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Linha Direta

Em meio à caça às bruxas, Turquia busca unidade nacional

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Dez dias após tentativa de golpe militar, a Turquia busca uma unidade nacional. Depois da manifestação de domingo (24) em defesa da democracia, o presidente Recep Taypi Erdogan recebeu na segunda-feira (25) líderes de dois partidos de oposição no palácio presidencial. Enquanto isso, a limpeza nos órgãos públicos continua. O país está em estado de exceção, mas o receio de um contragolpe do presidente turco diminuiu agora que opositores e governistas se reaproximaram.

Manifestação da minoria curda em Istambul, uma semana após a tentativa de golpe militar na Turquia.
Manifestação da minoria curda em Istambul, uma semana após a tentativa de golpe militar na Turquia. OZAN KOSE / AFP
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Fernanda Castelhani, correspondente da RFI em Istambul

Os líderes dos dois principais partidos de oposição, CHP e MHP, visitaram, pela primeira vez, o palácio presidencial – inaugurado em 2014. Foram convidados pelo próprio presidente Tayyip Erdogan para discutir medidas de segurança, políticas econômicas e a própria tentativa de golpe. O clima parece ter sido bem amigável, com declarações otimistas dos participantes.

A legenda que representa as minorias do país, HDP, não foi convidada para a reunião, o que mostra que o governo continua não querendo diálogo com os curdos e que a unidade do país está longe de ser atingida. Mas o partido curdo esteve presente num outro encontro raro nas ruas aqui de Istambul, quando todos os partidos, incluindo o governista AKP, participaram das manifestações em prol da democracia tanto no domingo quanto na noite passada.

Claro que, nos discursos, é possível notar as diferenças. O principal partido de oposição afirma que o Parlamento, como símbolo democrático do país, foi ameaçado com a tentativa de golpe. Uma alfinetada nos governistas, que já defenderam diversas vezes a mudança para presidencialismo. De qualquer forma, é visível que o povo, mesmo contrário ao atual governo, não apoia uma tomada de poder. A Turquia já viveu três regimes ditatoriais e quatro tentativas de golpe. Por enquanto, o que fica é que, ainda que a metade da população não concorde com o modelo atual, aposta nas urnas como única solução.

Reação da população ao estado de emergência

A primeira reação do turcos após o estado de emergência, decretado na semana passada, foi de temor se a medida seria um recurso para o presidente tomar atitudes mais radicais. Como acontece em outros países que estão sob esse regime, celulares e qualquer instrumento de comunicação podem ser confiscados, pode ser proibida a concentração de pessoas em determinados locais e horários, gravações e textos podem ser proibidos, e suspeitos podem ter seus registros cassados mais facilmente.

Quase uma semana após o decreto, a livre circulação pelas ruas e mesmo os controles de segurança permanecem inalterados. Todas as passeatas na praça Taksim, que fica na região central da principal cidade do país, têm sido pacíficas e repletas de famílias vindas de toda a Turquia. Para incentivar justamente essa mobilização em massa, a rede de transporte de Istambul segue gratuita até amanhã.

Apesar de não ser declaradamente partidária, uma grande campanha nacionalista foi lançada nos outdoors e letreiros. Há bandeiras e placas por todos os lados com dizeres como: “Soberania da democracia” ou “Não abrimos mão da democracia”.

Na prática, o governo tem focado seus esforços em prisões e afastamentos. Quase 70 mil pessoas já foram investigadas, suspensas ou detidas por suspeita de envolvimento na tentativa de golpe de Estado. Ontem, pela primeira vez, o alvo foram jornalistas. Quarenta e dois foram presos. Números mais alarmantes vêm do Judiciário, com quase três mil integrantes afastados, e da Educação, ainda maior: 21 mil professores dispensados.

Nos aeroportos, o controle está rigoroso em voos internacionais. Acadêmicos e servidores não podem deixar o país e até os que estavam passando férias de verão fora da Turquia foram convocados a voltar. Quem tem passaporte turco deve apresentar uma declaração da Seguridade Social comprovando que não trabalha para nenhum órgão público caso queira viajar para o exterior. Para turistas ou residentes estrangeiros, nenhuma mudança.

Histórico do golpe de 15 de julho

O Ministério do Interior turco declarou ontem que, além das Forças Armadas, havia articuladores do golpe dentro da polícia, uma vez que o Exército soube antes da tentativa e informou. A Agência de Inteligência Nacional também teve conhecimento horas antes, e começou a agir. Mas que dos policiais não vazou nenhum dado. Ou seja, tudo indica que, apesar da origem em uma pequena parcela dos militares, o planejamento também teve participação de outras instituições.

Para os analistas locais, está claro que o movimento gülenista – formado por seguidores do antigo aliado do governo, Fethullah Gülen - teve papel significativo na tentativa de tomar o controle do Estado. O que não quer dizer, claro, que o próprio clérigo, exilado nos Estados Unidos, tenha colaborado para o plano.

Num artigo assinado pelo próprio Gülen na edição de segunda-feira do New York Times, ele afirma que luta pela democracia por décadas e que, se teve algum simpatizante envolvido na tentativa de golpe, traiu seus ideais. Mas que as acusações de Erdogan não são nenhuma surpresa no que Gülen chamou de “sistemática e perigosa conduta em direção à lei de um só homem” na Turquia.

Mesmo críticos do atual presidente defendem que, hoje, o país está em melhor forma que há alguns dias ou meses, já que ditadura militar ou contragolpe seria o pior dos cenários. Alguns mais otimistas ainda acreditam até que ver, pela primeira vez, um embate declarado entre os próprios segmentos islâmicos - gülenistas versus militantes do AKP - pode gerar uma nova via política para o país.

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