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Após morte da filha jihadista, avô chileno narra epopeia na Síria para recuperar 7 netos

Patricio Gálvez, de 50 anos, é um músico chileno radicado na Suécia desde a sua adolescência. Sua vida virou do avesso quando sua filha Amanda, a pretexto de ir passar férias com o marido e quatro filhos na Turquia, cruzou a fronteira com a Síria. Somente depois de alguns meses ela revelou que havia integrado o grupo Estado Islâmico, junto com seu companheiro, o norueguês criado na Suécia Michael Skramo, jihadista mais procurado do país.

Os sete netos de Patricio Galvez foram encontrados na Síria.
Os sete netos de Patricio Galvez foram encontrados na Síria. Captura de vídeo svt.se
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Gálvez tentou convencer, inutilmente, Amanda a desistir do grupo e voltar para a Suécia. Mas a jovem, que havia se convertido ao islamismo nove anos antes, estava determinada a lutar pelos ideais jihadistas. Amanda morreu em 3 de janeiro deste ano, em um campo de batalha. Skramo teve o mesmo destino dois meses depois, deixando órfãs sete crianças: as quatro mais velhas, nascidas em Gotemburgo, e mais três nascidas em território sírio.

Desde que soube da morte da filha, Gálvez tentou retirá-las da Síria, mas o seu genro nunca permitiu. Quando Skramo morreu, Gálvez decidiu que tinha de ir à Síria recuprerar os seus netos.

Em entrevista à RFI, Gálvez, que reencontrou os netos, incluindo os três nascidos na Síria, conta como está fazendo para repatriar as sete crianças e poder tirá-los do acampamento.

“Tem uma comunicação muito aberta entre os suecos e os chilenos. Os dois governos estão colaborando mutuamente para me permitir trazer as crianças. Existe agora um diálogo entre os suecos e a administração curda da Síria para isso. Não sei exatamente o que vai acontecer quando eu atravessar a fronteira e me comunicar diretamente com a administração curda. A Suécia me disse que está tudo pronto e que eu posso ir recuperar as crianças, mas há um longo caminho. Os curdos são bastante especiais, eles preferem as conversas presenciais”, diz Gálvez, diretamente de Erbil, região autônoma curda no Iraque.

“Vou buscar um hotel barato para alcançar meu objetivo de tirar as crianças do acampamento e trazê-los aqui, em Erbil, onde teremos que ficar umas duas semanas, para fazer todos os trâmites com o consulado sueco, como obtenção de passaporte”, conta ele.

À espera da autorização

“Estou em Erbil esperando a permissão para cruzar a fronteira. Depois, pego um ônibus que me leva à fronteira com a Síria, a umas quatro horas daqui. Chegando lá, terei de falar com um representante autorizado para conversar sobre o tema da remoção das crianças”, espera.

O músico conta que esteve com os netos na segunda-feira passada, 8 de abril. “Eles não estão em um bom estado, têm problemas de infecções pulmonares, estão desnutridos faz ao menos três meses, um deles ficou a ponto de morrer. Eu só quero tirá-los de lá, trazê-los para Erbil e colocá-los num hospital.”

“O Consulado sueco está me ajudando, estão fazendo todo o possível para me ajudar rapidamente. O bonito de tudo isso é que a Suécia, a partir desta caso, vai tentar evacuar outras crianças suecas órfãs”, conta ele, completando que não quer ser visto como herói, que só quer retirar as crianças do acampamento.

Rótulo de terroristas

“Os europeus colocaram o rótulo de terroristas nestas crianças. A mentalidade dos europeus durante todo este tempo era de que os filhos de jihadistas eram todas culpados também. Eles não podem pagar pelo horror que cometeram seus pais. Não podem morrer órfãos aqui”, diz o avô.

Segundo ele, as crianças estão no acampamento Al Hol e são cuidados por curdos que não têm formação médica. “Não têm remédios suficientes, nem comida. Elas me diziam o tempo todo: ‘vovô, estamos com fome’. As crianças querem sair de lá, estão sofrendo bastante”, lamenta.

De acordo com Gálvez, pelos emails que trocava com a sua filha, as crianças viveram em Raqa até 2017, mas, depois que a cidade foi tomada, ficavam fugindo o tempo inteiro.

A morte da filha e a decisão de ir buscar os netos

“Minha filha morreu no dia 3 de janeiro. Daí o pai seguiu fugindo com os filhos. Eu e a avó tentamos que nos entregassem as crianças, mas ele não queria. Ele morreu entre 4 e 6 de março. Graças a uma mulher, que tirou as crianças do campo de batalha, elas foram salvas. Ela tinha dois filhos pequenos e pegou ainda os meus sete netos, sendo que a metade, por estar tão faca e desnutrida, não podia caminhar”, relata.

Gálvez reclama da política adotada pela Suécia no início: “Era como se estas crianças não fossem humanas, não merecessem ser ajudadas. Agora estão se dando conta do horror de tudo isso”.

“Há pelo menos 80 órfãos suecos em Baghuz. Outros moram com as mães, mas também precisariam ser evacuados porque muitos estão doentes. Todas aquelas pessoas que vieram de Baghuz chegaram com infecções do trato urinário, infecções pulmonares, fome, diarreia. E eles vieram para um acampamento onde não podem ser ajudados. Organizações como a Cruz Vermelha não têm uma ação contínua no campo. Eles precisam de permissão para entrar. E esse processo dura dias ou semanas. É uma coisa doentia”, conta.

Ele diz que não há comunicação, escritórios, nem organização logística nesses campos. “ A única coisa que se sabe é que as crianças morrem todos os dias.”

“O problema é que os governos europeus, que deveriam ter atinado para isso antes, não o fizeram porque na Europa tem havido uma política dura com isso. Eles estão ressentidos porque seus cidadãos foram lutar com o grupo do Estado Islâmico. Mas que culpa as crianças têm? Isso é o que eles nunca puderam entender”, lamenta.

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