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Fato em Foco

Para brasileiros em Paris, violência urbana no Brasil ainda é pior que terrorismo

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A série de atentados em Paris e as ameaças de novos ataques na Europa confrontam os brasileiros que vivem na França com uma nova sensação de insegurança, a do terrorismo. A RFI Brasil conversou com alguns desses expatriados para saber como eles se sentem diante dos riscos. A maioria reconhece ter mudado os hábitos, na tentativa de diminuir a exposição a novos atentados. Mas, apesar dos perigos, eles afirmam ter a impressão de ainda estarem mais seguros em Paris do que nas capitais brasileiras.

Juliana Aguiar se sente em uma posição de passividade diante do terrorismo, mas acha que, em poucos meses, Paris vai voltar ao normal.
Juliana Aguiar se sente em uma posição de passividade diante do terrorismo, mas acha que, em poucos meses, Paris vai voltar ao normal. Arquivo pessoal
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A editora de imagens Juliana Guanais Aguiar vive há 15 anos na capital francesa, onde sempre se sentiu em segurança. Desde os ataques de 13 novembro, o que ela mais estranha é a sensação de que uma nova tragédia pode se repetir em qualquer lugar.

“Não diria que eu sinto medo, mas tomo certas precauções. Evito ir a alguns lugares, pegar o transporte público na hora de pico. O que eu acho diferente é que, no Brasil, a gente tem umas regras para seguir, e assim a gente se sente um pouco mais ativo na própria segurança. Aqui, pode-se até evitar o metrô, mas não é isso que vai nos proteger de um atentado. Ficamos completamente passivos”, diz Juliana, acrescentando que, em poucos meses, acredita que a vida parisiense vai voltar a ser o que era. Já no Brasil, a insegurança só piora. “A questão é que, no Brasil, somos ativos, mas as probabilidades de acontecer alguma coisa são muito maiores.”

A violoncelista Fernanda Primo se sente mais vulnerável com o terrorismo.
A violoncelista Fernanda Primo se sente mais vulnerável com o terrorismo. Arquivo pessoal

A professora de música Fernanda Primo também se incomoda com o fato de que, apesar das precauções, o terrorismo é mais imprevisível do que a violência urbana a que ela era confrontada no Brasil.

"Não existe lugar a evitar, qualquer lugar é alvo. Por isso, o estresse é diferente, afinal não temos controle nenhum da situação", constata. "Além disso, o número de vítimas é bem maior de uma só vez."

Segurança dentro de casa

Carolina Mires tem evitado lugares onde há concentração de pessoas.
Carolina Mires tem evitado lugares onde há concentração de pessoas. Arquivo pessoal

A gerente de marketing Carolina Mires, 30 anos, mora em uma cidade vizinha da capital francesa e tem evitado frequentar lugares cheios, como shoppings e metrôs.

“Eu acho que a diferença entre a violência lá e o terrorismo aqui é que, lá, nem dentro de casa você se sente realmente seguro. Você não sabe se um louco vai querer entrar na sua casa para roubar. Aqui, apesar dos atentados, em casa eu me sinto segura”, afirma. “Você tenta voltar à vida normal, mas, por enquanto, é verdade que se chamarem para ir em um bar em Paris, eu ficarei com um pé atrás.”

 

O risco crescente de terrorismo na França já levava alguns brasileiros a tomar mais cuidado nas ruas. Para o agente de turismo Mario Cesar Pimentel, obrigado pela profissão a frequentar os pontos turísticos de Paris, essa tarefa tem sido mais difícil. No entanto, apesar das ameaças do grupo Estado Islâmico, ele sentia muito mais medo no Brasil do que na França.

“Eu acho que a violência urbana que a gente tem no dia a dia no Brasil é muito mais grave. Ela me dava muito mais medo, e foi o principal motivo que me fez sair do Brasil”, frisa. “A violência dos atentados talvez seja mais pesada, mas ela é muito esporádica. A gente sabe que jamais vai acontecer todos os dias. No Brasil, é todo o dia, toda a hora.”

Por razões profissionais, Mario Pimentel é obrigado a frequentar pontos turísticos da capital francesa, uma situação que o deixa cada vez mais apreensivo.
Por razões profissionais, Mario Pimentel é obrigado a frequentar pontos turísticos da capital francesa, uma situação que o deixa cada vez mais apreensivo. Arquivo pessoal

Lembrança dos atentados no dia-a-dia

Desde os atentados, a gerente de comunicação Jennifer Smith, 38 anos, não consegue mais desligar do assunto. Filha de pais britânicos, ela morou até os 15 anos no Rio de Janeiro, onde foi assaltada e teve um tio assassinado. A inglesa adoraria voltar a morar no Brasil - mas não cogita essa alternativa apenas por questões de segurança.

Em Paris, ela vive a duas quadras de um dos locais atacados pelos terroristas, na rue de Charonne. A especialista em comunicação diz que, agora, não se sente mais segura em lugar nenhum. A cada vez que houve uma sirene na capital francesa, Jennifer fica em alerta.

“Eu não queria ter medo, estou fazendo de tudo para não ter, porque não quero dar satisfação às pessoas que fizeram todo esse mal, mas a verdade é que estou com muito medo. Acho que é pelo fato de que 19 dos assassinatos foram na minha rua. É algo que eu não posso evitar: vejo o nome da minha rua nos jornais, vejo as pessoas passando para levar velas e flores até o local dos assassinatos”, relata. “Para mim, continua tudo muito vivo e muito presente. Eu fiquei extremamente chocada com esses eventos, que aconteceram em bairros que eu frequento bastante.”

Acostumado com São Paulo, chef não tem medo

O chef Maurício Zillo também foi surpreendido pelos atentados. O restaurante dele, A Mere, fica próximo dos lugares atacados pelos terroristas. Mas ele está decidido a não se deixar abater.

“Eu cresci em São Paulo e agora não tenho medo nenhum. Eu vivo normalmente desde o dia do atentado”, garante. “No próprio dia, a gente fechou o restaurante e desceu com todos os 28 clientes até o subsolo, e ficamos até às 3h bebendo. Nos dias seguintes, obviamente a gente vê as pessoas com medo, mas ainda continua sendo muito mais seguro do que São Paulo. Paris continua sendo Paris.”

Guerra ao terror é sensação nova na França

A socióloga Angelina Peralva, especialista em violência da Universidade de Toulouse, avalia que os últimos atentados colocaram a França em um novo patamar de ameaça – uma situação com a qual os franceses ainda estão se acostumando a lidar.

“Existe uma guerra no território sírio, controlado pelo Estado Islâmico, que responde com uma guerra no território europeu. Eu acho que isso muda o cenário. Mudou a escala do ato de guerra travado no território europeu. O sentimento de insegurança está ligado ao fato de que é difícil medir a capacidade de fogo desses grupos que estão atuando na Europa”, explica a socióloga. “O que está acontecendo em Bruxelas mostra isso, e cria um sentimento de insegurança que é novo.”

Peralva ressalta que, ao contrário do Brasil, onde a polícia chega a fazer parte dos crimes que deveria combater, na França as autoridades estão oferecendo uma resposta rápida aos ataques – o que ajuda a população a legitimar as operações anti-terrorismo e, pouco a pouco, a voltar à normalidade.