Acessar o conteúdo principal

Enquanto países relaxam quarentena, pairam incertezas sobre o coronavírus no âmbito científico

Em todo o mundo, governos relaxam as medidas da quarentena impostas para barrar a propagação do novo coronavírus. Lojas e comércios reabrem suas portas e empresas recebem seus empregados de volta. Nas ruas, a população expressa a ansiedade sobre a retomada à normalidade. Entretanto, o mundo está longe de poder voltar a ser o que era antes, especialmente diante da ausência de um tratamento eficaz ou de uma vacina contra a Covid-19.

A imunidade contra um vírus costuma ser apreciada pela quantidade de anticorpos capazes de bloquear sua ação presentes no soro. No caso da Covid-19, virologistas franceses dizem que ainda há muitas incertezas.
A imunidade contra um vírus costuma ser apreciada pela quantidade de anticorpos capazes de bloquear sua ação presentes no soro. No caso da Covid-19, virologistas franceses dizem que ainda há muitas incertezas. REUTERS - Rupak De Chowdhuri
Publicidade

“Nenhum medicamento trouxe resultados suficientes para que possamos utilizá-lo em massa”, lembrou o ministro da Saúde, Olivier Verán, nesta segunda-feira (11). Mesmo assim, a França iniciou hoje a primeira etapa do fim da quarentena, reabrindo lojas, parte das escolas e milhares de pessoas retornando ao trabalho. Em Paris, os transportes públicos lotaram desde cedo e a medida de distanciamento físico não pode ser respeitada por muitos passageiros.

Antes mesmo do aguardado 11 de maio, as autoridades já registravam um aumento das contaminações por coronavírus. Em entrevista ao canal BFMTV, o ministro revelou que há novos focos da doença em Vienne, no sudeste, na região da Dordogne, no sudoeste, e em Clamart, na região parisiense.

“Eu não diria que me preocupa, eu diria que isso não me surpreende. É por isso que dizemos que o fim do confinamento não é uma volta à normalidade e que deveremos viver com o vírus”, afirmou.

Entre 3 mil e 4 mil contaminações por dia

A mensagem do governo francês é clara: nenhuma garantia ou previsão pode ser prometida neste momento sobre a evolução da pandemia. Segundo dados da Direção Geral da Saúde, 8.674 pessoas testaram positivo ao coronavírus entre 1° e 9 de maio na França, enquanto o país ainda obedecia à quarentena. Apesar do confinamento, das medidas de distanciamento físico e do uso de máscara por parte da população, entre 3 mil e 4 mil contaminações aconteceram por dia, calcula a agência Saúde Pública da França.

“Vamos começar a relaxar as medidas de confinamento com as cadeias de contaminação ainda ativas e um conhecimento muito grosseiro do que acontece. Não temos um balanço sobre a situação das casas de repouso para idosos, nem sobre os hospitais e não conhecemos em quais condições os novos infectados se contaminaram, quando esse período deveria nos permitir de analisar bem todos esses pontos. Não houve uma verdadeira estratégia de saúde pública para que haja sucesso na saída da quarentena”, afirma ao jornal Le Monde Anne-Claude Crémieux, professora de Infectologia no Hospital Saint-Louis, em Paris.

Apesar de 90 projetos de vacinas estarem sendo desenvolvidos por pesquisadores em vários países, calcula-se que ao menos dois anos seriam necessários até que um tratamento pudesse começar a ser utilizado. Outros coquetéis e medicamentos para outras doenças também vêm sendo testados contra o coronavírus, mas mesmo que alguns apresentem resultados positivos em alguns pacientes, ainda precisam de pesquisas mais aprofundadas para que sua eficácia possa ser comprovada para o uso geral.

Segredos e mistérios da pandemia

Há quatro meses, pesquisadores trabalham dia e noite para tentar compreender as especificidades do coronavírus, mas a comunidade científica ainda está longe de decriptar todos os segredos da doença. Várias questões continuam em suspenso, como, por exemplo, o papel das crianças como vetores da Covid-19.

Os especialistas reconhecem que menores desenvolvem formas menos graves do coronavírus. No entanto, nas últimas semanas, hospitais europeus revelaram que algumas crianças contaminadas pelo coronavírus também desenvolveram sintomas da Síndrome de Kawasaki. “A avaliação do papel das crianças [como vetores da Covid-19] durante o fim do confinamento é muito incerta”, reconhece a agência Saúde Pública da França em um documento publicado no início de maio.

O calor pode matar o vírus? Desde o início da pandemia, várias fake news circulavam afirmando que a Covid-19 não afetaria os países que registram altas temperaturas. O próprio presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que a doença deixaria de se ser propagada no país com o início do verão no Hemisfério Norte. Um estudo publicado por cientistas vinculados ao governo americano também concluiu que a luz solar, aliada à umidade, poderia enfraquecer o vírus.

No entanto, com o clima quente e úmido, o estado do Amazonas, no norte do Brasil, é um dos mais castigados pelo coronavírus no país. Segundo cientistas da Universidade de Pequim, que analisaram os dados das contaminações em mais de 160 países, a temperatura e a umidade podem ter um efeito, com uma diminuição de 1,5% a 4,6% no número de casos a cada grau a mais e uma redução de 0,5% a 1,2% a cada aumento de 1% na umidade. Mas, segundo a pesquisa, isso não invalida a necessidade de medidas para controlar as fontes de infecção e bloquear as transmissões.

É o que atestam cientistas da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Em um estudo publicado na plataforma Medrxiv.org, eles divulgam resultados de simulações que mostram que o número de casos pode aumentar na ausência de medidas de controle da doença. Em outro levantamento publicado por uma equipe brasileira em 27 de abril, especialistas afirmam que há poucas evidências, até o momento, que as condições climáticas tenham efeitos expressivos sobre o vírus.

A verdadeira eficácia das medidas contra o coronavírus

“Muitos pediatras dizem que há mais riscos para as crianças ficando em casa do que indo à escola”, afirmou o ministro francês da Educação, Jean-Michel Blanquer à rádio Europe 1 nesta segunda-feira. A declaração surpreendeu a população, que cumpriu 55 longos dias de confinamento.

Segundo modelizações realizadas por uma equipe da Escola de Altos Estudos da Saúde Pública da França, o confinamento permitiu evitar cerca de 62 mil mortes no país, permitindo reduzir as hospitalizações em 87,8% e as entradas nas UTIs em 90,8%. No entanto, estudos divulgados na semana passada mostram que as medidas de quarentena apenas retardariam as contaminações, com a possibilidade de que a volta progressiva à normalidade resulte em uma segunda onda da doença, talvez mais intensa do que a primeira.

A eficácia da utilização de máscaras também é algo que divide a comunidade científica e o próprio público. Entre a população francesa foi a mudança de discurso do governo que incitou dúvidas. No início da pandemia, autoridades afirmavam que o material deveria ser de uso exclusivo dos trabalhadores da saúde, indicando que a utilização pela população poderia ser até mesmo algo contra-produtivo, já que uma série de regras precisa ser respeitada para o uso correto das máscaras. Semanas depois, na falta do equipamento, o governo chegou a recomendar que as pessoas fabricassem em casa o acessório que agora se tornou obrigatório nos transportes públicos da França.

“Levando em consideração o possível papel dos assintomáticos na transmissão da Sars-Cov-2, o uso sistemático de uma máscara pode contribuir a reduzir a transmissão”, afirma um comunicado da agência de Saúde Pública da França divulgado em 5 de maio. O órgão atenta, no entanto, ao “sentimento de falsa segurança" que pode gerar o uso deste equipamento, lembrando a importância das medidas de higiene e do distanciamento físico.

Até onde funciona o distanciamento físico?

Até mesmo sobre a propagação do vírus devido à proximidade entre as pessoas pairam dúvidas. As recomendações variam entre cada país: a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um metro, a Itália, dois metros; nas empresas da França, os espaços de trabalho para cada funcionário devem ter, no mínimo, quatro metros quadrados. Afinal, qual é a verdadeira distância de segurança entre os indivíduos?

O objetivo de reduzir a proximidade é diminuir os riscos de contaminação do coronavírus, transmitido, essencialmente, de pessoa a pessoa, especialmente por “gotículas respiratórias produzidas quando uma pessoa infectada tosse, espirra ou fala”, diz o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos. Mas o vírus também pode se propagar através das mãos, das fezes, ou por intermediários, como superfícies onde o Sars-Cov-2 pode sobreviver durante várias horas.

Ou seja, nada garante que a distância de um ou dois metros entre os indivíduos os proteja completamente da doença: não há nenhuma certeza, até o momento, que partículas virais não possam ser encontradas além desse limite. Ao contrário, uma pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Massachussetts, divulgou recentemente um estudo que mostra que gotículas de saliva contendo agentes patógenos podem ser transportadas pelo ar por uma distância de até 8 metros.

Por isso, todo cuidado é pouco. “Evidentemente, é preciso ser prudente”, resumiu o ministro francês da Educação, Jean-Michel Blanquer. Segundo ele, “o risco zero não existe”, seja nas escolas, nas ruas ou até mesmo dentro de casa.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.