temos para diminuir ou mitigar o uso de ureia seria a fixação biológica de nitrogênio, usar bactérias para fazer a função da fixação de nitrogênio. Nós temos nitrogênio no nosso ar que respiramos. Essas bactérias são capazes de extrair esse nitrogênio do ar e entregar às plantas. Só que é um processo mais lento, é um processo que exige muita qualidade de solo, muito trabalho de condicionamento biológico do solo para que isso evolua”, disse. A Embrapa e outras instituições no Brasil fazem isso “com propriedade” e difundem essa ideia, de acordo com o especialista. “Só que nem todos os produtores conseguem fazer isso de maneira sistemática. A gente tem produtores hoje que são menos dependentes da ureia do que outros”, completou.

Ainda sobre a polêmica em torno do uso de fertilizantes e defensivos agrícolas, a diretora da Abiquim os compara aos remédios usados pela maioria das pessoas e diz que diante da crescente demanda por alimentos, o uso desses produtos é fundamental. “Os produtos químicos são essenciais para que a gente tenha uma quantidade maior de alimentos para alimentar a população e o fertilizante é um deles”, concluiu.

Impulsionando a relação Brasil-Nigéria

Ureia, petróleo cru, nafta e gás natural representam 98% da importação brasileira vinda da Nigéria atualmente. As expectativas de crescimento de volume negociado nos próximos meses trazem otimismo sobre o aumento do fluxo comercial entre os dois países, que já foi bem maior do que atualmente. Analisando dados desde 1997, o fluxo comercial entre Brasil e Nigéria atingiu o pico em 2013, quando chegou a US$ 10,523 bilhões. Com um declínio que começou em 2015, chegou ao menor nível em 2020: US$1,22 bilhões. “Esses números eram inflados por causa da presença da Petrobras aqui, exportando o óleo que produzia aqui para o Brasil”, esclareceu o cônsul-geral em Lagos. “Este ano a nossa estimativa é que fique entre US$ 2,4 e 2,5 bilhões. Vai ser o melhor desde 2015, mas ainda vai ser um quarto do patamar que a gente operou entre 2008 e 2014, cujo comércio mínimo anual neste período foi de US$ 5,8 bilhões”, analisou. No período mencionado, a Nigéria era o principal parceiro comercial do Brasil no continente africano. Hoje ocupa a terceira posição, atrás do Marrocos e da África do Sul.

Nos últimos dias, a notícia sobre a possibilidade de uma companhia aérea começar a operar voos semanais entre Brasil e Nigéria também animou empresários dos dois lados do atlântico. Isso significa que “os empresários vão ter mais facilidade de ir ao Brasil, a possibilidade de ter carga aérea direta mais barata e o crescimento do turismo também, que afeta a balança de serviços”, ressalta Francisco Luz. Quem já operou voos ligando diretamente os dois países foi a Varig, que entre os anos 80 e 90 chegou a ter um escritório na Nigéria.

Nigerianos “descobriram” o Brasil

Durante a pandemia, nigerianos “descobriram” o Brasil. O cônsul-geral do Brasil em Lagos conta que durante o surto, nigerianos começaram a ver o Brasil como um atraente destino turístico e de compras. “Turistas que iam fazer compras em Londres, Dubai ou em Nova York agora começaram a fazer compras em São Paulo, no Rio de Janeiro”, contou. Com isso, o consulado já emitiu este ano mais vistos entre janeiro e julho do que em todo o ano passado. “(Foram) 957 vistos só para o Brasil no ano passado inteiro. Este ano, já foram 1532 vistos”, detalhou. Ele acredita que até o fim do ano o número de vistos emitidos seja maior que o dobro do emitido no ano passado.

O turismo religioso também é um nicho a ser explorado, pois a cultura Iorubá no Brasil é forte. O cônsul acredita também que facilmente exista uma demanda para pelo menos 20 mil turistas nigerianos visitarem o Brasil todos os anos, o que justificaria quatro voos semanais, sem contar ainda os turistas brasileiros e a diáspora africana vivendo no maior país da América do Sul.

O Brasil possui embaixada na capital nigeriana, Abuja, comandada pelo embaixador Ricardo Guerra de Araújo, para tratar dos assuntos políticos multilaterais, de Defesa, e todo o relacionamento de governo a governo, e ainda o consulado-geral em Lagos, que cuida basicamente de assuntos consulares, comércio, cultura e educação, e trabalha com uma equipe restrita de cinco pessoas, incluindo o cônsul. Número claramente insuficiente para a expectativa de aumento de pedidos de vistos, o que representa metade do trabalho do consulado.

As estimativas de crescimento são em várias áreas. Nollywood, a versão nigeriana de Hollywood, que faz da Nigéria um dos principais países do mundo em termos de produção cinematográfica, está começando a se interessar por coproduções com o Brasil. Sem falar que o país mais populoso do continente africano é hoje a nação com mais startups (mais de 5 mil) em África.

Os desafios, como violência e tráfico de drogas, existem, como no Brasil. “A situação agora é assim, mas o empresariado está pensando a partir de 2030”, disse o cônsul, lembrando que Lagos não sofre com o problema do terrorismo que preocupa algumas regiões do norte nigeriano. “Em se tratando de criminalidade aqui, nos últimos relatórios mundiais de violência a Nigéria ficou no nível do Rio de Janeiro e abaixo de cidades como Baltimore e Detroit, nos Estados Unidos”, lembrou.

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