Covid-19: mortes ocorreram em meio à "indiferença geral", diz cientista que orienta governo francês
Dois anos após o início da epidemia, a vida na França voltou praticamente ao normal. O boletim divulgado nesta sexta-feira (6) pela Santé Publique France, a agência de vigilância sanitária francesa, mostra que a circulação do vírus e as hospitalizações diminuíram e essa tendência deve se manter nas próximas semanas. O SARS-CoV-2, entretanto, ainda é responsável por cerca de 100 mortes diárias no país.
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A Covid-19 ainda pode surpreender e o aparecimento de uma nova variante no país no outono europeu, a partir de setembro, não está excluída, alerta Jean-François Delfraissy, presidente do Conselho Científico francês, órgão criado pelo governo para orientar as decisões durante a epidemia. Em entrevista à rádio francesa France Info, ele lembrou "a indiferença" em relação às mortes provocadas pelo SARS-CoV-2 que ocorrem país desde o início da pandemia, em março de 2020.
"Não devemos nos esquecer: desde 15 dezembro de 2021 contabilizamos 24 mil mortes e, de uma certa forma, fomos indiferentes a isso. A epidemia não acabou e teremos uma nova variante no outono. A questão é qual será essa variante, como vamos lutar contra ela e quem deverá ser vacinado", disse, ressaltando as incertezas sobre a severidade da nova cepa, que também pode surpreender e chegar mais cedo, como aconteceu com a Delta, que se alastrou na França em junho de 2021, em pleno verão.
Segundo a Santé Publique France, em uma semana, a taxa de incidência do vírus (o número de pessoas contaminadas por um caso positivo) caiu 39% e os casos diários despencaram de cerca de 80 mil por dia para aproximadamente 43 mil. A queda também repercute nos hospitais: cerca de 21 mil pessoas estão internadas atualmente, 3 mil a menos do que na semana passada. Há questionamentos, entretanto, em relação à fiabilidade desses números, já que cada vez menos testes são realizados e a maioria das infecções tende a ser assintomática.
Nesta quarta-feira (4), o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que as poucas medidas restritivas que restam serão reavaliadas, diante da estabilização da situação sanitária. A declaração foi dada durante o Conselho de Ministros. Atualmente, na França, o uso da máscara continua sendo obrigatório no transporte público e nos estabelecimentos de saúde, por exemplo. Delfraissy não se pronunciou sobre o relaxamento dessas medidas, mas afirmou que o país está "preparado para viver com o vírus".
O representante do Conselho Sanitário francês também não pareceu preocupado com a BA.4 e BA.5, as duas novas subvariantes que provocam uma quinta onda da epidemia na África do Sul. Segundo ele, a alta dos casos no país se explica pela pouca exposição dos sul-africanos à BA.2, subvariante da ômicron que contaminou boa parte da população francesa, e à baixa taxa de vacinação no país.
Ele também salientou que a França está preparada para enfrentar a chegada de uma futura variante que, pela lógica, deve ser mais contagiosa. Resta saber se ela gerará formas graves e se as vacinas continuarão a ser eficazes para proteger a população.
Epidemia não acabou, alerta Instituto Pasteur
Em uma entrevista coletiva no Insituto Pasteur, em Paris, a virologista Sylvie van der Werf lembrou que a "pandemia não acabou", apesar do nível de imunidade da população, que permitiria a passagem para uma "fase de transição." Ela lembrou, entretanto, "que é muito difícil fornecer indicadores específicos que determinarão quando a epidemia chegará ao fim." A vacinação, lembrou, permitiu à França e à Europa colocar um fim em medidas mais drásticas, como o toque de recolher ou o lockdown.
O diretor do Instituto de Saúde Global da Universidade de Genebra, Antoine Flahault, lembrou que as mortes por Covid-19 na França, em números absolutos, se mantêm em um número elevado, que não diminuiu muito desde o início da epidemia. É prematuro, disse, afirmar que a pandemia chegou ao fim.
A Organização Mundial da Saúde alertou para a importância do sequenciamento das variantes para poder detectá-las o mais cedo possível. A OMS divulgou um relatório, nesta quinta-feira (5), com novas estimativas sobre o número de mortes provocada pela pandemia, que teria provocado até 17 milhões de mortes de janeiro de 2020 a dezembro de 2021, ou seja, cerca de três vezes mais do que o oficialmente registrado.
"Novos dados da Organização Mundial da Saúde mostram que o balanço total associado, direta ou indiretamente, com a pandemia de Covid-19, entre 1º de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 202, é de 14,9 milhões de mortos (com uma margem de entre 13,3 milhões e 16,6 milhões)", afirmou a instituição em um comunicado.
Países escondem dados para justificar política
Desde o início da pandemia, os números dos países-membros reunidos pela OMS registram um total de 5,4 milhões de mortes por Covid-19 em dois anos. Há muito tempo, porém, a instituição da ONU alertava que os números estavam longe da realidade.
A OMS afirmou que a maioria das mortes adicionais (84%) se concentraram no Sudeste Asiático, que inclui a Índia; Europa (incluindo a Rússia e outros quatro países da antiga União Soviética) e as Américas.
Da média de 14,9 milhões de mortes, 5,99 milhões estão no Sudeste Asiático, 3,25 milhões na Europa, 3,23 milhões na América, 1,25 milhão na África, 1,08 milhão no Mediterrâneo Oriental e 0,12 milhão no Pacífico Ocidental. Apenas dez países representam 68% do total de sobremortalidade.
Para a psiquiatra Anne Senequier, co-diretora do Observatório da Saúde do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicos, muitos países esconderam os dados reais de mortes por Covid-19 para justificar sua política de combate à doença. "Não podemos defender uma estratégia e ao mesmo tempo ter corpos empilhados uns sobre os outros nos necrotérios", disse em entrevista à RFI, citando como exemplo a Índia e a China.
O número de óbitos no mundo foi maior em homens (57%) do que em mulheres (43%), e estima-se que 82% sejam de pessoas com mais de 60 anos. A OMS lançou seu alerta sobre a Covid-19 em 30 de janeiro de 2020, semanas após detectar os primeiros casos na China. Mais de dois anos depois, a doença continua a causar milhares de mortes todas as semanas.
(RFI e AFP)
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