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França

Prefeitura de Paris fecha cerco a carros e irrita população nas férias

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A partir do último dia 1º, as vagas para carros nas ruas de Paris passam a ser pagas mesmo no mês de agosto. Até então, durante o verão, elas eram gratuitas em 60% das vias. O que a prefeitura chamou de “nivelamento” dos preços já vinha acontecendo desde janeiro, quando a gratuidade parcial aos sábados foi suprimida. Essas medidas foram votadas em dezembro de 2014, em um pacote para reduzir o número de carros nas vias públicas, incentivar o uso dos estacionamentos subterrâneos e sobretudo, fechar o cerco ao transporte individual.

Carros estacionados em rua do centro de Paris. Vagas serão cobradas mesmo durante as férias.
Carros estacionados em rua do centro de Paris. Vagas serão cobradas mesmo durante as férias. RFI/Vanessa Oliveira
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Apesar de a discussão estar em voga há alguns meses, houve quem se surpreendesse com a notícia. Foi o caso de Céline, de 35 anos: "Ah, não, eu não sabia e, inclusive, eu não paguei! Mas eu acho que reduzir o fluxo de carros na cidade tem de ser uma preocupação durante todo o ano e não no mês de agosto. Não vejo qual é o interesse. Ridículo!".

Na imprensa e nas ruas, a pergunta é: a medida é uma questão ecológica, que visa reduzir o número de carros nas ruas, como alega a prefeitura socialista? Ou é só mais uma fonte de renda para os cofres públicos? O motorista Paul, de 65 anos, aposta na segunda hipótese: "Sim, eu fiquei sabendo da má notícia. Como sempre, só recebemos más notícias. Eu penso como todo mundo: essa é uma questão de dinheiro. Porque isso não incomodava quase ninguém e nessa época existem muitas vagas pra que a prefeitura agora decida fazer as pessoas pagarem. Do meu ponto de vista, não é útil. Eles não precisavam disso. Com essa história de ecologia a gente vai acabar sem poder fazer nada. Eles deviam acabar com os carros, então. Deviam fechar logo as fábricas na França e ponto. Talvez eles ficassem contentes!".

Uma questão global

O especialista em urbanismo e impactos ambientais Edson Capitanio acredita que a medida é coerente com as políticas parisienses de mobilidade urbana: "O uso do carro é prejudicial atualmente para qualquer grande cidade. Porque nós temos muitos problemas com relação à questão ambiental. Temos problemas ligados à poluição gerada por esses veículos por utilizarem combustíveis fósseis, e acidentes". Ele, que também é professor na universidade paulista de arquitetura Escola da Cidade, lembra o caso de São Paulo e as recentes políticas em prol do transporte público e não motorizado e atribui as discordâncias a um conflito de interesses.

"É um conflito recorrente de usuários que, normalmente, têm interesses distintos. É um comportamento que é o reflexo de algumas situações de conflito. Por parte de uma certa classe social, que ainda não utiliza o transporte coletivo, por conveniência ou por deficiência do transporte coletivo em si, que ainda não tem uma rede tão ampla, na própria cidade de São Paulo, que ainda precisa melhor muito. Eu acredito que ainda são culturas que estão enraizadas em comportamentos também que são de classe social. E que têm sofrido algumas alterações, acho que até nos últimos anos".

Participante do projeto do Plano diretor da cidade de São Paulo, Capitânio acredita que as medidas tomadas pela Europa são inclusive exemplo. "Temos buscado exemplos de cidades, principalmente as européias, que têm um incentivo um pouco maior ao transporte público e coletivo, em detrimento do incentivo ao carro. A ideia eu acho que é mudar a cultura de utilização de transporte, no caso dos brasileiros. Isso é difícil. Nós temos uma cultura de incentivo ao uso do carro. De compra, de troca de carros e cada vez mais carros dentro de cada família brasileira. E agora eu acho que a gente precisa repensar essa cultura moral em termos de uma cultura mais cidadã", sugere.

Para própria prefeitura de Paris, o grande desafio é lidar com a indisciplina dos parisienses. Segundo a prefeitura, 90% não pagam os estacionamentos, preferindo correr o risco de pagar a multa, fenômeno que pudemos confirmar nas ruas: "De todas as formas, eu não pago nunca o estacionamento porque é caro demais! Eu prefiro pagar a multa. Da última vez em que eu precisei parar por duas horas eu devia pagar 16 euros! A multa em Paris é de 17 euros... e eles nunca passam a cada duas horas. Enfim, te deixo calcular!", provoca Didier, de 48 anos.

Para Capitanio, só a multa não basta para mudar essa mentalidade. "A multa entra como um fator que deveria inibir as infrações, inibir o mau uso dessa propriedade que é o automóvel. E pensando na cidade. Pensando em um uso social dessas propriedades e em um uso social do sistema viário público."

A capital finlandesa, Helsinki, estabeleceu 2025 como prazo pra acabar com o transporte individual. Paris tenta passar uma série de medidas para estimular ônibus, metrô e bicicletas. São Paulo está na guerra das ciclovias. Caminhamos pra um futuro sem carros. A questão é: quando vamos aceitar isso?

 

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