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Bolsonaro na Índia

Jair Bolsonaro e Narendra Modi: dois líderes populistas em busca da relevância perdida

O presidente Jair Bolsonaro desembarca neste sábado (25) na Índia, com a expectativa de aprofundar as parcerias com o país asiático, em especial comerciais. Apesar da enorme distância geográfica e das diferenças culturais, a aproximação de Brasília e Nova Délhi é conveniente para os líderes dos dois países, que perderam relevância internacional.

Presidente Jair Bolsonaro fará visita oficial à Índia a partir do próximo sábado (25).
Presidente Jair Bolsonaro fará visita oficial à Índia a partir do próximo sábado (25). REUTERS/Adriano Machado
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“Há semelhanças complicadas entre Bolsonaro e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi”, nota Karin Vazquez, professora associada da Jindal Global University, de Nova Délhi, e pesquisadora do Centro de Estudos dos Brics da universidade chinesa de Fudan.

Enquanto, no Brasil, Bolsonaro exalta o período da ditadura e levou ao Planalto uma vasta cúpula de militares, na Índia a principal força do premiê Narendra Modi vem do movimento RSS, admirador de Adolf Hitler e propagador da supremacia hindu. “É um paralelo triste, porque são dois países que sempre exerceram uma liderança global, em especial no âmbito da ONU, nas áreas ambiental e de desenvolvimento humano e social. Mas vemos essa liderança em xeque, à medida em que tomam uma direção bastante à direita e enfrentam contestações devido a tantas polêmicas”, pontua Vazquez.

Reação à globalização

O economista Jean-Joseph Boillot, especialista em potências emergentes e pesquisador-associado do Instituto de Pesquisas Internacionais e Estratégicas (IRIS), de Paris, avalia que a emergência de Bolsonaro e Modi é um reflexo dos efeitos negativos da globalização nos anos 1990 e 2000. “Estamos vivendo um ciclo pós-globalização e a chegada ao poder de neofascistas, inclusive no Brasil, é ligada a isso. São países que foram duramente atingidos – e como sociais democratas como Lula e o Partido do Congresso de Gandhi estavam no comando no auge da globalização, agora são apontados como os responsáveis de todos os males”, analisa.

Premiê indiano, Narendra Modi, não abre mão de nova lei da cidadania indiana, que restringe acesso a muçulmanos.
Premiê indiano, Narendra Modi, não abre mão de nova lei da cidadania indiana, que restringe acesso a muçulmanos. PRAKASH SINGH / AFP

O mundo globalizado, sustenta Boillot, acelerou o crescimento econômico dos países que formam o grupo do Brics. O problema, argumenta, é que o fenômeno também resultou num processo acentuado de desindustrialização tanto na Índia quanto no Brasil, que se traduz em desemprego em massa, em especial entre os jovens.

 “Muito se especulou sobre o fim do Brics com o pretexto de que havia um antagonismo entre dois campos: de um lado, os regimes autoritários, representados por China e a Rússia, e do outro os regimes democráticos, com o Brasil, a Índia e a África do Sul. A verdade é que não é tão simples assim”, explica o pesquisador francês. “Por uma coincidência da história, há uma aproximação muito significativa entre não apenas as personalidades de Bolsonaro e Modi, dois populistas autoritários, como há uma tendência de fundo nas sociedades brasileira e indiana”, afirma o autor de Chindiafrique. Ele ressalta que o livro de Adolf Hitler, Mein Kampf, “agora é encontrado em qualquer banca na Índia”.

“Minipotências” unidas

A aproximação entre Brasília e Nova Délhi é também uma maneira de ambos se reforçarem como “minipotências”, espremidas entre os Estados Unidos, do lado ocidental, e a China e a Rússia, pelo Oriente. “Neste ciclo político atual, com um mundo multipolarizado e que vive a pós-globalização, minipotências como Índia e Brasil querem cooperar mais para aumentarem a própria autonomia, garantirem uma certa independência econômica e tecnológica das grandes potências e terem mais poder de negociação internacional”, afirma o especialista.

É por isso, frisa Boillot, que o continente africano também está na mira do governo Bolsonaro. Em dezembro, o chanceler Ernesto Araújo realizou um giro africano, que incluiu visitas a Cabo Verde, Senegal, Nigéria e Angola.

“Como ele está marginalizado, inclusive pelos Estados Unidos, a prioridade de Bolsonaro é sair do isolamento, assim como Modi. A África se transforma em um continente importante nessa lógica”, indica o pesquisador.

Mercado limitado para o Brasil

Ao mesmo tempo em que a Índia representa um mundo de oportunidades comerciais para o Brasil, o modelo de crescimento pouco inclusivo do país é uma barreira importante, ressalta Vazquez. O resultado é que o mercado consumidor é limitado: a Índia ainda tem 600 milhões de miseráveis, 60% da população não tem acesso a saneamento básico e ainda menos pessoas podem comprar carne, o principal produto de exportação brasileira.

“Ao mesmo tempo em que desenvolve tecnologias de ponta e investe em lançamentos de satélites, a Índia é um país que tem muitas carências em questões sociais e até em inclusão financeira, com mais de 80% da população de fora do sistema bancário”, lembra a pesquisadora, autora de Relações Brasil-Índia: além dos 70 anos.

 

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