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Combate à corrupção de empresas francesas no exterior avança, mas ainda é fraco

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A empresa SBM Offshore terá de pagar US$ 240 milhões de multa à justiça holandesa por ter subornado agentes públicos em quatro países – entre eles o Brasil, por contratos com a Petrobras. A decisão, da semana passada, aponta para uma mudança em uma cultura estabelecida há décadas. Faz apenas 15 anos que o pagamento de propina para obter negócios no exterior passou a ser condenado na Europa. Entre as empresas francesas que são ou já foram investigadas por corrupção transnacional estão a Total e a Alstom – ambas com negócios no Brasil.

Embarcação da empresa holandesa SBM, que pagará multa por corrupção.
Embarcação da empresa holandesa SBM, que pagará multa por corrupção. sbmoffshore.com
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A gigante petroleira Total, que explora 30% do campo de Libra do pré-sal brasileiro, já foi investigada pela Justiça francesa por “corrupção ativa de agentes públicos no exterior” em Camarões e no Irã. No caso iraniano, acabou sendo investigada também pela Justiça americana, e a Total aceitou pagar, no ano passado, US$ 400 milhões a órgãos de controle dos Estados Unidos para encerrar o processo. Segundo órgão federal americano Securities and Exchange Commission, a Total teria pagado “US$ 60 milhões de propina a um agente público iraniano para que ajudasse o grupo a obter contratos de exploração de campos de petróleo”.

Entre outras empresas francesas investigadas pela mesma prática estão grandes nomes como Veolia, Sanofi, Safran, Vinci e EADS. A maior parte dos casos remete ao início da década passada. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos últimos anos, começa a haver uma maior fiscalização da Europa sobre suas empresas. O único país que não está fazendo a lição de casa, diz a OCDE, é justamente a França. Nos últimos dois anos, Paris abriu 24 novos processos de corrupção de agentes públicos no exterior, mas nenhum ainda levou a algum tipo de condenação.

Já um levantamento da ONG Transparency International mostra que, na década 2000/2010, a França abriu apenas 24 investigações – contra 176 na Alemanha e 275 nos Estados Unidos. “A legislação é perfeita, mas falta vontade do Estado de processar as empresas e há uma falta de vigilância dos juízes para que se chegue a condenações”, critica o vice-presidente da ONG, Jacques Terray. “Denúncias são feitas e não chegam a lugar nenhum. Elas tramitam indefinidamente” diz o advogado.

Para Terray, apesar da mudança na legislação, o poder executivo segue tendo influência sobre os promotores e, assim, impede uma maior atuação do judiciário. “É para proteger os campeões nacionais”, ironiza, referindo-se às empresas que fazem parte do CAC40, o seleto grupo das maiores companhias francesas.

Propina com isenção fiscal

Apesar da lentidão, o aumento na quantidade de denúncias mostra uma mudança de um padrão que durante décadas foi aceito como normal. No ano 2000, uma convenção da OCDE determinou um protocolo para punir crimes de suborno no exterior, o que significou o início da mudança. Mas até então, a propina tinha até um nome formal nas políticas das empresas francesas: “taxa comercial extraordinária para o mercado estrangeiro”. À exceção dos Estados Unidos, a taxa não só era praticada na maior parte dos países altamente industrializados como havia isenção de imposto para estes valores – ou seja, um incentivo governamental ao suborno.

Philippe Montigny, especialista em corrupção de empresas que foi funcionário do Ministério da Indústria francês nos anos 80, afirma que o pagamento de pot-de-vin – apelido francês para a propina – surgiu nos anos 60, com o fim da colonização e o surgimento de novos países. O suborno se tornou então uma maneira de garantir boas relações com os novos agentes públicos, principalmente no contexto da luta de influência entre Ocidente e a URSS, e era praticado por todos os países europeus. A Alemanha, pioneira, já no pós-guerra lançou mão do recurso para compensar a pouca credibilidade comercial com que saiu do conflito.

Uma vez estabelecido, o pot-de-vin internacional caiu no gosto de agentes públicos de países em desenvolvimento, como o Brasil. Montigny hoje preside a ETHIC Intelligence, companhia que emite certificados de idoneidade a empresas que passam pelo crivo de uma extensa avaliação. Entre as companhias que obtiveram o certificado está a Alstom, depois de criar um programa anticorrupção para responder aos casos do início da década passada.

Balé de três dançarinos

Montigny afirma que a convenção da OCDE, de 2000, foi o turning point que levou as companhias a reverem suas práticas, mas ainda “de forma lenta”. O que tem funcionado, de fato, é a atuação da Justiça norte-americana. Tradicionalmente intolerante com a corrupção corporativa, ela começou a aplicar sua legislação extraterritorial sobre a França, Inglaterra e Alemanha. “Foi quando os europeus começaram a levar o assunto a sério”, diz Montigny.

Para o especialista, cada vez mais as empresas precisam desenvolver métodos para vigiar os próprios funcionários, como fez o banco americano Morgan Stanley, que, no ano passado, flagrou um de seus agentes na Ásia corrompendo agentes chineses e o denunciou. “Temos a tendência a dizer que a corrupção é um tango que se dança a dois, com um corruptor e um corrompido”, compara Montigny. “Mas eu penso que é um balé que se dança a três: há sempre o corrompido, que vai receber o dinheiro, e, do lado da oferta, é preciso separar a empresa e o indivíduo que vai oferecer.”

Montigny acredita que os episódios de corrupção de agentes públicos no Brasil, como o que ocorre agora na Petrobra, obedece a uma lógica global. “A corrupção não é cultural. A questão da integridade é transversal e universal. Em algum momento, o país muda de estrutura econômica e política. E é nestes momentos que há um terreno fértil para a corrupção. Foi a passagem da URSS para a Rússia, a transformação da economia planificada da China no que conhecemos hoje. E, no caso do Brasil, é ao mesmo tempo a emergência da economia brasileira e a transformação democrática.”
 

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