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Ofensiva do Azerbaijão já obrigou quase todos os armênios a fugir de Nagorno-Karabakh

A república separatista de Nagorno-Karabakh foi quase totalmente abandonada pelos seus habitantes neste sábado (30), após a vitória relâmpago de Baku, com mais de 100 mil refugiados deslocados para a Armênia por medo de represálias do Azerbaijão.

Quase toda a população de Nagorno-Karabakh fugiu do controle do Azerbaijão.
Quase toda a população de Nagorno-Karabakh fugiu do controle do Azerbaijão. © ALAIN JOCARD / AFP
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Enquanto o acolhimento destes refugiados é organizado com dificuldade e a ONU é esperada no enclave este fim de semana, os opositores do primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinian, acusado por Moscou de passividade e omissão, aumentam a pressão sobre ele.

Ao todo, “100.417 pessoas” já “entraram na Armênia” desde a capitulação de 20 de setembro, de acordo com Nazeli Baghdassarian, porta-voz do primeiro-ministro, o que corresponde a mais de 80% dos 120 mil armênios que viviam oficialmente no enclave antes da ofensiva do Azerbaijão.

“Ainda há algumas centenas de funcionários públicos, trabalhadores que atuam em emergências e pessoas com necessidades especiais que também se preparam para partir”, escreveu na rede social X o ex-ministro de Estado e defensor de Direitos Humanos de Nagorno-Karabakh, Artak Beglarian, especificando que esta informação é “não-oficial”.

Necessidades humanitárias

A ONU anunciou que vai enviar uma missão ao território este fim de semana para avaliar principalmente as necessidades humanitárias, apesar de a organização não ter acesso a esta região “há cerca de 30 anos”.

Um balanço relata quase 600 mortes em consequência da vitoriosa ofensiva militar de Baku. O conflito matou cerca de 200 soldados de cada lado.

O enclave decretou na quinta-feira (28) a surpreendente dissolução “de todas as instituições governamentais (…) em 1º de janeiro de 2024”, um anúncio histórico que marca o fim da existência da autoproclamada “República de Nagorno-Karabakh”, fundada há mais de três décadas.

Região militarizada

Esta região predominantemente cristã, que se separou do Azerbaijão majoritariamente muçulmano após a desintegração da União Soviética, se opôs a Baku com o apoio da Armênia durante mais de três décadas, principalmente durante duas guerras entre 1988 e 1994 e em 2020.

A região foi massivamente militarizada e todos os cidadãos homens tinham experiência em combate. Seus residentes, em pânico, abandonaram suas casas com medo de represálias. Mas, antes de fugirem, as famílias destruíram todos os pertences pessoais que pudessem comprometer sua segurança.

Este medo entre os residentes é alimentado, na opinião de Ierevan, por uma série de "prisões ilegais", embora as autoridades do Azerbaijão tenham se comprometido em permitir a saída dos rebeldes que entregarem suas armas. Mas diversos funcionários do enclave foram detidos, acusados ​​de “terrorismo” e outros crimes.

Entre as cidades de Kornidzor e Goris, em uma parada para abastecer seu carro, o ex-soldado Garri Harioumian, de 38 anos, diz que apagou do seu telefone as fotos de todos os seus “amigos mortos” no front.

Explosão

Durante a fuga na única estrada que liga o território à Armênia, pelo menos 170 pessoas morreram na explosão de um depósito de combustível na segunda-feira (25). O acidente também deixou 349 feridos, a maioria com queimaduras graves.

Samvel Hambardsioumian é um desses feridos: socorrido na cidade fronteiriça armênia de Goris, ele descansava em uma tenda da Cruz Vermelha na sexta-feira (29). Seu rosto está parcialmente queimado e ambas as mãos estão envoltas em bandagens grossas. "Havia nove pessoas na minha frente na fila. Se não estivessem lá, eu teria sido carbonizado", relatou à AFP o homem de 61 anos, pai de nove filhos.

“Nossa principal preocupação nos primeiros dias foi com as vítimas da explosão do tanque de combustível, que deixou dezenas de mortos. Nos casos mais graves, tivemos que organizar a transferência por ambulância ou helicóptero”, conta Susanna Hovasapyan, médica voluntária ouvida pelo enviado especial da RFI à Armênia, Daniel Vallot.

Refugiados armênios esperam em uma praça no centro de Goris, antes de serem transferidos para diversas cidades armênias, enquanto o êxodo do enclave de Nagorno-Karabakh após sua queda nas mãos das forças do Azerbaijão continua implacavelmente. Em 29 de setembro de 2023.
Refugiados armênios esperam em uma praça no centro de Goris, antes de serem transferidos para diversas cidades armênias, enquanto o êxodo do enclave de Nagorno-Karabakh após sua queda nas mãos das forças do Azerbaijão continua implacavelmente. Em 29 de setembro de 2023. AFP - ALAIN JOCARD

Ela acrescenta que outro grande problema são os colapsos nervosos, os choques sofridos na semana passada com os bombardeios, tiroteios e depois com a fuga. “Estes são outros problemas com que tivemos que lidar ao acolher todos estes refugiados. Além disso, devido ao bloqueio que durou dez meses, há muitos casos de desnutrição. As pessoas estão muito debilitadas e seu sistema imunitário é deficiente”, descreve a médica.

Este fluxo ininterrupto e caótico de refugiados reacendeu acusações de “limpeza étnica”, tendo Ierevan lançado um novo apelo ao Tribunal Internacional de Justiça, exigindo medidas urgentes para proteger os habitantes do enclave.

“Artsakh, ou Nagorno-Karabakh, faz parte da Armênia há milhares de anos. Para nós, é parte integrante da Armênia histórica. Faz parte da nossa pátria. E os armênios deste território são atualmente submetidos a uma limpeza étnica, perpetrada pelo Azerbaijão”, denuncia Hagop Djernazian, um armênio da comunidade de Jerusalém, em entrevista ao correspondente da RFI Sami Boukhelifa.

Oposição

Em uma Armênia sobrecarregada pela presença dos exilados, o sentimento de raiva aumenta a cada dia. Os opositores do primeiro-ministro Nikol Pashinian, acusado de passividade face à vitória relâmpago de Baku, planejam organizar uma manifestação neste sábado, depois de terem evitado expor suas críticas nos últimos dias.

“Na hora de qualquer derrota, existem críticas justificadas e injustificadas. Não é em tempos de paz ou de vitória que isso acontece. Ele [Nikol Pashinian] foi reeleito, é um poder legítimo incorporado nas urnas. Não sei o que mais alguém poderia ter feito [no seu lugar]. Ele está muito preso entre diversas pressões, mas não sei quais seriam as alternativas”, avalia a historiadora Claire Mouradian, especialista no Cáucaso, entrevistada por Romain Lemaresquier, da RFI.

Ierevan culpa a Rússia, um aliado tradicional que deveria garantir o pleno respeito do cessar-fogo desde 2020 e que não interveio. Moscou deve discutir com o Azerbaijão o futuro da sua agora obsoleta missão de manutenção da paz.

(Com informações da AFP)

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