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Fato em Foco

Estado do Rio é responsável por atropelamento de corpo nos trilhos da Supervia

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No Rio de Janeiro, na semana passada, o ambulante Adílio Cabral dos Santos, de 33 anos, foi atropelado em Madureira ao atravessar a linha do trem pra tentar fugir do rapa, o confisco de mercadorias pela polícia. O que já era trágico, ficou pior quando uma segunda composição passou, uma segunda vez, por cima do corpo de Adílio. A Supervia, empresa que administra a linha Madureira, admitiu ter dado a autorização para atropelar o cadáver para evitar atrasos na linha. Era horário de pico.

Imagens do acidente do dia 30 de julho na estação madureira do metrô, na zona norte do Rio de Janeiro.
Imagens do acidente do dia 30 de julho na estação madureira do metrô, na zona norte do Rio de Janeiro. Reprodução / Vídeo SuperVia VPC
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O secretário dos transportes do Rio de Janeiro condenou a atitude da empresa e convocou a Agência Reguladora dos Transportes no Estado do Rio a dar uma explicação. A Agetransp, por sua vez, disse que vai cobrar os responsáveis para aplicar as respectivas punições. Mas, afinal, de quem é a culpa por tamanha crueldade?

“A culpa é do Estado”

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio de Janeiro, Marcelo Chalréo responde: “Na verdade, eu acho que o primeiro responsável por essa tragédia é o Estado. É o governo do Rio de Janeiro. Por que eu digo isso? Esse processo de privatização da malha ferroviária foi feito de uma maneira absolutamente descuidada, sem o tratamento necessário que o assunto requeria e requer e sem uma perspectiva de modernização eficaz nos sistema do transporte coletivo de trens do Rio de Janeiro.”

Para o deputado estadual Marcelo Freixo, presidente da comissão de Direitos Humanos e Cidadania na Assembleia Legislativa do Estado do Rio, esse caso cruzou o limite da barbárie. “Eu tenho muitas críticas a esse regime de concessão, muitas críticas à gestão das empreiteiras sobre espaços importantes do Rio de Janeiro. Mas esse episódio está para além de qualquer debate. Passar por cima de um corpo é algo desumano. Não é algo só privado, não é algo só relacionado ao lucro. É algo relacionado a um nível de desumanidade, de não-reconhecimento das pessoas que é algo inconcebível, inaceitável."

Enquanto isso, no metrô de Paris

“Você poderia imaginar, algo do tipo ocorrendo em Amsterdã, em Londres, em Paris, em Lisboa? Ou mesmo em Santiago, em Buenos Aires?", questiona Chalréo, na tentativa de entender o “inconcebível”. "Eu conheço alguns serviços de trem e metrô em cidades equivalentes ao Rio de Janeiro, como México, Santiago. São extremamente superiores ao do Rio de Janeiro. E não estamos falando aqui de capitais de primeiro mundo. Por quê? Porque há uma preocupação mínima com o cidadão e aqui não há. Isso é uma vergonha”, continua.

Perguntamos então à RATP, empresa que cuida do transporte coletivo em Paris, qual o procedimento em casos de atropelamento. Quando o acidente acontece, o maquinista avisa o centro de regulação da estação, que corta imediatamente a energia na linha do trem e avisa a central, responsável por todas as linhas de todos os transportes. Só ela tem autorização de acionar os bombeiros, a polícia e o SAMU. Enquanto isso, os agentes evacuam a estação. Todo esse procedimento leva, no máximo, 10 minutos. É a polícia quem libera a circulação. A equipe verifica os equipamentos da estação e o tráfego pode recomeçar. A paralisação em casos como este pode durar de uma hora e meia a duas horas.

Enquete causa polêmica

No começo desta semana, o jornal O Dia publicou o resultado de uma pesquisa feita com os leitores do site sobre o caso. A pergunta era: “SuperVia admite que trem passou sobre corpo em estação porque tinha altura para tal. Você concorda?”. 60% das pessoas escolheram a resposta “Sim, pois atrapalharia a circulação”. O restante votou pelo “Não, é desrespeitoso”.

Chalréo e Freixo comentaram a pesquisa: “Muitas vezes uma pergunta pode dirigir o pensamento de quem responde pra um determinado ponto. Mas ainda que não tivéssemos tido acesso à forma como a enquete foi feita, é surpreendente o número de pessoas que se manifestou favorável ao comportamento da empresa. Mas, ainda que não fosse 60% e fosse 15%, 20%, 10%, já seria alguma coisa terrível”, ponderou.

Para Freixo, a enquete destoa das ruas: “As pesquisas assim me preocupam muito. Sinceramente, eu não acredito que a maioria das pessoas considere que o trem poderia passar por cima de alguém para não atrasar. O que eu senti de indignação nas ruas não corresponde a esse dado. Aí, depende de como essa pesquisa foi feita, de qual é a pergunta e mesmo que a população concordasse, isso jamais aliviaria a responsabilidade da Supervia. Não é porque a população concorda com o linxamento da rua que o Estado, por exemplo, tem que concordar com isso ou tem que permitir. Para isso existe o Estado. Para isso existe lei. Para se evitar a barbárie”.

Fim da linha

Perguntados sobre qual punição a Supervia mereceria, Freixo e Chalréo fazem coro: a Supervia deveria perder a concessão. “Eu acho que as irresponsabilidades, os erros dessa empresa são tamanhos e tantos que a empresa já deveria ter merecido uma intervenção corretiva do Estado. Sendo os seus gestores e administradores afastados, para um completo diagnóstico da situação e da prestação desse serviço."

Freixo complementa: “o governo deveria romper o contrato com a Odebrecht (proprietária da Supervia), isso deveria há muito tempo ser público. Mas eu acho que esse episódio tira qualquer dúvida, de quem ainda tinha dúvidas, de que esse não é um serviço bem prestado, de que esse não é um serviço feito pensando nas pessoas. Acho que não há hoje qualquer pessoa que consiga defender esse modelo.”

A Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos de Transportes (Agetransp) disse não estar disponível para entrevistas e afirmou, em nota, que abriu “um boletim de ocorrência para apurar as circunstâncias do atropelamento” e que a apuração da agência se dá “no âmbito regulatório”. “Uma investigação criminal está sendo realizada pela Polícia Civil”, conclui a nota.

 

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