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Sistema orwelliano

China chega à fase final de sistema de avaliação de cidadãos e preocupa Ocidente

Em fase experimental em algumas regiões da China desde 2014, o teste do "sistema de crédito social" termina em 2020 e, depois disso, será implementado por todo o país. Acusado de ser mais invasivo que a Revolução Cultural de Mao, o sistema de supervigilância digital preocupa os ocidentais pois também atinge empresas estrangeiras presentes no mercado chinês.

O reconhecimento visual feito pelas câmeras espalhadas por diversas cidades chinesas torna ainda mais preocupante o sistema de créditos pessoais.
O reconhecimento visual feito pelas câmeras espalhadas por diversas cidades chinesas torna ainda mais preocupante o sistema de créditos pessoais. REUTERS/Aly Song
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Por Joris Zylberman, da RFI France.

Os chineses não têm uma "tv" com um Big Brother controlado por Xi Jinping. O objeto aterrorizante inventado por George Orwell em seu romance de 1984 torna possível controlar as ações de cada cidadão. Isso não existe na China. Ainda não.

No entanto, o Ocidente identificou imediatamente a classificação dos cidadãos chineses como um "sistema orwelliano" e sentiu a distopia tecnológica da série “Black Mirror” muito próxima da realidade. O sistema assusta porque vemos nele um espelho do nosso futuro: a classificação já não é onipresente no comércio eletrônico e na economia compartilhada?

Como isso funciona exatamente?

Em 2014, Pequim lançou um experimento sob o nome de "sistema de crédito social", que ainda está em andamento. A ideia original era verificar a "credibilidade" de cidadãos e empresas.

O sistema "consiste em dar aos cidadãos, funcionários públicos e empresas uma nota representando a confiança que eles merecem", disse Séverine Arsène, editora do Asia Global Institute da Universidade de Hong Kong. A ideia é coletar centenas de dados sobre indivíduos e empresas, desde a capacidade de manter seus compromissos comerciais até o comportamento nas redes sociais, incluindo a conformidade com as leis de trânsito."

Mais de 40 governos locais participam hoje dos testes do sistema. Ao mesmo tempo, meia dúzia de empresas comerciais, como os gigantes chineses da web Alibaba e Tencent, operam seu próprio sistema experimental, que é mais parecido com o de uma agência de classificação em Wall Street do que com uma avaliação do Partido Comunista de Pequim.

O final do experimento está planejado para o decorrer de 2020. Depois disso, o sistema deve ser generalizado em escala nacional.

No entanto, muitas questões permanecem: será possível criar uma plataforma unificada e operacional para registrar 1,4 bilhão de chineses? O governo de Pequim escolherá uma rede de plataformas locais que terá acesso irrestrito?

Um sistema local e fragmentado

Ainda não existe uma lei nacional que regule o crédito social. A prefeitura de Xangai, além de quatro províncias, Zhejiang, Hebei, Hubei e Shaanxi, estabeleceram seus próprios regulamentos locais. Por exemplo, Zhejiang e Xangai estabeleceram limites para a coleta de dados pessoais, excluindo crenças religiosas, código genético, impressões digitais, tipo sanguíneo e histórico médico. Mas este não é o caso em outros lugares.

O governo chinês está surfando na raiva dos chineses diante de falsificações, alimentos tóxicos, leite para bebê contaminado, corrupção de autoridades locais... Há uma óbvia "crise de confiança" na sociedade chinesa. A mensagem oficial é: o crédito social existe para conter isso.

Como? Colocando aqueles que não merecem confiança em uma "lista negra". Na mira, os maus pagadores, mas também aqueles que não respeitam as regras da vida comunitária, incluindo atravessar fora das faixas de pedestre ou comer no metrô. É aqui que entra o reconhecimento facial feito pela enorme rede de vigilância por vídeo das cidades chinesas.

Vigiar e punir
A punição varia da humilhação pública ao acesso negado a empregos públicos, ao envio de crianças para uma escola particular, à compra de passagens de avião ou de trem em assentos confortáveis para viagens longas.

Os cidadãos com melhor classificação graças à sua "sinceridade social" aparecem em uma "lista vermelha". Com "confiabilidade" exemplar, eles pagam suas contas e impostos no tempo certo. Em algumas cidades, eles ganham pontos por prestar serviços comunitários ou doar sangue.

Para os "vermelhos", o prêmio varia de acordo com a experiência: acesso prioritário a ofertas de emprego na Tencent, descontos em smartphones via Alibaba, cupons para descontos no site de comércio eletrônico TMall (de propriedade da Alibaba) ou noites gratuitas em hotéis para viagens patrocinadas pela AliTravel.

O estado chinês também pode compartilhar dados "vermelhos" com empresas digitais para dar-lhes "benefícios". A exemplo da parceria com Didi Chuxing, peso pesado chinês de mobilidade compartilhada: os mais bem classificados terão descontos para alugar um veículo ou uma prioridade para reservar um táxi.

"Esse sistema lembra o dang'an, o arquivo individual mantido pela unidade de trabalho durante o período maoísta", observa a especialista em China Séverine Arsène. “Mas difere fundamentalmente dela por sua vocação a ser uma informação exibida, pelo indivíduo ou pela empresa, assim como por seus amigos e contatos profissionais."

23 milhões proibidos de viajar

De acordo com um relatório de março de 2019 publicado pelo Centro Nacional de Informações sobre Crédito Público, nada menos que 23 milhões de chineses com “classificação ruim” foram proibidos de viajar pelos tribunais: 17,5 milhões de passagens aéreas canceladas e 5,5 milhões de assentos de trem recusados.

Alguns intelectuais acendem o alarme. No Legal Daily, um professor de direito da Universidade Canton Sun Yat-sen, em Guangzhou, pediu para que o sistema de crédito social seja conectado às leis chinesas ou ele corre o risco de "danificar o ambiente jurídico do país".

Motivo de preocupação

Embora o sistema de crédito social ainda não esteja totalmente desenvolvido, seu potencial é assustador. Entre os critérios indicados pelo governo em 2014, o sistema de crédito social deve servir para "fortalecer os valores socialistas e a moral cívica", em particular por meio da "educação e cultura". Os opositores ou internautas que criticam o regime, acusados ​​de "espalhar boatos", estão condenados a fazer parte da "lista negra".

A China pode se tornar uma "ditadura digital" mais feroz que a China maoísta durante a Revolução Cultural? Já está feito, denunciam os dissidentes.

Outros alertam para uma possível deriva, como em Xinjiang, onde o sistema de vigilância baseado em big data, combinado com campos de internamento, permite controlar a população muçulmana uigure.

No futuro imediato, a preocupação dos ocidentais se concentra nos negócios: crédito social corporativo. Isso "pode ​​decidir a vida e a morte de nossas empresas na China", alerta a Câmara de Comércio Europeia em Pequim.

No sistema de crédito social, se as empresas estrangeiras obtiverem uma pontuação abaixo de um certo limite, elas poderão ser proibidas de acessar propostas, passar por mais inspeções trabalhistas ou fiscais do governo chinês, ou ser vítimas de taxas de juros menos favoráveis. Pior ainda, a punição pode estar relacionada a empresas parceiras ou prestadores de serviços que trabalham com a China enquanto estão no exterior.

Os senadores dos EUA esperam convencer Donald Trump a entrar também nesta luta: os dados coletados para crédito social corporativo podem ser gerenciados por um consórcio de empresas chinesas, incluindo a Huawei, banidas dos Estados Unidos pelo inquilino da Casa Branca. É aqui que o crédito social encontra a guerra comercial e tecnológica entre Pequim e Washington.

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