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Linha Direta

Protestos no Líbano completam 100 dias com políticos resistindo à pressão das ruas

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Os protestos populares no Líbano completaram 100 dias no último sábado (26), com o movimento dividido a respeito dos rumos da contestação. Os libaneses denunciam a incompetência e a corrupção dos dirigentes políticos que conduziram o país a uma grave crise econômica.

Cenas de violência marcaram a manifestação ocorrida em 22 de janeiro em Beirute, um dia após a nomeação do novo governo.
Cenas de violência marcaram a manifestação ocorrida em 22 de janeiro em Beirute, um dia após a nomeação do novo governo. REUTERS/Aziz Taher
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Tariq Saleh, correspondente da RFI em Beirute

Nos últimos dias, a violência tomou conta de algumas cidades libanesas, incluindo a capital, Beirute, em repúdio ao governo formado na terça-feira (21). O novo gabinete é composto por ministros independentes, mas indicados pelos partidos políticos tradicionais.

As manifestações iniciadas no dia 17 de outubro paralisaram o país. Doze dias mais tarde, o governo chefiado pelo então primeiro-ministro, Saad Hariri, renunciou, mergulhando o país num período de incertezas. A euforia dos primeiros dois meses de protestos deu lugar a um sentimento de frustração. Antes unidos no objetivo de remover do poder uma classe política que governa o país desde o final da guerra civil libanesa (1975-1990), muitos grupos integrantes dos protestos civis demonstram, agora, sinais de divisão.

"Esta revolta popular teve um início avassalador e que pegou muitos políticos de surpresa. Você via famílias inteiras protestando juntas contra todos os políticos de todos os partidos. Este foi um movimento que uniu diversos grupos sectários, religiosos e classes sociais de todas as idades, algo que nunca se viu nas últimas décadas", disse à RFI o jornalista libanês Timour Azhari, que vem cobrindo os protestos desde seu início.

As principais exigências dos manifestantes eram o fim do sistema político sectário, uma nova lei eleitoral, eleições parlamentares antecipadas e um novo governo tecnocrata, além de melhores serviços e combate à corrupção. No entanto, com o passar do tempo, as pessoas sentiram os efeitos da crise econômica, com o fechamento de empresas, demissões, corte de salários e aumento da inflação. A violência que se vê agora, após 100 dias de manifestações geralmente pacíficas, é um reflexo da falta de interesse dos políticos em escutar as reivindicações e anseios da população, estima Azhari.

"As pessoas se deram conta de que a situação econômica é tão ruim que elas quase não conseguem sobreviver e isso criou uma nova revolta contra a elite política do país”, destaca o repórter. Na medida em que as exigências não foram atendidas, as pessoas passaram a extravasar a revolta, explica Azhari. Ante a nomeação de um governo em que os ministros foram selecionados pelos mesmos partidos, os libaneses questionam: “Vocês não estão nos levando a sério? Nós tentamos o protesto pacífico, então agora devemos ser agressivos".

A violência partiu também de simpatizantes de partidos políticos como o Hezbollah e aliados, incluindo a legenda do presidente Michel Aoun. Além disso, a polícia é acusada de usar força excessiva e de realizar prisões arbitrárias. Ativistas acusam os partidos políticos de infiltrar agitadores durante os protestos para enfraquecer a revolta popular.

Caminho político

Na falta de luz no fim do túnel, surgiu uma divisão entre grupos envolvidos nos protestos. Alguns insistem que a solução é continuar bloqueando instituições e defendem a desobediência civil como forma de pressionar o governo. Mas, de acordo com Azhari, muitos ativistas já discutem alternativas para um encaminhamento político do movimento.

"Com pouco mais de 100 dias de protestos, as pessoas se deram conta de que elas devem transformar esse processo das ruas em um movimento político, o que significa vencer eleições. As próximas eleições no Líbano serão em dois anos”, destaca Azhari. Daqui até lá, o desafio será estruturar a alternância política.

Até agora, os protestos no Líbano se caracterizaram pela descentralização e pela ausência de líderes proeminentes, porém com manifestantes unidos em torno de um objetivo em comum. Entre os grupos participantes das manifestações, há dois pequenos partidos políticos apontados como seculares e independentes, formados há poucos anos, e que já vinham disputando eleições recentes.

Governo sob pressão

É consensual entre analistas a avaliação de que o novo governo tem uma tarefa árdua pela frente: resolver a crise econômica, prioridade número um da população. O Líbano tenta há meses receber um pacote de ajuda de países ocidentais, mas a injeção financeira tem sido condicionada a reformas, principalmente de combate à corrupção.

Os governos libaneses recentes se caracterizaram por serem de união nacional entre os principais partidos, porém divididos quanto às reformas. O novo gabinete é formado em sua maioria por ministros apoiados por um grupo político aliado do Hezbollah.

O analista político Mohanad Hage Ali, do Centro Carnegie para o Oriente Médio, aponta caminhos para o governo recuperar a credibilidade.

"O novo governo poderia implementar reformas que foram listadas na conferência de ajuda financeira como condição para receber os fundos provenientes do exterior e, assim, aliviar a pressão sobre a moeda corrente, que vem sofrendo uma depreciação, e também sobre a inflação, que aumenta rapidamente no país. Recebendo esses recursos, eles poderiam aumentar os investimentos, criar mais empregos e aliviar a pressão sobre os mais pobres."

No entanto, pondera Hage Ali, enquanto alguns ministros são realmente independentes, a maioria é filiada aos partidos políticos que os indicaram. Esta circunstância poderá ser um obstáculo para reformas que deveriam investigar a corrupção desses mesmos partidos e políticos.

"A afiliação política de membros do governo é basicamente uma barreira para implementar as reformas por uma razão muito simples: se você vai exigir que haja mais prestação de contas, isso significa que você irá atrás dos políticos libaneses", acredita.

Porém, nem todos os analistas veem o horizonte com pessimismo. Para Nadim Farjallah, especialista em economia e corrupção na Universidade Americana de Beirute, o fato de o governo ser relativamente apoiado por um campo político não pode ser visto como uma desvantagem.

"Isso na verdade é uma vantagem para o governo, porque ao menos não deverão haver divergências internas. Devem ocorrer discussões normais e isso poderá acelerar uma ação mais concreta e maior responsabilidade", conclui.

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