Acessar o conteúdo principal
Linha Direta

Descaso com sequestro de estudantes faz mexicanos pedirem o impeachment de Peña Nieto

Publicado em:

O governo do presidente mexicano Henrique Peña Nieto vive uma de suas piores crises políticas. A opinião pública está indignada com o desaparecimento de 43 estudantes da escola Ayotzinapa no último mês de setembro, em Iguala, no sul do país. Os protestos são diários, principalmente depois do anúncio da Procuradoria Geral da República de que os estudantes teriam sido assassinados e queimados. Eles desapareceram depois de serem atacados por policiais e entregues ao tráfico. Apesar de tudo isso, o presidente decidiu deixar o país e fazer uma viagem oficial a Pequim.

Presidente mexicano Peña Neto (esquerda) encontrou líder chinês em Pequim nesta terça-feira.
Presidente mexicano Peña Neto (esquerda) encontrou líder chinês em Pequim nesta terça-feira. REUTERS/Kim Kyung-Hoon
Publicidade

Fernanda Brambilla, correspondente da RFI na Cidade do México.

O presidente mexicano nem tinha chegado à China quando a porta do Palácio Nacional na Cidade do México foi alvo de bombas molotov. Se antes o clamor era pela volta dos estudantes vivos, agora, nas redes sociais, se espalham os hashtags #renunciaEPN e #Artigo39, em menção a um artigo da constituição mexicana que fala sobre o direito do povo em pedir impeachment.

Está claro para a população mexicana que o que aconteceu em Iguala foi um crime de Estado. Os protestos, antes pacíficos, ganharam força e agressividade. Em Acapulco houve enfrentamentos entre manifestantes e policiais. O aeroporto foi tomado. E o pior é que Ayotzinapa não é um caso isolado. Em junho, 22 suspeitos de delinquência foram assassinados por policiais em plena luz do dia, em mais um exemplo de ausência de governo ou de justiça.

A viagem é mais um dos muitos descasos de Peña Nieto desde o massacre, em setembro. Ele ainda não viajou ao Estado de Guerrero, não declarou luto oficial, não baixou a bandeira. Foi a proximidade dessa viagem, aliás, que obrigou o governo a organizar uma coletiva de imprensa para acalmar ânimos. Mas teve efeito inverso. O que se viu foi um procurador-geral Jesus Murillo Karam irritado com cobranças de jornalistas. E que disse o que todos já intuíam: que “tudo indica” que os estudantes foram mortos. Ou seja, um veredicto sem avanço investigativo nenhum.

Houve um momento em que uma repórter lembrou que há uma base do Exército federal em Iguala e poderia ter sido acionada. O procurador diz que “ainda bem” que não, pois o estrago teria sido pior. Um exemplo pontual da crise de poderes no México, da profundidade da corrupção das forças militares, da falência do Estado. Para sorte de Peña Nieto, a China é um forte parceiro comercial, que tem sua quota cheia de violações de direitos humanos, então ele não deve ser questionado por lá. Mas depois, o presidente mexicano participará de uma cúpula do G20. Aí sim vai ser difícil se esconder.

Repercussão internacional

A entidade de direitos humanos Human Rights Watch fez a comparação mais temida: o massacre de Ayotzinapa é o pior da América Latina nos anos recentes e se compara a outro episódio sangrento do México, Tlatelolco. Em 1968, cerca de 200 estudantes que se reuniam nesse complexo habitacional, Tlatelolco, foram executados por ordens do ditador Gustavo Díaz Ordaz. A triste coincidência é que estamos falando do mesmo PRI de Peña Nieto, o Partido Revolucionário Institucional.

Em sua campanha presidencial, em 2011, ele se vendeu como “a cara moderna de um partido arcaico”. Mas esses e outros casos nos levam direto ao México dos anos 60. Por mais que Peña Nieto tenha tentado se afastar da caça aos narcos de Felipe Calderón, foi traído pela corrupção de sua polícia, por mortes igualmente chocantes. Quem se lembra hoje que, em fevereiro, nove meses atrás, a Time americana colocava esse líder na capa com a aposta “Salvando México”?

Consequências econômicas

O embaixador americano Anthony Wayne disse não acreditar que a tragédia de Ayotzinapa afetará os investimentos dos Estados Unidos no México. Mas a Europa não foi tão condescendente. O Parlamento Europeu solicitou que o acordo global entre o México e a União Européia seja suspenso até que a entidade possa reconstruir a confiança nas autoridades mexicanas em matéria de direitos humanos.

Ou seja, as reformas políticas conduzidas pelo governo de Peña Nieto e que foram alicerces de campanha – de fazenda, energética, educativa e de telecomunicações –, perdem força se têm à frente um líder leniente socialmente. No ano que vem, o sistema político do México terá eleições para governador, senadores e deputados, e será hora de cobrar os partidos por seus políticos – o prefeito de Iguala é um de muitos corruptos que comandam pueblos na base do suborno e de ameaças, totalmente coniventes com narcotráfico.

Outros escândalos

A mais recente denúncia envolvendo o mandatário mexicano é a chamada Casa Branca. Mas essa não tem nada a ver com Obama. É uma mansão no valor de US$ 7 milhões em um bairro de alta classe aqui na Cidade do México que seria dele, e o melhor, seria parte de uma transação econômica obscura.

A casa foi construída pelo grupo empresarial que acaba de vencer uma licitação para implementar o primeiro trem-bala da América Latina, entre México e Querétaro. No fim de semana, a história da mansão veio à tona na mídia e a licitação foi revogada. Agora, o porta-voz da presidência afirmou que a casa é da primeira-dama, Angélica Rivera, que antes era atriz de novela da Televisa. Outra história que não colou. Este é só mais um ataque que fragiliza a imagem desse presidente posto em xeque.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.