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Moro sai de cena e fortalece impeachment de Bolsonaro em Brasília

Para apoiadores e adversários de Jair Bolsonaro, o pronunciamento de Sérgio Moro ao anunciar que está deixando o Ministério da Justiça foi considerado uma bomba e com reflexos ainda imprevisíveis sobre o atual governo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a dizer que Bolsonaro deve renunciar ao cargo.

O ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro durante coletiva de imprensa em que anunciou sua demissão do cargo.
O ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro durante coletiva de imprensa em que anunciou sua demissão do cargo. REUTERS - UESLEI MARCELINO
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, disse que já solicitou à Comissão de Estudos Constitucionais da entidade um estudo minucioso sobre as declarações de Moro para analisar possíveis implicações jurídicas.

A avaliação de vários setores é de que o ex-juiz apontou ao menos dois crimes por parte do presidente: o de responsabilidade, ao tentar interferir politicamente na Política Federal, inclusive com acesso a investigações e documentos; e o de falsidade ideológica, uma vez que Moro afirmou que não assinou a demissão do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, mas a publicação no Diário Oficial da União vem com a assinatura do ex-juiz.

"Foram muito graves as declarações do ministro Sergio Moro ao comunicar sua demissão, indicando possíveis crimes por parte do presidente da República. É lamentável que, no dia seguinte ao país registrar mais de 400 mortos pela pandemia, estejamos todos em meio a nova crise patrocinada pelo governo", disse o presidente da OAB.

Para o meio político e jurídico, Sérgio Moro explicitou a preocupação do presidente Bolsonaro com investigações da Polícia Federal especialmente com vistas a proteger seus filhos. Entre as apurações em curso estão, por exemplo, a que analisa a fábrica de fake news durante as eleições, e a que pretende identificar quem tem patrocinado e organizado manifestações pró-ditadura militar.

FHC defende impeachment de Bolsonaro

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que Bolsonaro deve renunciar ao cargo: "É hora de falar. O presidente está cavando sua fossa. Que renuncie antes de ser renunciado. Poupe-nos de, além do coronavírus, termos um longo processo de impeachment. Que assuma logo o vice para voltarmos ao foco: a saúde e o emprego. Menos instabilidade, mais ação pelo Brasil", afirmou FHC.

O termômetro político em Brasília é de que as declarações de Moro fortalecem os pedidos de impeachment contra Bolsonaro. E partidos já se mobilizam a partir daí. "Vamos entrar com representação na Procuradoria Geral da República denunciando a interferência política indevida de Bolsonaro na Polícia Federal e nas investigações em andamento. Uma democracia forte pressupõe independência da PF para investigar", defendeu Tábata Amaral, do PDT.

"Supresa"

"Causou-me surpresa a saída do Ministro Sérgio Moro do Ministério da Justiça e da Segurança Pública nesse momento de crise. Preocupa, principalmente, que o ministro tenha saído alegando a tentativa de pressões políticas na autonomia da PF, o que é extremamente ruim para o Brasil," disse Fernando Mendes, presidente da Associação dos Juízes Federais, AJUFE.

A fala de Moro também repercutiu entre procuradores que defendem a investigação sobre atos do presidente. " As declarações de Moro sinalizam a ocorrência de crime de falsidade ideológica, de responsabilidade do presidente da República, na assinatura de ato inexistente de exoneração a pedido do diretor-geral da PF, bem como de crime de responsabilidade, na tentativa de interferência na regularidade de investigações. Ambas as ocorrências precisam ser devidamente apuradas", disse Fábio George Cruz da Nobrega, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.

Avaliação dos militares

A avaliação dos ministros militares de Bolsonaro, que têm atuado como bombeiros em diversas crises e tentaram em vão uma solução menos traumática dessa vez que não a saída de Moro, é de que o governo perde um pilar importante visto a figura emblemática do ministro da Justiça perante os eleitores de Bolsonaro. E enfraquece o discurso de campanha do presidente, que até aqui, mobilizou apoiadores inclusive a ir às ruas pedindo fechamento de Congresso e Judiciário.

“A saída de Moro gera uma enorme frustação. Tudo indica que as mudanças tão defendidas pela população ficam adiadas. Em especial a agenda anticorrupção e o combate firme ao crime organizado e às milícias”, disse o apresentador Luciano Huck.

Muitos entenderam também que Sérgio Moro fez um discurso para tentar sair com a imagem recuperada diante do principal desgaste que enfrentou até aqui, quando mensagens trocadas via Telegram apontaram suposto alinhamento dele, enquanto juiz, com os procuradores da Lava Jato. Episódio que enfraqueceu muito o sonho de Moro de conquistar uma vaga no Supremo Tribunal Federal.

Politicamente, nos bastidores do Planalto, muitos viram nas declarações de Moro nessa sexta-feira, a tentativa de sair como símbolo do combate à corrupção, iniciando caminho político de olho nas eleições de 2022.

Contra-ataque

Alguns adversários de Moro saíram atacando: Moro sai atirando no fascismo que defende e ajudou a fabricar. Os crimes de responsabilidade apontados por ele são estarrecedores e gravíssimos: controlar investigações blindar filhos interferir na PF para ter acesso a relatórios sigilosos são o fim da linha. Com Nixon foi assim, alfinetou o senador Renan Calheiros.

O PT, arqui-inimigo de Sérgio Moro, mas que acabou elogiado pelo ex-juiz durante o pronunciamento dessa sexta-feira pela postura de não interferência na Polícia Federal mesmo com a Lava Jato, também comentou a crise política do atual governo. “A entrevista de Moro é uma confissão de crime e uma delação contra Bolsonaro: corrupção, pagamento secreto de ministro, obstrução de justiça e prevaricação. Ele tinha de sair da entrevista para depor na Polícia Federal”, disse a presidente do PT, Gleisi Hoffman.

Vários governadores se pronunciaram diante das suspeitas apontadas por Moro de interferência no trabalho da Polícia Federal. “A saída de Moro é um golpe à justiça, à democracia do país. Lamento que o país hoje tenha lutar contra dois vírus, o coronavírus e outro que está lá no Palácio do Planalto, em Brasília”, afirmou o hoje inimigo de Bolsonaro, João Dória, governador de  São Paulo.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado do DEM, também defendeu Moro: “ele tem uma vida de grandes serviços prestados ao país na moralização e no combate à corrupção. Lamentável que essa situação tenha chegado a esse ponto”.

Para o governador da Bahia, Rui Costa, do PT, é triste que no momento de grave crise sanitária, o país pare diante do caos político: “Parece que o foco do presidente não é salvar vidas, mas pensar nas investigações que estão sendo feitas contra amigos e parentes, e também contra empresários que estão financiando ataques à democracia”, afirmou.

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