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"Enfraquecer o Afeganistão não é vantagem para ninguém", diz porta-voz dos talibãs

Em entrevista exclusiva à RFI, o negociador e porta-voz do Talibã, Suhail Shaheen, fala sobre o novo poder instalado em Cabul, que o nomeou embaixador do Afeganistão nas Nações Unidas, um fato ainda sem efeito no momento devido à falta de reconhecimento internacional. Shaheen discute ainda o diálogo emergente entre o Talibã e o Ocidente, a situação das mulheres e a ameaça do grupo Estado Islâmico no Afeganistão.

Suhail Shaheen, porta-voz dos talibãs.
Suhail Shaheen, porta-voz dos talibãs. © RFI/Nicolas Falez
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Por Nicolas Falez, correspondente da RFI em Doha

RFI: Nos últimos dias, no Catar, você participou de discussões com representantes norte-americanos e depois europeus. Quais são os resultados desses encontros diretos?

Suhail Shaheen: O primeiro progresso foi que todos perceberam que era melhor dialogar, resolver problemas por meio da discussão e do entendimento. E todos entenderam que a pressão não funcionou e ainda não está funcionando. Então, é melhor nos entendermos, trazer todas as questões para a mesa de negociações para discuti-las e sugerir maneiras de resolvê-las. Claro, você não pode resolver todos os problemas em uma reunião. Mas, em ambos os lados, todos os presentes concordaram em continuar com essas reuniões.

RFI: Mas o reconhecimento da nova potência afegã não parece próximo. Até o Catar, que acolhe e facilita as discussões, não oferece esse reconhecimento.

Suhail Shaheen: O atual governo do Afeganistão deve ser reconhecido internacionalmente. Porque temos o controle de todas as nossas fronteiras, temos soberania sobre o território, temos o apoio do povo do Afeganistão. Esses são os princípios com base nos quais um governo é reconhecido. A antiga administração em Cabul não exerce mais soberania sobre nenhuma parte do território e, portanto, não representa ninguém.

Esperamos ser reconhecidos. Queremos um intercâmbios com as Nações Unidas, com outros países. Porque o inverno rigoroso está chegando e há muitos temas que precisam de cooperação, como ajuda humanitária e outras questões que podem surgir e podem ser resolvidas por meio de intercâmbio e entendimento.

RFI: A nova potência afegã é observada com suspeita, e seus interlocutores parecem exigir ações, e não apenas palavras...

Suhail Shaheen: Dissemos às autoridades europeias e também às dos Estados Unidos: enfraquecer o Afeganistão e seu atual governo não é vantagem para ninguém. Porque se a anarquia reinar no Afeganistão, se o governo for enfraquecido, isso representará problemas de segurança para vocês. Se não controlarmos todo o país, talvez outros grupos venham e sejam contra vocês. Eles vão representar uma ameaça para vocês.

Em segundo lugar, [a anarquia] vai empurrar muitas ondas de refugiados para países europeus e, também, isso não é do interesse de vocês. Mas se formos fortes e formos capazes de fornecer empregos para as pessoas, então você não verá migrantes econômicos chegando. E, além disso, nenhuma outra organização conseguirá recrutar entre a população afegã.

RFI: O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, lamentou "promessas não cumpridas" de sua parte. A comunidade internacional está pedindo aos talibãs ações concretas, especialmente no que diz respeito aos direitos humanos, direitos das mulheres, educação, inclusão do governo, liberdade de movimento. Vocês estão prontos para seguir essas etapas?

Suhail Shaheen: Nossa política é que as mulheres têm direito à educação e ao trabalho, dentro das regras do Islã. A única coisa a respeitar é o hijab [véu islâmico]. Atualmente, 70% das escolas no Afeganistão estão abertas. Em muitas províncias, eles operam do ensino fundamental ao médio. E mais virão.

Com relação à inclusão, membros de todas as etnias no Afeganistão têm o direito de servir no governo. Mas discordamos de países que desejam que uma pessoa em particular, dessa ou outra etnia, esteja no governo. Isso não é inclusão! A inclusão significa que qualquer pessoa com as habilidades e o talento certos pode servir no governo do Afeganistão.

RFI: O Talibã mudou entre sua primeira vez no poder na década de 1990 e hoje?

Suhail Shaheen: Se você está falando sobre pessoas que desejam independência para seu país, que desejam prosperidade para seu povo, que desejam estabelecer um governo islâmico ... então ainda temos o mesmo objetivo. Mas a abordagem é diferente hoje. Porque antes estávamos focados nos assuntos militares, porque tínhamos uma guerra em casa, em Panshir [contra a resistência do comandante Massoud]. Era nossa prioridade. Mas agora nos concentramos principalmente em projetos econômicos, na criação de empregos para nosso povo, essa é a diferença.

RFI: Nas últimas semanas, vimos ataques sangrentos por parte do braço afegão do grupo Estado Islâmico. Vocês podem reverter essa ameaça?

Suhail Shaheen: O povo afegão está nos ajudando a acabar com essa ameaça. Erradicamos ou frustramos muitas tentativas fomentadas pelo grupo do Estado Islâmico no Afeganistão. Eles não foram capazes de atingir instalações militares, mas atacam alvos fáceis, como mesquitas ou encontros. Fora isso, eles não estão em posição de nos confrontar militarmente.

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