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Linha Direta

Incêndios arrasam santuário ecológico na América do Sul e Brasil ajuda no combate ao fogo

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Bombeiros brasileiros ajudam no combate ao fogo na província argentina de Corrientes, onde 11% do território já foram devorados. A catástrofe ambiental, ampliada pela falta de ação do governo, afeta a estratégia do presidente argentino, Alberto Fernández, de liderar a luta contra a mudança climática, aproveitando o vácuo deixado pelo Brasil nos últimos anos.

Animais são vítimas da mudança climática que secou zonas alagadas.
Animais são vítimas da mudança climática que secou zonas alagadas. © Foto Fundação Rewilding Argentina
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Numa velocidade de 30 hectares por dia, equivalentes a 30 quarteirões diários, o fogo avança pela província de Corrientes, no Nordeste da Argentina, fronteira com o Rio Grande do Sul. Até agora, as chamas já arrasaram com um milhão de hectares, equivalentes a 11% da superfície da província.

Os primeiros focos começaram ainda em novembro, mas a situação piorou no começo de janeiro, ficou grave neste mês e saiu de controle nos últimos dias. O estrago é o pior da história desta província.

O fogo varre pastagens, mas também áreas normalmente úmidas, como florestas, zonas alagadas e banhados. Em tempos normais, cerca de 40% da superfície de Corrientes representam um pantanal. Restam agora apenas 10%. O resto secou.

De um lado, a mudança climática que provoca uma seca prolongada com temperaturas acima de 40 graus. Do outro, as tradicionais queimadas para a agricultura e o vento forte, espalhando faíscas.

O fogo devora impiedosamente a flora e a fauna, inclusive animais em extinção. Um dos maiores danos acontece no Parque Nacional Iberá, dentro da região dos Esteros do Iberá, um complexo de pântanos, lagoas e banhados rico em biodiversidade, que agora está seco. Com uma superfície de 1,244 milhão de hectares, a zona é o segundo complexo pantanoso do mundo, apenas atrás do Pantanal brasileiro.

"A proliferação de focos é provocada por queimadas em fazendas vizinhas ao Parque Nacional de Iberá. As próprias pastagens normalmente estão cobertas d'água, mas, com a seca, o fogo não encontra barreiras naturais como lagoas e riachos. Entre 80 e 90% dos focos de incêndio no Parque foram originados dessa forma", explica à RFI o biólogo Sebastián Di Martino, diretor de conservação da Fundação Rewilding Argentina, responsável pela restauração ecológica do Parque, a partir da reintrodução de espécies fundamentais para o ecossistema.

Para completar a combinação letal, a falta de ação eficaz por parte dos governantes.

Mais de 60% do Parque agora estão em cinzas. Os animais se debatem para sobreviver nas pequenas poças de barro que restaram.

"O Parque Nacional está agora com dois terços da sua superfície consumida pelo fogo. Dos 150 mil hectares, 92 mil estão queimados", lamenta.

Impacto por muitos anos

Di Martino calcula que a recuperação das pastagens pode levar de dois a três anos, mas as florestas devem demorar dezenas de anos para se recuperarem.

"Em condições normais, o fogo não penetra na floresta porque é muito úmida e sombria, mas a seca alterou tudo. Foram queimadas árvores de 150 anos", avalia.

No caso dos animais, o risco ainda não terminou: aqueles que sobreviveram terão menos alimentos à disposição nos próximos meses.

"Precisaremos de uma temporada inteira de muita chuva para recuperar o nível de umidade. Algumas espécies não se recuperam por si sós. Precisam de ajuda. É o caso da jaguatirica, do tamanduá, entre outros.

No Parque, há várias espécies ameaçadas de extinção: o veado-campeiro, o lobo-guará, a ariranha e a onça-pintada.

Brasil participa do socorro

Uma das áreas mais afetadas é a região argentina de Santo Tomé, fronteira com a cidade brasileira de São Borja. À noite, do lado brasileiro, é possível ver a vermelhidão das chamas no horizonte do lado argentino, bem distante, passando o rio Uruguai que divide os dois países.

O Brasil enviou ajuda à Argentina. Bombeiros do estado do Rio Grande do Sul e do município de São Borja atravessaram a fronteira para combater o fogo. São cerca de 30 bombeiros brasileiros em três viaturas e três carros hidrantes.

A previsão é de chuva na próxima terça-feira (1°), quando bombeiros e ambientalistas esperam uma trégua. O alívio, no entanto, poderia ser passageiro. Segundo especialistas, os focos de incêndio podem ser uma ameaça até abril, quando começaria a temporada de chuvas.

"Precisamos que caia uma chuva agora mesmo que seja conjuntural para apagar os focos ativos. Para uma solução definitiva, vamos precisar de muito mais chuva para evitar o surgimento de novos focos porque está tudo muito seco e com temperaturas altas, propício para novos incêndios", indica Sebastián Di Martino.

Mobilização social

Na Argentina, existe muita comoção com a destruição, mas também muita indignação com as autoridades. O governo da província de Corrientes pediu ajuda ao Governo Federal no dia 13 de janeiro. Sem resposta, repetiu o pedido em 25 de janeiro. Só começou a receber ajuda no dia 5 de fevereiro, depois de três semanas cruciais em que o fogo avançou sem muita resistência.

O ministro do Meio Ambiente, Juan Cabandié, foi ao Senado, nesta quarta-feira (23), dar explicações. Deputados fizeram uma denúncia penal.

Diante da falta de ação do Governo Federal, um 'influencer' de 29 anos, Santiago Maratea, começou uma campanha para arrecadar recursos. Em menos de 24 horas, conseguiu 100 milhões de pesos. Em três dias, mais de 200 milhões de pesos. São cerca de US$ 2 milhões. O dinheiro será usado em viaturas, carros hidrantes, equipamento para os bombeiros de vários municípios de Corrientes.

O montante arrecadado é o mesmo que o Governo Federal tinha prometido para a província. Um 'influencer' conseguiu em três dias o mesmo que o Estado argentino em mais de um mês. O governo agora promete mais dinheiro.

Vácuo deixado pelo Brasil

Mesmo depois de semanas de tanta destruição, o presidente Alberto Fernández não foi até a região. Pressionado pelas críticas, programou uma visita para esta sexta-feira (25).Vai sobrevoar a área.

Desde que observou o recuo do Brasil em matéria de meio-ambiente e percebeu como o país perdeu credibilidade internacional com os incêndios na Amazônia, o presidente argentino traçou uma estratégia geopolítica de liderar as ações climáticas na região, aproveitando o vácuo deixado pelo governo Bolsonaro.

O incêndio em Corrientes expõe a limitação do presidente argentino. "Alberto Fernández nunca teve credenciais em matéria ambiental. Não fez nada para ter atributos nessa matéria. Isso é apenas um discurso, sem sustentação nos fatos. Foi uma tentativa estranha de se aproximar da administração de Joe Biden", aponta à RFI o cientista político Sergio Berensztein.

Para Berensztein, nos incêndios em Corrientes, o governo não soube responder ou por descaso ou por incapacidade técnica ou por falta de recursos ou pelos três motivos juntos. "A dimensão do que se vive hoje é o resultado de não terem abordado o problema a tempo e de não compreenderem o potencial dano da mudança climática", acusa o analista.

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