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As pessoas vão se aproximar depois de ter lutado contra um inimigo comum, o coronavírus, diz psicólogo britânico

Mais de dois bilhões de pessoas estão em quarentena mundo afora. Ainda não há prazo determinado para o fim do confinamento imposto pela pandemia do coronavírus. Novas regras de convivência devem surgir desta experiência. Para o chefe do Departamento de Psicologia da Universidade de Warwick, Robin Goodwin, as pessoas devem se aproximar e se procurar mais. Ele acha até que os casamentos podem sair fortalecidos.

Moradores de Londres no Greenwich Park olhande para o distrito Canary Wharf em 22 de março de 2020.
Moradores de Londres no Greenwich Park olhande para o distrito Canary Wharf em 22 de março de 2020. REUTERS - Simon Dawson
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Correspondente da RFI em Londres

À RFI, o professor diz que as novas tecnologias ajudam as pessoas a criar vínculos, mas lembra que é preciso cuidado para evitar usar as comunicações para disseminar o pânico. E que a paranoia é sempre um perigo. A seguir, trechos da entrevista.

- Os relacionamentos vão mudar daqui para frente? Entre famílias e amigos, por exemplo? Já há pessoas silenciando grupos de WhatsApp para evitar confusão.

Não há dúvida de que os relacionamentos vão mudar durante este processo de confinamento, ainda que o período e as condições específicas variem. Haverá inevitavelmente tensões. E muitas das tensões já existentes sem dúvida devem ser amplificadas por essas estranhas condições. Ao mesmo tempo, existe uma oportunidade para o crescimento dos relacionamentos — ninguém é culpado pelo vírus e, por esta razão, as pessoas tendem a desenvolver mais proximidade com as redes de familiares e amigos. Muitas mensagens de WhatsApp são de apoio e as pessoas vão ter tempo para fazer contatos com quem não tinham a oportunidade ou tempo de falar antes (algumas vezes simplesmente por estarem ocupadas demais). Compartilhar um destino é muito importante para aproximar as pessoas, e agora, elas têm um inimigo comum, o vírus.

- Antes, as pessoas nem percebiam a importância do contato físico. Agora, há sempre uma engenhoca eletrônica entre nós. Será que isso não nos fará sentir solitários ou deprimidos?

Muitos aparelhos eletrônicos de fato permitem maior proximidade. Historicamente, sempre houve uma desconfiança sobre novas tecnologias e relacionamentos, do telefone ao trem a vapor. Na verdade, durante esses tempos difíceis, são elas que ajudam a comunidade a criar vínculos, na medida em que se tenha acesso a eles. Posso dar o exemplo do nosso Departamento, onde todos organizamos pausas virtuais do café em grupo todos os dias, a despeito do fato de todos nós estarmos em países diferentes neste momento. Isso não poderia ser feito sem essas máquinas. Ao mesmo tempo, temos de cuidar para que as comunicações por mídias sociais etc. não potencializem os temores de quem já está sofrendo de ansiedade. Temos de divulgar mensagens de apoio e afeto e não apenas de pânico. E temos de nos certificar em particular de que estamos checando a veracidade dos fatos para evitar passaria rumores adiante — tanto no que diz respeito às informações que consumimos quanto às que lemos e compartilhamos.

- Então as pessoas devem se procurar com mais frequência daqui em diante?

Certamente esse será o caso de algumas interações. As pessoas vão depender mais das outras, não apenas atrás de apoio emocional, mas de informações (será que o supermercado vai estar aberto? Está faltando comida lá?) e de ajuda mesmo (entregas de alimentos em casa para os mais vulneráveis). Isso vai significar interações mais frequentes com um grupo de pessoas. Haverá, por outro lado, menos interações casuais no ambiente de trabalho ou em outros grupos sociais que se encontrem com certa frequência. Mas suspeito que mesmo entre essas pessoas, em alguns casos, vão continuar acontecendo, mas de maneira mais virtual.

 

O chefe do Departamento de Psicologia da Universidade de Warwick, Robin Goodwin, diz que neste período de coronavírus as pessoas devem se aproximar e se procurar mais.
O chefe do Departamento de Psicologia da Universidade de Warwick, Robin Goodwin, diz que neste período de coronavírus as pessoas devem se aproximar e se procurar mais. © Foto: Arquivo Pessoal

- E os casamentos. Será que resistem a uma convivência prolongada em confinamento 24 horas por dia?

Essa é uma pergunta interessante. Tenho lido histórias sobre aumento de pedidos de separação na China, mas a ciência que explica isso ainda me parece vaga. Não sabemos se essas pessoas já viviam situações difíceis, com problemas que se acumulavam por algum tempo, ou se foi uma questão de os cartórios terem ficado fechados por um tempo mais longo, e, mais importante, o que vai acontecer com o tempo. Temos coletado dados preliminares sobre relações íntimas na China no último mês baseados em uma amostra de mais de mil pessoas pelo país. Na verdade, mais pessoas relataram que seus relacionamentos melhoraram pelo menos um pouco durante o coronavírus do que as que disseram que pioraram. Lembre-se de que os casais precisam superar juntos esse momento — estão ambos vulneráveis se um for contaminado. Suspeito que, para os casais que já tinham problemas, viver mais próximo é estressante e pode piorar as coisas. Mas a situação geral não é tão ruim para os relacionamentos quanto parece. Na verdade, trabalhos em outras áreas (por exemplo, onde tenham havido desastres naturais) também mostram que o número de divórcios não aumentou durante o período de tensão.

- Quais serão os efeitos colaterais do confinamento?

Haverá os impactos sobre os relacionamentos, como mencionei, mas, claro, ao mesmo tempo os efeitos econômicos. Isso pode desencadear problemas mais para frente, quando as pessoas perderem seus empregos. Isso é sempre uma grande fonte de estresse. Tudo dependerá do período do confinamento, do apoio econômico oferecido pelos governos, do entendimento e apoio dos empregadores.

- Como evitar o pânico?

A maneira de evitar o pânico é reconhecer que temos algum controle sobre nos deixar contaminar ou não, ao mesmo tempo em que devemos tomar cuidado para não culpar aqueles que são contaminados (o vírus não escolhe as pessoas mau caráter ou de alguma maneira irresponsáveis!). O controle é: a) lavar as mãos com sabão (água quente ou fria); b) distanciamento social; c) evitar sair de caso exceto em caso e necessidade (comprar a quantidade suficiente de alimentos, não sair para comprar um par de tênis novos, etc.); d) cuidar para que, se você for contaminado, manter-se longe dos outros, ou ficar longe de quem está contaminado; e) desinfetar superfícies o máximo possível; f) arejar os cômodos da casa o máximo possível. É importante passar adiante a informação de que as pessoas devem evitar o contato próximo com os outros ou tocar superfícies fora de casa, já que o vírus pode viver durante 72 horas em uma superfície.

- A paranoia pode ser um efeito colateral disso tudo, não?

Infelizmente, a paranoia raramente é positiva! Pode levar ao preconceito com indivíduos ou grupos em particular, com os chineses (mesmo que a China parece estar se recuperando relativamente bem). Pode também levar à compra pelo pânico, ou a uma sensação de impotência (as pessoas que pensam: 'eu não tenho como saber se vou pegar ou não vírus, então, por que tomar precauções?'). Em muitos países, pessoas moram em cômodos pequenos que podem ser compartilhados, o que torna mais difícil evitar o contato próximo. No entanto, se todos ali tomaram as precauções devidas é possível reduzir o risco de contágio.

- Qual a importância de fazer exercícios fora ou dentro de casa?

Não sou especialista nessa área, mas sei que fazer exercícios é importante tanto para saúde mental, quanto física. Se as pessoas não conseguirem sair, ainda assim é importante que sintam que têm algum controle sobre a sua saúde ao fazer exercícios. Também ajuda dormir bem (o que é sempre difícil em momentos de estresse). Se você puder se exercitar do lado de fora considerando as limitações do confinamento (por exemplo, evitar o risco de se aproximar das pessoas e minimizar o contato com superfícies externas), aí é claro que é bom se exercitar do lado de fora. Mas dentro de casa é bom também

- Quão egoístas, ou não, as pessoas podem se tornar neste momento?

Quando as pessoas estão ansiosas em relação a sua saúde, elas naturalmente tendem a tomar atitudes para minimizar seus próprios riscos e isso pode incluir um comportamento egoísta, como, por exemplo, acumular alimentos ou equipamentos de proteção, como máscaras. Ao mesmo tempo, podemos ver um grande número de ações altruístas — pessoas que saem do seu caminho para ajudar os vulneráveis, ou que doam tempo e dinheiro para quem precisa, etc. Há histórias extremamente comoventes. Nosso vizinho de porta está em alguns grupos de voluntários para ajudar as pessoas vulneráveis que começaram já na semana passada. Isso está acontecendo em todo o país. Pelo que vejo, muitas iniciativas têm sido mais para gentis e generosas do que egoístas.

 

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