Acessar o conteúdo principal

França reforça pressão internacional contra limpeza étnica de uigures pela China

Os alertas pelo mundo vêm crescendo nas últimas semanas em relação às acusações ao governo chinês de limpeza étnica contra a minoria muçulmana uigur, concentrada na região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A França também alerta para denúncias envolvendo campos de doutrinação, trabalho escravo e esterilização forçada.

Várias ONGs protestam em defesa dos uigures, como nessa manifestação em 2019 em Paris.
Várias ONGs protestam em defesa dos uigures, como nessa manifestação em 2019 em Paris. KENZO TRIBOUILLARD / AFP
Publicidade

A ONU e ONGs de diretos humanos já denunciavam em 2018 que cerca de um milhão de uigures e outras minorias muçulmanas estavam retidos compulsoriamente em campos de doutrinação. Na época, a China usou o termo “estagiários” para os retidos, explicando que o objetivo dos centros era impedir a ação de terroristas na região e, ao mesmo tempo, combater a pobreza. 

A embaixada da China em Paris rejeitou na quinta-feira (23), as críticas feitas pela França em relação aos uigures. Na véspera, o ministro das relações exteriores da francês, Jean-Yves Le Drian, condenou as práticas inaceitáveis” da China em Xianjiang e pediu o envio de observadores independentes da ONU à província chinesa.

“A França observa com muita atenção os relatos da imprensa e das organizações de defesa de diretos humanos”, disse Le Drian diante da Assembleia Nacional. “Há relatos de campos de detenção, prisões massivas, desaparecimentos, trabalho escravo, esterilizações forçadas, destruição do patrimônio cultural uigur, principalmente locais de culto, vigilância da população e um amplo sistema repressivo em toda a região” de Xinjiang, acrescentou.

China diz que acusações são "calúnias"

A embaixada chinesa em Paris disse que as autoridades francesas foram induzidas ao erro por causa de “calúnias” espalhadas por países como Estados Unidos, Austrália e Reino Unido.

Um grupo de advogados britânicos de renome também lançou na quarta-feira (22) um apelo contra os abusos contra os uigures e outras minorias turcomanas pela China, pedindo sanções internacionais e pressões sobre Pequim. O ministro das Relações Exteriores britânico, Dominic Raab, já tinha alertado alguns dias antes que os direitos humanos dos uigures estavam sendo violados.

Os Estados Unidos também aprovaram sanções contra a China por causa da perseguição às minorias em junho. Mas em entrevista ao site Axios, Donald Trump admitiu ter suspendido sanções contra a China para fechar um grande acordo comercial. Em seu livro de memórias, o ex-secretário de Segurança Nacional John Bolton diz que Trump chegou a estimular o presidente chinês, Xi Jinping a continuar com a política de campos de doutrinação. Sanções americanas efetivas contra a China por conta das minorias são mais um degrau na escalada recente da tensão entre Estados Unidos e China.

A França e o bloco ainda não se pronunciaram formalmente a respeito. Questionado pela RFI, o senador André Gattolin, do partido LREM, do presidente Emmanuel Macron, declarou que a questão está em discussão em nível europeu. “Vinte e seis países estão dispostos a adotar uma medida. A Hungria tem algumas resistências, mas esperamos poder adotar sanções contra a China sobre a situação uigur até o final do ano”.

Mapa da nacionalidade minoritária dos Uigur  em Xinjiang, no oeste da Chinada e fronteira com a Mongólia.
Mapa da nacionalidade minoritária dos Uigur em Xinjiang, no oeste da Chinada e fronteira com a Mongólia. © Fotomontagem RFI

Denúncias da imprensa internacional

A Rádio França Internacional vem falando da perseguição aos uigures desde 2016. Uma das razões seria o endurecimento das autoridades chinesas contra as minorias muçulmanas após os atentados em Paris, em novembro de 2015. As autoridades chinesas rejeitaram as indicações de um centro de estudos de Washington de que o grupo Estado Islâmico estaria recrutando entre os uigures da China. No ano passado, uma reportagem da RFI falou sobre as ameaças que dissidentes uigures sofriam na França. O tema também foi abordado pelo jornal Libération.

Em recentes reportagens investigativas, o jornal The New York Times mostrou imagens da região e da situação vivida pelas minorias muçulmanas. “Os uigures enfrentam, há três anos, uma campanha abrangente para transformá-los em seguidores obedientes do Partido Comunista, enfraquecer seu compromisso com o Islã e transferi-los de fazendas para fábricas", diz a reportagem

O jornal americano também explica que “aldeias e cidades de Xinjiang estão cercadas por grandes postos de controle da polícia, que usam scanners de reconhecimento facial para registrar as pessoas que vão e vêm”.

O New York Times também denunciou o uso de uigures na fabricação de máscaras PPE, “obrigados a aprender mandarim e jurar lealdade à China em cerimônias semanais”. ONGs como o Laboratório de Investigações de Direitos Humanos da Universidade da Califórnia e o Projeto de Direitos Humanos Uyghur também recolheram vídeos e testemunhos em redes sociais que corroboram a transferência de minorias para trabalhar na indústria.

Marcas famosas e Covid-19

Em março deste ano, o Instituto Australiano de Estratégia Política (ASPI) denunciou que entre 2017 e 2019, mais de 80.000 uigures foram transferidos para fábricas que "pertencem à cadeia de abastecimento de 83 marcas conhecidas mundialmente nas áreas de tecnologia, têxteis e na indústria automobilística". Entre as marcas citadas na denúncia estão grandes nomes da eletrônica (como Apple, Sony, Samsung, Microsoft, Nokia), do setor têxtil (Adidas, Lacoste, Gap, Nike, Puma, Uniqlo, H&M, entre outras) e montadoras (BMW, Volkswagen, Mercedes-Benz, Land Rover, Jaguar).

A região de Xinjiang enfrenta ainda uma segunda onda de contaminações pelo novo coronavírus. Treze novos casos de Covid-19 foram confirmados na quinta-feira (23). Segundo as autoridades, os casos foram transmitidos localmente. Outros 19 casos assintomáticos foram registrados. Uma operação massiva de testes foi adotada na capital, com mais de 2 milhões de habitantes. 

Dois homens da etnia uigur no centro de Urumgi, na província de Xinjiang, em foto de 1° de novembro de 2013.
Dois homens da etnia uigur no centro de Urumgi, na província de Xinjiang, em foto de 1° de novembro de 2013. REUTERS/Carlos Barria

Quem são os uigures?

Segundo dados oficiais da China, há mais de 12 milhões de uigures no país, a maioria na província de Xianjiang.

Os prováveis ancestrais dos uigures são tribos nômades da Mongólia que se fixaram na região. Por volta do século XVII, eles se converteram ao Islã e fundaram o Reino Islâmico Uirgur do Turquestão Oriental. O território foi incorporado em 1949 à nova República Popular da China.

Pequim então deu início a uma política de incentivo à migração para a região, e a proporção de chineses da etnia han aumentou de 6% em 1949 para 41,5% em 1976, segundo dados da ONG Human Rights Watch. 

A região obteve uma relativa liberalização nos anos 1980, e Xinjiang pôde se tornar uma região autônoma. Mas o incentivo à migração continuou. Nos anos 1990, 1,2 milhão de pessoas se instalaram na província. 

 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.