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França

Laicidade vem sendo associada à "higiene cultural", diz sociólogo francês

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Duas semanas depois dos atentados terroristas na França que deixaram 17 mortos, o debate sobre a laicidade e o reforço dos valores republicanos nas escolas e na sociedade volta à tona. Nos dias que sucederam os atentados, diversas situações surpreenderam as lideranças políticas francesas. Uma delas aconteceu em uma escola de Saint-Denis, na periferia da capital, onde um grupo de alunos se recusou a fazer um minuto de silêncio em homenagem às vítimas do ataque.

Flores decoram a porta do jornal Charlie Hebdo em homenagem às vítimas do ataque extremista
Flores decoram a porta do jornal Charlie Hebdo em homenagem às vítimas do ataque extremista Benjamin Castells
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Professores também relataram que muitos alunos se disseram chocados com as caricaturas do profeta Maomé publicadas no jornal Charlie Hedbo, e outros chegaram a defender a ação dos irmãos Saïd e Chérif Kouachi, autores do atentado. No Twitter, a hashtag #jesuiskouachi, em alusão ao lema #jesuischarlie, estiveram entre termos mais comentados na rede poucos dias depois do ataque.

As reações inesperadas de alguns estudantes franceses levaram a ministra francesa da educação, Najat Valaud-Belkacem, a lançar uma grande campanha pela mobilização nas escolas em defesa dos “valores republicanos”, que incluem a laicidade. A lei, de 1905, além de separar igreja e Estado, prevê a liberdade de culto mas estipula a neutralidade dos funcionários públicos – o que originou o debate, por exemplo, sobre o uso do véu nas escolas.

A Assembleia Nacional francesa também está criando uma comissão de investigação sobre o jihadismo. Entre seus integrantes, está o sociólogo e filósofo Raphaël Liogier, autor do livro “O mito da islamização”, e “Uma laicidade legítima – a França e suas religiões de estado”. Ele defende que, diante da ameaça terrorista, o termo vem sendo mal interpretado e associado a uma ideia, errônea, de “higiene cultural”.

“Hoje a laicidade na França se transformou em uma espécie de princípio que consiste a eliminar a visibilidade cultural de alguns setores da população. Isso nunca tinha acontecido antes, mas agora as pessoas têm medo. Posso compreender o porquê desse medo. Os jihadistas que dizem pertencer ao Islã existem. Mas é preciso tomar cuidado para não entrar no jogo dos terroristas, que pretendem representar o Islã, e que no fim, representam apenas eles mesmos. Não entender isso significa entrar nesse jogo, como fazem muitos franceses. É isso o que os jihadistas querem: que todos pensem que eles representam algo mais do que apenas eles mesmos.”

Para Liogier, existe uma confusão em torno do conceito da laicidade. “Confunde-se tudo. Muita gente acha que uma menina que passeia com um véu islâmico, ou uma mãe de véu que vai buscar seu filho na escola, ou ainda um imã que anda de branco e deixa a barba crescer, representam um perigo para a república e a laicidade”, diz. “Temos essa fantasia coletiva da islamização, de uma guerra que não é somente uma guerra de jihadistas que são completamente loucos, mas que seriam a avant-garde do Islã que no fim, busca nos atacar.”

“Laicidade e jihadismo não se opõem”

O especialista explica que a laicidade e o jihadismo são dois processos diferentes que não se misturam. Segundo ele, o conceito é utilizado para justificar a luta contra o comunitarismo.

“Hoje o jihadismo não vem do comunitarismo. É o contrário. Os jihadistas que conhecemos, contemporâneos, são pessoas solitárias, e que não participam de nenhuma comunidade. São lobos solitários. São pessoas abandonadas por todos, que não se entendiam com mais ninguém, nem mesmo as pessoas de seu próprio bairro. Então não se trata de uma luta contra o comunitarismo”, declara.

A internet, diz, é o celeiro desses franceses solitários que, de repente, descobrem que podem “existir” e se tornarem heróis entre os extremistas. Esse doutrinamento, diz, os afasta da comunidade islâmica do bairro que frequentam.

“Eles consideram que esse é o ‘falso Islã’, e que o único Islã verdadeiro é o da guerra, fora da comunidade. Então, quando usamos a laicidade como arma contra o comunitarismo, estamos enganados”. O especialista lembra que a Internet tem um papel fundamental neste processo de doutrinamento. “Sem a leitura de textos web, sem as redes de contatos que possibilitam os encontros, isso tudo não seria possível”, diz.

 

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